Pesquisar este blog

sábado, 19 de abril de 2014

Dons de Revelação


Na carta de Paulo aos irmãos de Corinto, são alistados, inicialmente nove dons (I Co 12. 8 - 10), que são divididos em dons de revelação, dons de poder, e dons de elocução verbal. A despeito do autor da lição da Escola Bíblica creditar a divisão e classificação ao teólogo Stanley Horton, a mesma pode ser vista em uma obra cercada de controvérsia como o é a Bíblia de Estudo Dake, para quem os mesmos podem ser classificados da seguinte forma: 1) dons de revelação, ou dons de saber, 2) dons de poder, ou dons em ação, 3) dons de inspiração, ou elocução verbal.
Para fins de introdução ao assunto, irei enumerar os mesmos dons. Assim, são dons de revelação: Palavra da Sabedoria, Palavra do conhecimento (ou da ciência), Discernimento de Espíritos. Os dons de poder são: Fé, Dons de curas, Operação de Maravilhas. Reitero que tais divisões já podem ser vistas na Bíblia de Estudo Dake, daí a minha dificuldade em creditar a referida classificação a um autor específico . Gostaria de avançar com leitor neste estudo, e em tempo passar aos conceitos que nos interessam.

I) CONCEITOS PERTINENTES AO ESTUDO

A respeito do significado de dom, o leitor pode ver neste estudo. Desde já ressalto que na opinião de Vincent, a expressão χαρισμα, que pode ter em χαρισματα (charismata) uma das suas variantes, pode ser usada pelos autores bíblicos tanto para designar as bênçãos da salvação, que Deus, por meio de Cristo concede aos pecadores, quanto um dom extraordinário do Espirito Santo, que reside e trabalha no individuo.
Além do conceito de dom, é de fundamental importância que se explore o conceito de revelação. A terminologia original para revelação é αποκαλυψιν (apokalipsin), cujo sentido, para Robinson, é o de um revelar da parte de Deus de coisas dantes desconhecidas. Escrevendo aos crentes de Roma, Paulo afirma:
Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé (Rm 16. 25, 26 ACF). 
Em outras palavras, a pregação de Cristo não é algo novo, inovador, ele subordina-se, na verdade amolda-se á revelação do mistério (μυστηριου), que desde os tempos eternos esteve oculto. Este μυστηριου é algo que dada à ausência de obviedade não se encontra no mesmo nível percepção humana. E de fato, os agir de Deus quase sempre se dá a partir de um nível superior ao dos pensamentos humanos. É o que se percebe nos lábios do profeta quando Deus fala por meio deste:
Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.  Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos (Is 55. 8, 9 ACF). 
Se os pensamentos divinos  se dão em um nível de operação que está acima do humano, daí que seja plenamente compreensível a necessidade de revelação, bem como a definição que a própria Teologia faz da mesma. A apokalipsis bíblica equivale ao ato pelo qual Deus fez saber aos homens os seus mistérios (perceba a presença desta palavra na conceituação lexical), sua vontade, a princípio no momento da criação, depois por Moisés e os profetas, e finalmente por Jesus Cristo (aqui). E, ou, conjunto de verdades sobrenaturais manifestadas por Deus ao homem através da inspiração e iluminação (perceba mais uma vez a presença desta palavra na conceituação lexical) ou pelo ensino oral, comunicado aos patriarcas, profetas, apóstolos e santos (aqui).
As definições lexicais apontam para duas categorias de revelação. Uma que, ao mesmo tempo em que começa, se encerra em Jesus Cristo e nos seus apóstolos, e outra que avança a partir da revelação de Cristo e dos apóstolos, e por isto mesmo se constitui como uma compreensão maior do que já fora revelado. É nesta segunda categoria que se enquadram os dons de revelação. O que até agora fora dito pode ser resumido da seguinte forma:
  1. O objeto da revelação sãos os mistérios de Deus.
  2. Daí que a mesma se dê em um nível mais elevado do que o da percepção humana.
  3. A revelação do que é norma de conduta e prática se dá por meio da natureza, dos Escritos canônicos e por Jesus Cristo.
  4. As revelações atuais são uma compreensão cada vez mais aprofundada do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo (Ef 3. 9 ACF).
  5. Sim, nas Escrituras mistério é o que já está revelado, uma vez que ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo (Ef 1. 8, 9 ACF). 
  6. É nesta categoria de revelação que os dons de revelação se enquadram.
Este é o ponto em que convém explorar os significados de sabedoria, conhecimento e discernimento.

