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quarta-feira, 7 de julho de 2021

A campanha do burguer king e a militância evangélica

 


Está ficando cada vez mais difícil ser evangélico neste país. Existe liberdade religiosa na letra da lei? Sim. Existe liberdade individual? Óbvio! Onde então estará a dificuldade. Em tese o problema não é o Estado, mas a percepção falha que nós (e nisto me incluo) evangélicos temos do Evangelho, ao ponto de enxergarmos ameaça em todo movimento social. 

Desde o final da década de oitenta e início da de noventa tem ocorrido neste país a politização do Evangelho. Não que eu ignore que a religião é um fenômeno da pólis (cidade em grego), e que a mesma foi um dos primeiros modos de explicação da vida e que seja uma tendência que se recorra à esta toda vez que nos encontramos diante de fenômenos para os quais não possuímos explicações. 

A questão é que ao falarmos da politização do Evangelho, há que se considerar um fator primordial, o de que tentar enquadrar o mesmo em uma política partidária equivale ao colocar vinho novo em odre velho, ou remendo novo em tecido velho. Em ambos os casos as estruturas se rompem e o conteúdo que deveria de ser preservado se perde. 

Jesus usou esta parábola ou similitude para ensinar algo a respeito do Evangelho. E a lição que fica é de que o Evangelho não cabia na política dos fariseus, nem na dos zelotes, nem na dos essênios, nem na dos herodianos. Não dá para dizer que Jesus era conservador, ou progressista, e não há como adequar o Evangelho às estruturas de esquerda, ou de direita, à política econômica capitalista, ou socialista, sem que com isto se mutile as boas novas. 

Além da politização do Evangelho, ocorreu a moralização do mesmo. Morais históricas foram sendo incorporadas ao mesmo, ao ponto de serem confundidos. Qualquer questionamento moral é lido como um ataque ao Evangelho, este é o caso da polêmica envolvendo a campanha do Burguer King contra a homofobia. 

Pessoalmente me manifestei aqui a respeito do assunto. Entendo o mundo a partir de uma cosmovisão cristã, bíblica e evangélica. Mas entendo que vivo em uma sociedade que não necessariamente pensa da mesma forma que eu. Mais do que isto, entendo que não é a minha obrigação forçar as pessoas a pensarem como eu, seja pelo aparato político, seja pelo ideológico.  

Minha obrigação como cidadão é respeitar as leis, mesmo que aparentemente injustas, e lutar por mais direitos para mim e para demais cidadãos. Como cristão minha obrigação é a de ser um imitador de Cristo (o que  nem de longe significa adotar uma postura suicida ao ponto de provocar a própria morte até porque nem de longe foi isto que Jesus fez). 

É como imitador de Cristo que atuo como evangelista e pregador. Abordo este assunto agora por conta da constatação de que Jesus jamais atuou em ambientes plenamente favoráveis a ele. Mais do que isto a leitura do Evangelho aponta para um Jesus que sabia criar conexão com os grupos diversos. Fariseus, samaritanos, soldados estrangeiros e a lista não para.  

Mesmo não se definindo como zelote, fariseu, herodiano, Jesus lidou com todos estes grupos. E o ponto que permite Jesus e cada cristão e evangélico lidar é o ponto da encarnação. Fato é que Jesus soube lidar com as mazelas dos  movimentos de sua época por conta de ser luz. Na mesma medida a Igreja é chamada a ser luz e sal da terra. 

O que quero colocar aqui é pontuar que não cabe ao cristão boicotar o Burguer King por conta da campanha pró LGBTQI+. A missão é ser sal e luz. Em outras palavras influenciar por meio das obras e da clareza (que é indicador de conhecimento). Ensinar e pregar são a missão da Igreja, e é pela pregação associada ao comportamento e ao caráter que esta exerce sua influência. 

Não é o comercial do Burguer King que coloca as crianças em perigo. É a falta de ensino e instrução. No Antigo Testamento era tarefa dos pais ensinar aos filhos. Com a ascensão do judaísmo os mestres das sinagogas assumem tais funções, mas há elementos de que a educação continua no lar. Mas tem de ter educação para que as pessoas sejam iluminadas. 

O desafio aqui não é criar crianças fundamentalistas, extremistas, mas sim uma geração de cristãos que consiga viver com a negação, com o outro, e capaz de enfrentar um ambiente hostil amando que está promovendo a hostilidade. É disto que se fala no contexto do Ensino do monte quando se fala de "amar aos inimigos". 

Mais do que isto, amar quem se opõe a nós é a condição para a concretização da filiação divina (Mt 5. 42 - 48). A lógica é bem simples, Deus não olha para  ninguém ao mandar a chuva e o sol. Ele dispensa ambos para bons e maus e para justos e injustos. Agora que tal contextualizarmos este texto para o momento atual? Como ele ficaria?

Deus tem um padrão de comportamento, e ele exige, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, de seu povo um padrão similar. Contudo, no tocante aos bens temporais, ele dispensa sol e chuva independente de o indivíduo atender, ou não as exigências. De igual modo o povo que se diz "cristão", ou "evangélico" deveria entender que mesmo não concordando com o modo de vida dos LGBTQI+, deve atender as reivindicações e demandas justas desta população. 

Isto significa aplicar aos gays, lésbicas, bissexuais, trans e cisgêneros a versão evangélica do imperativo categórico que na versão transformadora é traduzido assim: em todas as coisas, façam aos outros o que vocês desejam, que lhes façam, e acrescenta: essa é a essência de tudo que ensinam a lei e os profetas (Mt 7. 12 NVT). Em outras palavras: Façam aos outros o que vocês desejam que eles lhes façam (Lc 6. 31 NVT). 

Amor não tem a ver com o sentimento que a pessoa desperta em nós. Amor tem a ver com aquilo que fazemos uns aos outros. Que tal amar, ao invés de promover campanhas de boicote? Que dar a capa e a túnica? Já andamos duas milhas? É isto que tem de ser visto antes de tudo, porque esta é a essência do Evangelho. 

Marcelo Medeiros. 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Pare pra pensar, pense um pouco mais


Enquanto escrevia este artigo, me ocorreu a letra desta música, e então resolvi propor mais uma vez a política como reflexão para nós. Chegamos a um pouco em que se faz necessário arrefecer os ânimos e começar a pensar um pouco mais, para os que querem pensar, óbvio. E em face dos elementos que aparecem a reflexão e o auto exame se fazem imprescindíveis. 

Eu me lembro claramente do quiproquó que deu no Facebook quando compartilhei um texto de Clive Staples Lewis a respeito das altas pretensões de quaisquer formas de governo. Naquele momento tive a interpelação de algumas pessoas. Ficou evidente para mim que desconheciam tanto o regime teocrático, quanto o que a Bíblia dizia do mesmo, e o autor que na ocasião fiz questão de citar. Hoje pretendo me valer da mesma citação, mas com um propósito diferente. 