II) SABEDORIA, CONHECIMENTO E DISCERNIMENTO

Ao contrário que versam os léxicos, a sabedoria bíblica não tem correlação alguma com a erudição e o saber intelectual. Na verdade ela tem mais a ver com a habilidade nos afazeres da vida. Este é o sentido inicial de חָכְמָתֶ֑ (hokemah), ou σοφια (sophia), e foi com este sentido, que Davi disse a Salomão: faze pois, segundo a tua sabedoria, e não permitas que suas cãs desçam à sepultura em paz (I Rs 2. 6 ACF), quando deu a este orientações a respeito de derrotar oponentes e com isto, consolidar o seu reino.
Robinson afirma que este tipo de sabedoria aparece ainda na ordenação da vida cristã. De sorte que tiago instrui: se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente (Tg 1. 5 ACF), e depois o mesmo ressalta que esta sabedoria é evidenciada na vida cristã por meio de obras em mansidão de sabedoria (Tg 3. 13 ACF), indicando com isto que a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia (Tg 3. 17 ACF).
Com isto Tiago faz uma distinção clara entre dois tipos de sabedoria, uma que vem do alto, e outra que é terrena, animal e diabólica (Tg 3. 15 ACF). A primeira se manifesta em mansidão e sabedoria, ao passo que a segunda se limita às contendas e debates que nada mais fazem do que promover invejas e ruins suspeitas. Para todos os efeitos a fala de Tiago abre o espaço para uma nova compreensão do que vem a ser a sabedoria de Deus. Neste sentido, חָכְמָתֶ֑ (hokemah) passa a ser um profundo conhecimento natural e moral.
Todavia, há a sabedoria divina, da qual Paulo fala na antífona que se lê na sua carta aos crentes de Roma. Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! (Rm 11. 33 ACF). Esta é a sabedoria que, dado seu caráter insondável, somente pode ser atingida pelo homem por meio de revelação. É neste ponto que entram os dons de revelação. Aqui cabe a observação de que ao lado da sabedoria aparece o conhecimento de Deus, outro objeto dos dons de revelação.
O conhecimento divino opera em um nível de profundidade e radicalidade infinitamente superior ao dos homens, permita-me uma explicação. O homem pode sondar e perscrutar todos os objetos da natureza, pode de posse da confiança de um animal, fazer do mesmo um objeto de estudo. Pode sistematizar os dados que colhe da observação de outros seres humanos, sendo que neste caso, o pesquisador conhece apenas aquilo que o outro lhe permite saber. É daí que nasce o conhecimento humano. Este consiste na sistematização (ou organização), dos dados da cultura (o saber que uma geração passa para a outra), da experiência, e em alguns casos na comparação com teorias passadas e elaboração de novas.
O conhecimento divino opera em outra categoria, uma vez que os apóstolos e profetas perguntam: Por que quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? (Rm 11. 34, 35 NVI). A fala de Isaias é ainda mais contundente: Quem guiou o Espírito do Senhor, ou como seu conselheiro o ensinou? Com quem tomou ele conselho, que lhe desse entendimento, e lhe ensinasse o caminho do juízo, e lhe ensinasse conhecimento, e lhe mostrasse o caminho do entendimento? (Is 40. 13, 14 ACF).
No caso do conhecimento divino, é mais do que sabido, por meio destas passagens que Deus não aprendeu nada de ninguém. Além do mais, o conhecimento de Deus engloba seu conhecimento em profundidade dos pensamentos e intentos humanos (Jr 11. 20; 17. 9, 10), da real natureza de todas as coisas (Is 40. 22), e ainda acontecimentos futuros (Is 40. 21).
O discernimento é o exercício da capacidade de julgar, com vistas e emissão de uma opinião. Mas em determinados casos o critério de avaliação humana não é suficiente, o que demanda uma percepção supra natural a fim de que o julgamento possa ser feito de forma concisa. É neste ponto que se vê a necessidade de dons de discernimento de espíritos. Feitas as considerações supra, posso abordar livremente os dons de revelação.