Quanto mais altas as pretensões do poder, mais intrometido, desumano e opressivo ele será. Teocracia é o pior de todos os governos possíveis. Todo poder político é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, mas é menos mal quando suas sanções são mais modestas e comuns, quando afirma que não é mais útil e conveniente e coloca para si mesmo objetivos estritamente limitados. Qualquer coisa transcendental ou espiritual, ou mesmo qualquer coisa muito fortemente ética em suas pretensões é perigosa e encoraja-o a se intrometer em nossa vida privada (....). Assim a doutrina renascentista do direito divino é para mim uma corrupção da monarquia (....) os misticismos raciais, da nacionalidade. E a teocracia, eu admito, e até insisto é a pior de todas. (C. S. Lewis, Lírios que apodrecem, in: A Última Noite na Terra, pág. 53). 

Neste texto Lewis pretende discutir a respeito de algumas pretensões que a democracia trouxe consigo, esta é a base da fala aqui. Mas a crítica corta para o lado passando pela monarquia, pelo fascismo, pelo nazismo, pelo nacionalismo exagerado, chegando na teocracia. Concordo com o autor em número, gênero e grau.  Mas qual é a razão pela qual lanço mãos desta citação neste artigo?

Muito simples, tem a ver com o que a maioria dos meus interlocutores na rede suspeitaram. O atual governo. Em dois mil e dezoito um estranhíssimo movimento político tomou contas das redes sociais, culminando na eleição de Jair Messias Bolsonaro. O movimento reunia questões sociológicas como o antipetismo, econômicas como a crise que começara a afetar o Brasil, elementos emocionais. 

O leitor de Pascal sabe que o coração tem as suas razões que a própria razão desconhece. Embora esta frase não pretenda dizer o que em regra o senso comum pensa da mesma, o fato é que Pascal antecipa a percepção de Freud, para quem o inconsciente é a camada predominante no homem. Aqui o projeto moderno, se que houve algum, de um homem puramente racional se desmorona. 

A lição que fica é a de que nossas emoções nos comandam. O que não ficou claro até agora, é que diante da constatada predominância das emoções, alguns projetos políticos surjam no intento responder a tais questões emocionais. É o que ocorre no momento em que fascismo e nazismo surgem no cenário histórico. 

Em períodos de incerteza política, econômica, tais como a da década de vinte do século passado, tais delírios políticos aparecem. E o que eles tem em comum? A pretensão de identificar as causas e eliminar os problemas. Mas o que ocorre é que "supostos inimigos" são criados. No caso do nazismo, foram os judeus. Mas a questão não para por aqui. 

Retornando às características do movimento que tomou conta do Brasil e que reconduziu a extrema direita ao poder, cabe acrescentar aqui a antipatia dos evangélicos pela esquerda, a infiltração do identitarismo neste espectro político, narrativas em teoria da conspiração, uma escatologia milenarista influenciada pelas teorias da conspiração.

O lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", conferia o caráter místico racial ao movimento, sem contar as pitadas de nacionalismo. Nunca se precisou tanto de Teólogos e Psicólogos e nunca os mesmos faltaram tanto. Na verdade poderia citar aqui vários deles que foram as redes sociais afirmar que se o atual presidente não tivesse sido eleito, o anticristo (que neste caso é a China) teria dominado o mundo. 

Poderia falar dos que vieram defender a liberação das armas, defender as fakenews como se liberdade de expressão fossem, do silêncio diante mais de quinhentas mil vítimas da covid, da defesa de pautas liberais. A resposta inicial veio do Yago Martins, com seu livro A Religião do Bolsonarismo. Mas pelo que pode ver no PodCast de lançamento, a crítica é rasa, o autor abraça o liberalismo como se fosse a solução da humanidade. Algo que falarei em ocasião mais oportuna. 

Teólogos e cristãos em geral deveriam saber que "acabar com a corrupção", sendo a humanidade propensa à mesma é uma pretensão elevada. Outra é a pretensão de ver em alguém que é casado mais de três vezes um defensor da família tradicional. E quanto a imposição de uma moral (chamada de cristãs) a toda a sociedade? São pretensões que tornam o movimento mais do que religioso, na verdade o fazem "demoníaco". 

Passada a euforia da bebedeira, vem a dor de cabeça da ressaca. O governo que prometia correção moral de toda uma sociedade e proteção da família, e outros discursos a que estamos tão suscetíveis se manifesta profundamente corrupto, parte do sistema que condenou nos discursos, fora as promessas de campanha que não foram cumpridas. 

Um esquema de corrupção na compra de vacinas, seguido da suspeita de prevaricação, desnuda um governo que adotou a imunidade de rebanho como estratégia de combate ao COVID-19 e arrastou muitos "cristãos", postergou a aquisição de vacinas, falhou na testagem em massa, criou falsas narrativas para se eximir de suas responsabilidades, fomentou uma guerra cultural, cujo fim se faz cada vez mais distante. 

Mas não é somente o governo que é desnudado. O eleitor, que suspostamente não atentou para a trajetória de quem se lançou como solução sem o ser está desnudado. O que serviu ao gabinete do ódio espalhando notícias e informações falsas, também.  Cristãos que nunca entenderam que um discípulo de Cristo é um seguidor da paz e promotor desta são desnudados. 

Os que perderam de vista que todo poder político é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, mas é menos mal quando suas sanções são mais modestas e comuns, quando afirma que não é mais útil e conveniente e coloca para si mesmo objetivos estritamente limitados, também estão nus. A nudez no sentido de transparência é total.

O problema é que diante da nudez falta a vergonha que sobrou em Adão, e em Pedro. O primeiro se esconde de Deus ao perceber a si mesmo. O segundo se esconde de Jesus. Ambos percebem sua indignidade. Isto falta aos cristãos que confiaram uma tarefa tão elevada e sublime a uma legenda política. 

Uma pretensão tão elevada criou pessoas que se intrometiam nas postagens de quem criticava o governo, como se Isaías, Ezequiel, Natã e Amós jamais tivessem criticado aos reis de sua época. Houve um policiamento em relação aos posicionamentos políticos das pessoas, resultando em censuras, como as ocorridas com o autor de livros e revistas de Escolas Bíblicas Dominicais Claiton Ivan Poemmering, que recebeu críticas injustas por conta de seus posicionamentos políticos. 

Pastores que outrora me serviram de referência como evangelistas e até como apologistas, que em algum momento de fato pregaram o Evangelho, aparecem defendendo a cloroquina, mas não dão uma única palavra de conforto às mais de quinhentas mil famílias enlutadas. Mais do que isto abraçam as pautas neoliberais sem a mínima consideração para com o rebanho que os mantém. Estes agora estão desnudados e a vergonha da mesquinhez dos mesmos é exposta e revelada a todos. 

Em outro artigo voltarei a falar a respeito dos lírios que apodrecem, de como a democracia (o menos pior dos governos falhou), mas o presente artigo fica aqui como reflexão inicial. Retornando a uma linguagem pascaliana, eu diria que fichas elevadas foram apostadas neste governo, e o prejuízo é visível a Todos. 

A começar pelo número de mortos por conta da ingerência política da sindemia do COVID - 19. Não adianta em nada culpar o STF, a CPI está revelando as procrastinações por parte do governo em responder às ofertas de vacinas. Foi algo do tipo trocar seis por meia dúzia. Mas em todo este processo a fatura de uma Igreja que nem de longe se comporta como sal da terra e luz do mundo ainda não chegou. 

Está na hora de fazer um exame pessoal, de orar para que Deus sonde os nossos corações, que ele pesquise em nós os caminhos maus e nos guie pelo caminho eterno.

Marcelo Medeiros, Pastor evangélico, músico, pedagogo, escritor, especialista em Ciências da Religião e em Docência do Ensino de Teologia e Filosofia. 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

O Cristão e a Educação Superior


Em minha última postagem neste espaço discuti a respeito da ideia de que a educação foi aparelhada pela esquerda. Ao enviar o referido post para uma linha de transmissão, um dos meus leitores e colaboradores me interpelou a respeito de alguns movimentos e manifestações que ocorrem no espaço universitário e sobre o recorrente fenômeno de cristãos que após a entrada no ambiente em apreço "perdem" a sua fé. Eu gostaria de começar o presente post contemplando a segunda questão e depois a primeira. Em outras palavras, farei uma inversão aqui. 

Houve tempo em que não havia a menor dificuldade em ser um filósofo e acreditar no oráculo de Delphos. Há muito do Orfismo na filosofia de Platão e isto é tão verdadeiro que pela via de Plotino ela adentou com extrema facilidade no meio cristão no período medieval. Mas a s coisas mudaram com o advento do período que conhecemos como sendo a Modernidade. 

Na medida em que as ciências se libertam da Teologia e da Filosofia Deus vai sendo lentamente expulso dos domínios das mesmas (isto na verdade é uma figura de linguagem que explicarei nas linhas seguintes). Se antes a Filosofia clássica foi na direção da Ontologia e da Metafísica, e destas para a epistemologia, antropologia e ética; a ciência moderna ira em outra direção. 

A leitura de textos pré-socráticos, de Sócrates, Platão, Aristóteles e outros da coleção Os Pensadores e de outras coleções da Filosofia (curiosamente bem vendidos nas ocasiões em que foram lançados pelas respectivas editoras e disponibilizados em bancas e mais bancas de jornais), permitiram-me o entendimento de que os filósofos clássicos e helênicos buscaram conhecer as causas primeiras de todas as coisas a partir deste conhecimento organizar os dados da realidade e ampliar seu conhecimento a respeito da mesma. 

A despeito deste aparente aspecto científico na empreitada destes, não há ali a vontade de explicar a natureza com a finalidade de dominar a mesma e a partir desta produzir uma vida melhor. Nas palavras de Caio Prado Júnior, não há como comparar o interesse de um filósofo pré socrático na natureza com o de um cientista, seja ele um físico, um químico, um geólogo, biólogo, etc... São formas diferentes de ver e lidar com a natureza. 

Para resumir: o que se tem num quadro como este é um tipo de conhecimento que permite alinhar Filosofia com Fé. Isto pode ser visto (conforme dito acima), no Pitagorismo, no Platonismo, no Neoplatonismo, no Tomismo e no Agostinianismo (aqui movimento filosófico). Há pensadores que destoam desta forma de pensar e defendem o reino da Filosofia como um universo totalmente adverso ao religioso, mas a leitura dos autores acima citados vai em outra direção. 

É na Idade Média que começa a ser gestado uma forma de conhecimento (que nasce da Filosofia Medieval), que vai possibilitar a autonomia desta em face da Teologia (da qual fora feita serva durante toda a Idade Média). Francis Shaeffer fala deste processo em seu clássico A Morte da Razão. O primeiro passo para a migração do Transcendentalismo para o Imanentismo foi o entendimento de que Deus pode ser acessado à parte de qualquer revelação e para tal basta recorrer à natureza. 

Sem entender este movimento geral é difícil mesmo a um cristão sobreviver em ambiente acadêmico sério. Esta narrativa é necessária pelo menos para que um cristão relativize a ideia de que a narrativa científica pode oferecer uma explicação global da realidade. Aliás a discussão é Filosófica. Daí a importância da Filosofia para o cristão. 

Em particular fui atraído para a Filosofia por conta das questões comuns entre esta e a Teologia. Imediatamente após, descobri a Filosofia como ferramenta apologética. Isto me incentivou a ler trabalhos de Francis Shaeffer, Norman L. Geisler, Willian Lane Craig, J. P. Morenland, Peter Kreuft. E após ler e refletir descobri que é inútil e fútil a tarefa de tentar usar a Filosofia para convencer as pessoas de que a minha cosmovisão está correta e a deles errada. 

Uma das marcas do fazer filosófico é a ruptura com as escolas antigas. Platão vai além de Sócrates e é superado por Aristóteles. O triunvirato grego é um ótimo exemplo. Mas ser filósofo é ainda mais do que isto. Ser filósofo é ter a capacidade de se esvaziar continuamente e neste esvaziar tornar a aprender. É desta forma que concilio o cristão e homem de fé com o Filósofo. 

Aqui há que se considerar que quando a Apologética apareceu, tal deu-se no ambiente das questões judiciais (onde os primeiros cristãos eram levados aos tribunais a fim de nestes explicar aos magistrados a razão de sua defesa) e no âmbito das primeiras Teodiceias. Teodiceia é a defesa de Deus. São explicações elaboradas de forma a explicar questões como a existência de um Deus bom e todo poderoso e o mal no mundo. 

A postura mais recomendável de um crente em ambiente acadêmico é, ao meu ver, a de um conversador, como Sócrates, a de alguém que se esvazia diariamente e assume a ignorância. Mas como se diz por aí, toda afirmação de ignorância é uma afirmação de conhecimento. Fazer as perguntas certas demanda conhecimento. Mas é uma postura mais inteligente do que tentar convencer as pessoas de que minha cosmovisão (sempre em revisão) é a correta. 

Aqui chegamos à formulação do conhecimento científico. Com a Teologia Natural, Deus e sua revelação foram lentamente removidos da Teologia e em seguida das ciências que foram nascendo. A ciência moderna nasce a partir de algumas noções religiosas tais como: a noção de causa e efeito e de a ordem natural é racional e passível de ser conhecida. 

Mas Deus mesmo não é o fim deste tipo de conhecimento. O que se pretende é o domínio da natureza com vistas à facilitação da vida humana. O exemplo mais básico dado por Bacon é o da conservação de alimentos. No lugar do sal, ele propõe o gelo. Mas é no próprio Bacon, que aliás é Filósofo que aparece um projeto de sociedade organizado em acordo com o que na visão dele era o mais racional. 

Falei deste porque não posso ignorar o que advém da ciência, a técnica. Mas minha abertura para a técnica e para outros benefícios da ciência não me levam a acreditar que somente a partir da mesma vida e todos os fenômenos decorrentes desta possam ser interpretados. O debate persiste até hoje e não aparenta ter resolução fácil, ainda mais quando se vê a militância de cristãos e ateus na arena universitária. Os debates de Richard Dawkins, Sam Harris, com Jonh Lenox e Willian Lane Craig respectivamente, ilustram muito bem. 