III) OS DONS DE REVELÇÃO

O consenso é de que os dons da Palavra da sabedoria, Palavra do Conhecimento e discernimento de espíritos, são dons de revelação, e isto por um simples motivo, eles não são produtos de uma experiência acumulada, ou de um conhecimento advindo da leitura e da reflexão, e muito menos de um conjunto de critérios que permita aos homens saber com certeza a motivação espiritual, por trás de cada manifestação. Não! Tais manifestações são produto de uma iluminação divina, excelente, que manifestam a sabedoria e o conhecimento de Deus.

i) Palavra da sabedoria

Não se trata de um falar sábio proveniente dos dias (Jó 12. 12), uma vez que esta mesma sabedoria é subvertida pela sabedoria de Deus (Jó 12. 13). Mas de um conselho prático em razão de um conhecimento revelado. Isto se aplica ao caso de José, aconselhando o Faraó a constituir um administrador sobre o Egito (aqui e aqui).
A Palavra da sabedoria pode ser vista no conselho de Jetro a Moisés (Ex 18. 19 - 24 [aqui]), no sábio conselho de Eliseu para a mulher sunamita (II Rs 8. 1, 2), bem como o pedido de Daniel ao rei Nabucodonosor que se convertesse ao Senhor, a fim de o mesmo em se convertendo, não viesse a ser afligido pelos males que vira em sonho, e que claro, não foi colocado em prática pelo rei (Dn 4. 27).
No Novo Testamento tal sonho se faz ver na palavra de Tiago no concilio de Jerusalém, o primeiro para decidir a questão dos gentios (At 15. 14 - 22). Este conselho revelou aquilo que Paulo vai chamar de sabedoria de Deus em unir judeus e gentios em um só corpo (Ef 3. 3 - 9).

ii) Palavra do Conhecimento
 
Consiste em uma palavra de ensinamento cujo teor é um conhecimento cujo acesso não está no nível humano, mas no divino. É o caso, por exemplo, do conhecimento divino, que abrange os atos e intenções dos coração humano (Jr 17. 10), e o futuro. Enquadro como palavra da ciência, ou do conhecimento, as explicações que tanto Daniel, quanto José dão a respeito do futuro (algo que está restrito à esfera divina), de Babilônia e Egito, respectivamente (aqui e aqui).
O mesmo se pode ver na palavra que Pedro deu a respeito da identidade de Cristo (Mt 16. 16 - 18), uma vez que o conhecimento da pessoa de Jesus depende de revelação. E isto pelos motivos elencados na Escritura Sagrada. Isaías se refere ao Filho de Deus como aquele que
foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum (Is 53. 2, 3 ACF). 
O próprio Jesus disse que ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Mt 11. 27 ACF). 

iii) Discernimento de Espiritos

Consiste na capacidade de perceber qual o espírito está agindo em uma determinada manifestação. José, por exemplo soube que o sonho de Faraó era uma revelação da parte de Deus com respeito ao futuro, o mesmo se deu em relação a Daniel e Nabucodonosor.
 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço o seu comentário!
Ele será moderado e postado assim que recebermos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Créditos!

Por favor, respeite os direitos autorais e a propriedade intelectual (Lei nº 9.610/1998). Você pode copiar os textos para publicação/reprodução e outros, mas sempre que o fizer, façam constar no final de sua publicação, a minha autoria ou das pessoas que cito aqui.

Algumas postagens do "Paidéia" trazem imagens de fontes externas como o Google Imagens e de outros blog´s.

Se alguma for de sua autoria e não foram dados os devidos créditos, perdoe-me e me avise (blogdoprmedeiros@gmail.com) para que possa fazê-lo. E não se esqueça de, também, creditar ao meu blog as imagens que forem de minha autoria.