O desafio que até o momento não vi Apologética alguma responder é o da convivência entre pessoas de fé e pessoas sem fé no espaço acadêmico e na vida com um todo. Nosso papel enquanto cristãos é estar preparados para responder a qualquer um a razão da esperança que há em nós e só. Convencer as pessoas não é nosso papel, subordinar a ciência à fé menos ainda, até porque são áreas que respondem por dimensões diferentes da vida. Isto é evidenciado por Lewis em um artigo intitulado Sobre a Obstinação na Crença. Para este autor, e brilhante crítico literário, 

Todos os homens, em questões que lhe interessam, escapam da região da crença para a do conhecimento, quando podem, e, se alcançam o conhecimento, não mais dizem crer. As questões em que os matemáticos estão interessados admitem tratamento por meio de uma técnica particularmente clara e rigorosa. As questões do cientista tem sua própria técnica, que não é exatamente a mesma. As do historiador e as do Juiz também são diferentes. A prova do matemático (pelo menos, é o que nós leigos supomos), é o raciocínio; a do cientista, por experimento; a do historiador, por documentos; a do juiz, por testemunho juramentado. Mas todos estes homens, como homens, em questões fora das disciplinas que lhe são próprias, tem numerosas crenças as quais normalmente não aplicam os métodos destas disciplinas. De fato, levantaria alguma suspeita de morbidez e até insanidade se o fizessem (LEWIS, C. S. A Obstinação na Crença, in: A última Noite na Terra, pág. 29). 

É sensível a distinção que o autor faz das convicções oriundas da crença e a certeza científica. Mais ainda sem perceber algumas destas convicções puramente baseadas em crenças se tornam evidências em si mesmas, quando na verdade são meras crenças. Em Cristianismo Puro e Simples o autor ainda expõe que tanto em sua época como ateu quanto quando cristão manifestou fé, ao se aferrar às suas convicções, mesmo quando tudo parecia estar contrário à convicção que pretendia defender. 

Ninguém é cem por cento científico o tempo todo e menos ainda fideísta em tempo integral. Todos reservamos áreas em que manifestamos algum tipo de "fé". Esta é uma abordagem necessária à compreensão a respeito do relacionamento entre fé e ciência. Tendo isto em mente e adotando uma postura de constante esvaziamento não ocorrerão prejuízos na fé. 

Algumas posturas serão sim revisadas, mas a fé permanecerá ali. Keller oferece uma comparação interessante a este respeito em seu livro Fé na Era do Ceticismo. Neste o autor compara a fé a um corpo que passa por sucessivas enfermidades até que o sistema de imunológico se desenvolva plenamente, e o organismo não mais esteja frágil diante dos vírus e bactérias. 

Uma fé que não se sujeita às dúvidas e questionamentos não é uma fé de fato. E acredito que isto esteja ocorrendo com significativa parcela de cristãos que adentram o espaço universitário. A universidade é um espaço para pessoas com capital cultural e literário significativo. Não é um curso técnico melhorado para quem quer ter um emprego que ganhe bem. 

Mas é esta a propaganda que tem vendido cursos e mais cursos superiores aqui neste país. Mais ainda, na percepção acurada de Otaíza de Oliveira Romanelli esta é a visão de educação prevalecente em nosso país, a de educação com vistas à ascensão social. Daí que a mesma seja atrativa, não pelo acesso ao conhecimento, mas pela promessa de maior inserção social, o que serve pára atrair cada vez mais pessoas com pouco, ou nenhum capital cultural. O que se estende aos evangélicos com tal perfil. 

O que entendo aqui é que a uma fé fragilizada (na verdade uma postura fideísta) quando se encontra com uma cultura fragilizada e fragmentada como a que se vê em boa parte das leituras propostas em universidades, sempre de capítulos chaves de livros, produz o desastre acima mencionado a respeito do perder a fé. 

Uma cultura mais ampla quando se encontra com uma fé robusta produz intensos embates e debates interiores, mas o resultado final é uma fé ainda mais robusta. A ciência quando compreendida em sua essência jamais extingue a fé. Na verdade como diria C. S. Lewis não é a razão que se opõe à fé. É a imaginação e os humores. 

Se de um lado a fé é a capacidade de se aferrar às convicções mesmo quando outras questões pareçam contradizer, por outro lado a fé é o ato de desesperar-se de si mesmo e apostar as suas fichas em Deus, na política, ou no que quer que seja. Nas palavras de Paul Tillich, fé é a entrega ao incondicional. Esta é a questão a ser ampliada e vista neste post. 

A primeira que passo a tratar agora, é a respeito das manifestações "imorais" vistas nas faculdades. Tenho notado uma tendência à desmoralização institucionais das universidades públicas. O que posso falar aqui é que não há nada nestes vídeos que comprove que tais manifestações sejam, ou façam parte da grade curricular de tais faculdades. 

O fato de haver maconheiros, gays, lésbicas e qualquer outra classe cuja moral destoe da minha não me autoriza a desabonar uma instituição primordial como as universidades. Há ali pesquisa e desenvolvimento, sem a qual país algum poderá se situar no universo civilizado. Infelizmente tais pesquisas são desconhecidas de um povo que sequer sabe como se faz, ou se produz ciência. Infelizmente é assim. Daí a longa introdução deste post. 


Marcelo Medeiros.  

terça-feira, 30 de março de 2021

Nossa Educação foi Aparelhada pela "Esquerda"?


O leitor dos meus posts e do meu blog sabe que em regra, não uso em meus textos palavras como as escritas acima. Mas precisei deste meme para iniciar uma discussão a respeito de uma temática e de uma narrativa que tem ganho extrema popularidade nos dias atuais. Assumo o risco de usar este meme sabedor de que aqueles que não nutrem a minima simpatia pelas minhas ideias irão ignorar este aspecto do meu texto. Mas paciência. 

Eu tenho claras lembranças das matérias de Educação Moral e Cívica, da antiga quinta série do ensino fundamental na Escola municipal Soares Pereira. Foi nesta instituição que iniciei meus estudos e concluí o Ensino Fundamental, na época ainda chamado de Primeiro Grau. Não me considero alguém de memória privilegiada por conta de lembranças tão claras, das matérias e dos professores e professoras que lá tive. 

Na verdade, entendo que se a escola exerceu tamanha influência sobre a minha vida, eu devo isto muito mais à minha falecida avó. Esta me dizia sempre: "estude para ser alguém". Devo também a um grupo de pessoas que me deu a chance de "estudar" música e poder me profissionalizar, o incentivo que tive para ir além do ensino fundamental, passando pelo médio e superior, ainda que nenhum destes seja na área da música. 

Em outras palavras, aprendi como uma senhora iletrada que não bastava frequentar a escola, era necessário aprender e valorizar aquilo que havia aprendido. Anos mais tarde, ao fazer a graduação de Pedagogia, e uma reminiscência de minha trajetória educacional, as palavras de minha avó são fundamentais para a compreensão a respeito da educação. 

Me formei em Pedagogia, com habilitação em ensino nas séries iniciais, coordenação pedagógica e orientação educacional em dois mil e seis. Colei grau em dois mil e oito. Eram o áureos tempos do governo do PT. Adjetivo o governo desta forma por coincidir com a época em que Obama disse que Lula era o cara. Explico nas linhas abaixo. 

Enquanto o mundo tentava resolver uma crise em decorrência de uma péssima operação feitas por bancos, o Brasil surfava na onda da venda de commodities para a China de modo que aquilo que foi um tsunami no mundo inteiro foi uma marolinha aqui. Não tendo crise ninguém contesta a política e a Educação. 

Aqui convém observar que as grandes propostas educacionais do século vinte surgiram, no contexto da crise do pós guerra e da queda da bolsa de valores em mil novecentos e vinte e nove. Mas também foi nesse período que o mundo testemunhou a ascensão do nazismo e do fascismo. E o atual momento não deixa de ser tão confuso quanto.

Uma olhada no cenário político atual revela uma quadro interessante de distorções e incompreensões na leitura de autores clássicos, de teorias políticas, da ascensão do neo nazismo, do recrudescimento do preconceito racial em países cuja marca histórica é a democracia de demais valores liberais. A quebra, depredação de monumentos históricos cuja leitura e interpretação deveriam de ser re-significados à luz do contexto e dos valores atuais. 

Todos estes elementos são (conforme afirmado acima), sintomas de uma crise que abrange desde a área econômica, passando pela política, epistemológica, moral, cognitivo noética, social. Há crises em todas as esferas da vida, de modo a produzir crescente incerteza. Mas é fato que antes da crise de dois mil e oito pouco se sentia isto. 

Antes deste período somente um autor ousava dizer que a nossa educação tinha como principal problema o aparelhamento das disciplinas por parte da esquerda, e do marxismo cultural. Mas há vinte anos atrás ninguém dava muita confiança para este autor. Tanto que cheguei na graduação com leituras filosóficas, inclusive os textos do aludido. Mas absolutamente nenhum professor o conhecia no ambiente acadêmico. 

Foi quando a crise finalmente aportou por estas terras que este autor, o Olavo de Carvalho ganhou visibilidade por aqui. Mais do que isto, gente que nunca havia se interessado pelos seus livros de Filosofia, começou a ler seus antigos artigos, agora publicados em títulos tais como: "tudo o que você precisa saber para não ser um idiota", "como enlouquecer o mundo em dez dias", "o imbecil coletivo", e coisas do tipo. 

Este autor pavimentou com suas teorias de conspiração a estrada para a Escatologia do Terror, que penetrou nas Igrejas Evangélicas por meio de estudos a respeito da Nova Era, recheados de teorias e mais teorias da conspiração, que jamais tiveram seu cumprimento efetivo, mas que meus confrades infelizmente levaram à sério. 

Foi dentro do meu evangélico que conheci os escritos deste. Graças à Deus foi também neste meio que iniciei meus estudos na Teologia e em consequência dos mesmos em Filosofia. Mas é fato que pela suposta ligação com o Cristianismo católico, Olavo de Carvalho goza de aceitação entre os evangélicos. Na disputa pela posição vem ninguém mais do que Luíz Felipe Pondé, que em razão de suas posições conservadoras seduz muitos evangélicos pelo mundo afora. 

Este filósofo tem um vídeo onde anuncia um curso de interpretação bíblica. Na dúvida procure pelo título Os Dez Mandamentos Mais Um, curiosamente lançado na esteira do sucesso da novela Os Dez mandamentos da rede Record. A Hermenêutica ali decorre de uma síntese entre Filosofia e perspectiva judaica dos textos. Mas que independentemente do processo de ruptura com a interpretação cristã, cativa e tem cativado muitos cristãos.

Pondé sempre foi um intelectual, embora em muitos textos publicados ele demonstre seu descontentamento com o meio acadêmico e atribua o mesmo à forte presença de Marx, quando o conheci e procurei me inteirar a respeito do mesmo e de suas ideias me deparei com um dos seus vídeos em que num café filosófico ele debatia com ninguém mais, ninguém menos do que a filósofa Márcia Tiburi. 

Hoje percebo que parte do fascínio exercido por Pondé, Olavo de Carvalho e cia deve-se à ausência dos acadêmicos na esfera pública, e a uma simplificação que aparentemente torna a Filosofia mais atraente e acessível, quando na verdade nem um nem outro age de fato como filósofo na esfera pública. Espantado com a afirmação? Pois é. Eles são na verdade propagandistas, marqueteiros do capital financeiro.

A Filosofia não é algo que atraia de imediato as pessoas. Nunca entendi, ao ler as falas de Norman L. Geisler e do próprio Cortella ao descreverem a Filosofia como algo inútil. Foi necessário ler Byung Chul-Han para entender que a Filosofia, enquanto arte liberal, só pode ser fruída por pessoas livres de coerções externas. 

Em outras palavras é o ócio e a ausência de preocupações com questões de subsistência que garantem a fruição, o espanto. A própria Educação se fazia a partir do Ócio, e este link aqui é bem claro a este respeito. Ócio aqui é o tempo que uma pessoa dispõe para livremente trabalhar seu desenvolvimento. Daí Bertrand Russel ter feito o seu famoso Elogio do Ócio. Um povo preocupado com sua subsistência pouco dispõe em termos de tempo para o desenvolvimento particular e pessoal. 

Mas a propaganda sempre terá o seu apelo às emoções, que por sua vez sempre se sobrepõem às faculdades intelectivas. Daí que tanto o conservador quanto o autodidata aqui mencionados recorram às técnicas de propaganda e marketing para a divulgação de suas ideias. Com a crise econômica de dois mil e doze o caminho para a penetração das idéias de ambos estava pavimentada. 

Foi a partir de então que gente que nada tinha a ver com a Escola, e com a Educação e muito menos possuía formação acadêmica para tal passou a aventar as ideias de Olavo de Carvalho. Foi neste esteio que ganharam força as idéias de que a culpa da educação escolar estar como estava era por conta da adoção da Pedagogia de Paulo Freire. Uma Pedagogia jamais aplicada aqui nestas terras. 

O pior, gente que jamais leu as ideias deste autor, começou a reproduzir a fala acima. Nesta esteira que vem as falas da imagem usada neste post. Nesta afirma-se literalmente que a educação no Brasil começou a dar errado quando as matérias de Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil, foram substituídas por Filosofia e Sociologia. Aqui é possível a verificação de uma inconsistência. 

De fato a disciplina de Moral e Cívica foi instituída durante do governo militar em doze de Setembro de mil novecentos e sessenta e nove, com o intuito, de produzir nos estudantes os seguintes hábitos: "preservação da espiritualidade", "projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade", "o culto à pátria", e culto e obediência à lei". Aqui cabe uma análise. 

É plenamente possível que um leitor cristão ao ler tais palavras se identifique com os ideais que justificam a criação de tal disciplina. Eu mesmo sou favorável a manutenção da mesma (lógico que adaptada aos ideais democráticos sob os quais foi promulgada a constituição de mil novecentos e oitenta e oito). 

Masa  espiritualidade da que se fala aqui nada tem a ver com a religião cristã. A espiritualidade aqui é a positivista. Esta possui um culto próprio e até mesmo um catecismo. Lógico que nada impede que se faça aqui uma síntese, mas a verdade é que o Positivismo com seu culto à ciência (tudo o que os "apologetas" [atenção às aspas] da atualidade mais abominam), pretende ser um substituto da religião em si (ou pelo menos pretendia). É neste contexto que a expressão "o culto à pátria" tem de ser entendida. 

Um cristão deve obediência às leis? Deve! Deve ser cumpridor dos seus deveres para com o próximo, e por extensão para com a sociedade? Deve sim! Mas culto não! Não se critica a divindade que se segue, cultuar a pátria e até mesmo a lei pode produzir uma cegueira que já foi testemunhada em casos como o da ascensão do nazismo e do fascismo. 

A disciplina Organização Social e Política do Brasil poderia ter permanecido, mas tal como a de Moral e Cívica teria de ser adaptada às novas conjunturas sociais e políticas. Acredito ser interessante as pessoas terem conhecimento de Lei e pela especificidade da disciplina, do artigo trinta e sete ao quarenta e um de nossa constituição. 

Quando esta foi promulgada, o então constituinte afirmou ser a mesma uma constituição cidadã. E fato é que uma leitura ainda que superficial permite a compreensão de que o esteio da mesma é o ideal social democrático. O artigo terceiro é de fundamental importância para o exercício da cidadania, luta por mais direitos e pelos direitos do outro. 

Aprendi com alguns advogados com os quais convivo que ninguém pode alegar em sua defesa em juízo o desconhecimento da lei. Entendo esta proposição doutrinária, mas como educador percebo uma certa inviabilidade em cumprir com aquilo que não se conhece. Isto posto, resumo aqui o seguinte: a lei não tem de ser cultuada (não no sentido de ser adorada), mas tem de ser solenemente respeitada, quanto mais conhecida pelo cidadão comum, maior respeito este nutrirá por ela. 

É possível que leis fossem desnecessárias se os seres humanos seguissem o bom senso. Esta é uma hipótese aventada na filosofia sim. Mas desde sempre se soube na filosofia que as leis são necessárias na regulação do convívio social. É exclusivamente sob este prisma que vejo a importância nas matérias mencionadas acima. 

O que não é falado por gente que cria memes como o da imagem acima e muito menos por Olavo e Pondé é que cabe à, Filosofia e à Sociologia a discussão a respeito de uma moral que viabilize o convívio em sociedade. E aqui gostaria de mais uma vez apelar à memória de minas aulas em Educação Moral e Cívica, com a professora Célia Regina no Soares Pereira. 

Na minha primeira aula de Educação Moral e Cívica a matéria era a noção de vício e de virtude. Me marcou muito pela polêmica que causou na turma. O conceito que tínhamos até ali de vícios erma ligados aos hábitos de beber e fumar e a professora penou para explicar que não era daquele tipo de vício que ela estava tratando. 

Vício aqui tinha, ou tem o significado de  qualquer costume condenável, ou prejudicial, que inviabiliza a convivência social. Esta noção é uma noção filosófica, que também aparece na sociologia de Emile Durkheim. Em outras palavras a disciplina não foi extinta com a finalidade de promover  aquelas que possibilitem o aparelhamento da esquerda nas instituições de ensino. 

Mas esta é uma conversa para qual poucos estão preparados na atualidade. O momento de crise ainda funciona como canalizador de ressentimentos populares contra algumas ideias e literaturas. Isto se soma ao fato de que boa parte das pessoas para quem se pergunta a respeito do conteúdo de Educação Moral e Cívica ignora o que foi ensinado, e é incapaz de associar o conteúdo com a Filosofia Moral e política. E nem quer fazer o exercício. 

Este é o ponto do presente artigo em que se faz necessário considerar as reais causas de nossa educação estar em tamanha crise. Não é a reinclusão de Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil que responderão pelo fracasso evidenciado nas últimas provas do exame do PISA. Uma amiga minha me perguntou pelo que aconteceu com nossas escolas, ao que responde que a sociedade mudou e com ela os alunos também. 

O crescimento da educação no mundo acompanhou o crescimento da industrialização. Foi esta que impulsionou a chamada educação universal pública. No Brasil isto também é realidade agravada pelo fato de que para o brasileiro a educação não é um valor em si, mas um meio para a ascensão social. E como isto impacta a educação? 

Do momento em que as pessoas percebem que para crescer economicamente, podem prescindir da educação ela simplesmente é desacreditada e deixa de fazer sentido para as pessoas que assentam nos bancos escolares. O empregado da fábrica precisava de uma educação mínima para poder operar com a máquina e assim ter seu lugar garantido no mercado de trabalho. 

Trabalho era a garantia para uma vida que desse acesso aos bens de consumo. Era esta e dinâmica que impulsionava a educação. Na mesma escola em que estudei Educação Moral, e tive noções de Organização Social e Política do Brasil, também Estudei técnicas Comerciais e Artes Industriais. Testemunhei muitos de meus colegas se empregarem na indústria têxtil. 

A Souza Cruz, A Brahma, A Faet eram apenas alguns dos muitos exemplos de industrias que tinham aqui no Rio de Janeiro e que empregaram muitos de meus antigos colegas de turmas do Soares Pereira, e muitos do meio evangélico. Também vi muitos procurarem escolas técnicas como a Ferreira Vianna, ou o sistema S. 

Até alguns anos atrás era certo fazer um curso técnico em alguma área e ter acesso ao mercado de trabalho. Hoje isto não é uma verdade absoluta. E aqui reside a grande questão da educação para uns ela perdeu o sentido e para muitos ela não é útil para mais nada. E uma grande verdade pedagógica é que não se educa quem não quer aprender. 

Todavia, pessoas socialmente magoadas, e que não querem ser instruídas gostam de criar seus demônios para por neles a culpa de seu fracasso. É deste tipo de sentimento ruim que surgem os mais variados preconceitos desde os raciais até os cognitivos. é neste solo que brotam as narrativas não importando se o conteúdo estudado foi ou não conforme o descrito. 

Falo como quem se formou no Ensino Médio após a reinclusão de Filosofia e Sociologia nas grades curriculares do mesmo e nunca percebeu nas apostilas de ambas as disciplinas quaisquer viés ideológicos. Pelo contrário em ambas leu toda forma de autor desde Platão (com sua defesa da monarquia), até Comte com a defesa do Positivismo, passando por Hobbes que afirmava ser o homem mau e por Rousseau que dizia o contrário. 

O mesmo processo deu-se no Ensino Superior do qual não saí até hoje. Sigo lendo autores de todo ramo do saber. Mas com a minha ressalva principalmente aos que exalam este tipo de melancolia e magoa social. Mas a cada escrito percebo um público que não quer ler e nem mesmo se instruir, mas prefere ficar com seus preconceitos, com aquilo que sente do que fazer uma revisão das suas ideias. 

O ato de educar é um ato de desconstrução das ideias e preconceitos do senso comum e reelaboração do mesmo. Sem rigor metodológico e capacidade de sistematização, as informações que são recebidas na internet se tornam em material de construção para toda forma de preconceito. É isto que tem acontecido e aqui se percebe a saída para a Escola. 

Fui educado em uma Escola que tinha sinal para a entrada, carteirinha que marcava horário de chegada, uniforme e toda a estrutura de uma fábrica. Fora o fato de a educação ser seriada, com noção de tempo para aulas de cada disciplina e assimilação dos conteúdos. Mas naquela época havia a fábrica e esta era um centro de organização da sociedade. As casas de vila próximas das antigas fábricas são um testemunho histórico.

A sociedade mudou e a Escola (que é um produto desta sociedade) tal como a sociedade não percebeu a mudança. As Pedagogias, seja de cunho tradicional, tecnicista, liberal, ou crítico não respondem por tais mudanças. Mas esta é uma analise a ser feita à parte em outro post que como este é direcionado aos que se incomodam com a situação atual e buscam respostas. 

Marcelo Medeiros. 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Vamos Falar mal de Servidor Público?




Este post segue a série que contempla a crise do corona sob os aspectos políticos, sociais, econômicos e institucionais. Falo isto porque no bojo da crise sanitária ocorreu uma reunião de portas fechadas no palácio, cujo conteúdo foi publicado em decorrência dos embates entre o juiz Sérgio Moro e o então chefe maior do poder executivo. 

Nesta reunião, que em momento algum traçou estratégias de combate ao corona vírus, foram proferidas falas horripilantes, dentre as quais destaco aqui as do ministro Ricardo Salles que propunha aproveitar o momento da crise para passar a boiada. Boiada aqui são medidas que permitam a exploração de regiões de proteção ambiental, para a exploração, seja do agronegócio, seja de minérios. 

Em seguida vê-se a fala do então ministro da economia, Paulo Guedes, falando em aproveitar o momento para colocar uma granada no bolso do inimigo. A granada aqui consiste em um pacote de medidas que visa a diminuição dos salários dos servidores, como meio de amenizar a crise. Desnecessário lembrar aqui que não foram tomadas tais medidas ainda em razão do caráter ilegal, quiçá inconstitucional das mesmas. 

Na atual situação primeiro tem de ser reduzidos os salários dos servidores cujos cargos são decorrentes de indicação, para então chegar aos concursados. Mas o que isto tem a ver com a crise do corona? Face à nova sindesmia a proposta tem sido colocada novamente na pauta de prioridades. Escrevi a respeito da referida reunião neste post aqui

Faço menção á mesma em razão de observar que existe em nossa sociedade uma cultura que marginaliza e estereotipa o funcionário público, nas palavras de Ghiraldelli Jr, como se fosse possível viver em qualquer sociedade sem serviço e sem servidor público. Este foi uma verdade que a crise do Covid trouxe à tona. O exemplo máximo foi a presença do conservador liberal Mandeta no ministério da saúde. Ao sair, por divergências com o atual presidente, por conta da forma de tratamento a ser dada à crise sanitária, ele elogiou o SUS. 

Sim amigo, sem o SUS a crise estaria muito, mas muito pior do que se possa imaginar. Sem servidores públicos igualmente. Duvida? Me permita dar um exemplo de como isto funciona. Lembra do professor da Escola Pública? Vou lembrar é aquele indivíduo que faz concurso público (uma bateria de exames, que passa por questões intelectuais, morais [visto que servidor tem de comprovar conduta ilibada através da ficha negativada dos ofícios] e sanitárias), com fito de dar aulas, mas que na verdade termina atuando como a babá do filho, para que os pais possam trabalhar. 

A despeito da importância social deste profissional, ele ainda foi acusado por pessoas que não fazem parte do processo educacional e nem possuem formação para tal, de ser um ideólogo a serviço do comunismo, um doutrinador e coisas do tipo. Mas quando veio a pandemia/sindesmia boa parte das famílias teve de conviver com seus anjinhos dentro de casa, e os que ficaram com seus trabalhos tiveram de conciliar o regime de home office com a criação e cuidado dos filhos, este profissional teve sua ausência notada. 

Paramos por aqui? Não! Lembra dos "famigerados" policiais militares? É útil recorrer ao exemplo desta classe. Agora preciso trazer à memória um fato ocorrido anos atrás em decorrência de um movimento grevista nas policias militares do Brasil. Não pretendo entrar no mérito do direito de greve desta mesma classe (para isto temos os juristas Brasil afora). 

O que quero afirmar aqui é que na ausência da polícia o caos se instaurou de forma tal (vejam o Exemplo do Estado do Espírito Santo) que não faltou quem falasse que mesmo a sociedade não gostando de policiais, estes eram a última barreira entre a sociedade e a barbárie. Cabe lembrar aqui que policiais civis, federais e militares são funcionários públicos. 

Há muito que melhorar no serviço público? Há! Mas o fato de o serviço público ser passível de melhorias efetivas não nos dá a licença para prescindir nem do serviço e muito menos do servidor. A grande ironia é que a não percepção deste elemento é indicador da mistura entre uma mágoa social que se espalha na sociedade e a ideologia neoliberal de que o mundo funciona melhor com a ausência do Estado. 

No artigo anterior (veja aqui), expus algo que os seguidores das ideias de Hayeck e Mises insistem em ignorar. O Estado é a ultima barreira contra a barbárie. Colocar o indivíduo acima da sociedade equivale ao retorno da lei do mais forte. Aqui acrescento que os serviços públicos e privados se guiam por regras similares de administração, com o agravante de que a lógica que segue a iniciativa privada é a do lucro, que não necessariamente implica em serviço de qualidade. 

Quer uma prova? Veja nosso serviço de telefonia e de transportes públicos. São uma porcaria. A única melhora perceptível em ambos é a decorrente do avanço tecnológico. Por exemplo a OI oferece serviços de internet banda larga, e os carros da Supervia possuem ar-condicionados, mas a qualidade do serviço é a mesma. Os trens continuam quebrando, atrasando nos seus horários, e os usuários revoltados. 

A mesma coisa pode ser dita em relação ao serviço de telefonia prestado pela OI. Uma porcaria! A internet cai à toda hora. Já cheguei a ficar três dias sem Telefone fixo e sem banda larga, e ao ligar a empresa alegou reparos feitos na região. Fora o fato de que ao contatar a prestadora de serviço é impossível falar com um atendente humano, é uma tal de Joice que atende e a comunicação com a mesma é algo surreal. 

Vamos pensar um pouco a respeito dos serviços bancários. Se você acha que a privatização é a saída para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica te convido a fazer uma comparação entre estas e uma agência do Banco Bradesco, por exemplo. (Um dos bancos que mais cresce em termos força e poder financeiro no Brasil). Falo isto como quem optou por não receber seu salário em uma por conta do péssimo serviço prestado.

O que constato aqui é que a privatização não é sinônimo de melhoria do serviço. Mas não falta gente para dizer que a privatização é boa. E justamente neste ponto reside o problema. Boa para quem? Antes de responder esta pergunta indague se você consegue imaginar uma sociedade em que não haja mais médicos, bombeiros e policiais servidores públicos. 

Isto significa que na medida em que os serviços de saúde forem encarecendo, aquele plano de qualidade no qual você paga de dois a três mil reais por quatro pessoas da família, pouco à pouco deixará de dar cobertura às suas necessidades. Imagine somente poder contar com a segurança privada, e não mais com a pública. Já é ruim com, mas sem é pior ainda. 

Há alguns anos vivenciei uma crise no Estado que resultou em atrasos salariais para os servidores públicos. Fui ajudado por muita gente da iniciativa privada, confesso. Daí escrever aqui este artigo sem o mínimo pedantismo, apenas relatando os fatos frios em si mesmos. Não tocarei aqui na questão de quem é melhor. Não é esta a tônica do presente post. 

O mundo precisa de servidores públicos de de trabalhadores na iniciativa privada. Há bons e péssimos trabalhadores em ambas. Já fui extremamente mal atendido por um funcionário (portador de deficiência física, ou portador de necessidades especiais), da light. A pergunta que não quer calar é: devo por conta desta má experiência marginalizar todos os funcionários desta empresa? Óbvio que não. 

Devo sublimar esta empresa por conta do atendimento que os bons funcionários da mesma prestam? Óbvio que não! Como prestadora de serviços na área de energia elétrica a mesma deixa muito a desejar. Um apagão em bairros do centro do Rio de Janeiro demora muito mais para ser resolvido que na Zona Sul. Há muito para ser melhorado. 

Uma última questão a ser examinada antes de encerrar este post. Se o problema do serviço público fosse o servidor, seria facilmente resolvido. Como? Bastaria colocar no aplicativo (o vulgo app) no lugar do servidor. Mas não é este o problema. A questão mais do que nunca evidenciada é a diminuição do Estado. Como? Responderei abaixo. 

O mau funcionamento do serviço público é um projeto, na verdade uma política de Estado nos últimos trinta anos. O bom funcionamento do serviço demanda uma política. Não há serviço de Policia e de defesa civil, sem Política eficaz de segurança pública. As instituições de segurança precisam de sólido investimento para realizar atividades que vão desde o treinamento até as atividades junto ao público.

Da mesma forma os serviços de saúde não funcionam sem pessoal. A prova disto são as frequentes reportagens a respeito da saúde no Rio durante a época do então prefeito Marcelo Crivella. O problema da saúde na época era decorrente da terceirização dos serviços.Ou seja, o Estado delegando às organizações sociais o serviço de saúde. As fraudes decorrentes deste processo estão registradas nas mesmas matérias. 

Uma pesquisa básica no Google é o suficiente para mostrar as inúmeras irregularidades no sistema das O.S. A crise na saúde do Rio de Janeiro (que em tese redundou no afastamento de seu governador recém eleito, cujo mérito jurídico ainda está sob análise do judiciário e do legislativo), tem como pano de fundo a gestão de saúde feita pelas organizações sociais. 

Um fator agravante nesta análise é a ausência de memória. Os antigos postos de saúde eram bons em serviços ambulatoriais. Era possível fazer um exame e ter uma consulta médica. Já fui usuário deste serviço. Hoje ele ainda existe e funciona, mas de forma bem mais precarizada do que ocorria. Antes o problema era uma fila e acordar cedo demais. Agora é esperar por um serviço que não existe por conta da falta de pessoal. 

Mas na ausência de memória registrada faltam os elementos que permitam uma comparação entre os dois serviços. Outro ponto a ser considerado é a demora na percepção. Ela não vem de imediato. Há poucas pessoas jovens com memória para fazer a comparação entre ambos os serviços. Uma vez realizada a comparação, percebe-se que ocorreu uma piora. 

Com toda esta piora, é ao SUS que Paulo Guedes recorre para tomar sua dose de imunizante da coronavac. O site G1 relata que durante sua vacinação ele foi indagado a respeito do orçamento que impacta nos serviços públicos. Está mais do que na hora de rever o projeto de sociedade que tem sido implementado aqui desde a época de Collor, e levada adiante por FHC e Lula. 

O funcionário público não existe em decorrência de uma postura paternalista do Estado para com um grupo supostamente tido por especial, ou privilegiado. Ele ainda é um fator importante na movimentação da Economia. Os impostos dos funcionários públicos (que como os de toda a nação não foram corrigidos), são descontados na fonte. 

Não é permitido a um funcionário público receber seus salário como pessoa jurídica. Qualquer funcionário público que ganhe acima de cinco mil reais está pagando uma taxa altíssima de impostos. Além do imposto descontado na fonte há o imposto descontado a partir do consumo (onde está a maior carga tributária). 

E aí, é proibido falar de funcionário público? Óbvio que não! Desde que o faça com conhecimento de causa. Sugiro maior conhecimento da administração pública, de Economia (que nada tem a ver com as técnicas de operação no mercado financeiro, mas que é um conhecimento que abrange desde a Filosofia Moral até a análise politica). 


Marcelo Medeiros. 

quinta-feira, 25 de março de 2021

A crise do Covid uma análise inicial




É do conhecimento do leitor minimamente informado que desde o ano passado (2020), quando começaram a serem identificados os primeiros casos de Covid aqui no Brasil, que se constatou a a realidade de uma crise sanitária de proporções mundiais. O problema é que esta crise não veio sozinha, e temos falado isto insistentemente neste espaço. 

Em 2008, tivemos uma crise econômica em proporções mundiais. Tudo decorrente de operações de crédito feitas por bancos americanos e ingleses, que se mostraram fracassadas e resultaram numa quebradeira que só não foi maior por conta da ajuda dada por Obama. Não fosse essa ajuda muitos americanos teriam de ver seus fundos de pensão irem de ralo abaixo. Inicialmente o Brasil escapou desta crise por conta da alta procura de commodities por parte da China e do uso que o então presidente Lula deu aos recursos oriundos de tais operações em programas sociais. 

Mas a crise não parou por aí. Logo após a crise econômica veio a crise política, social e as pautas que antes eram vitas como progressistas e inerentemente benéficas passaram a serem contestadas. A democracia foi imediatamente contestado e no mundo, em particular na Europa, começaram a surgir movimentos autoritários. O totalitarismo começou a fazer um tremendo sucesso entre a garotada e entre os evangélicos também (algo que merece um post à parte). 

Aqui no Brasil explode uma crise sem precedentes. A marola da crise econômica de 2008 foi sentida em 2013 com a queda de interesse por parte da China em nossos commodities, com a frustração das expectativas em relação ao pré-sal, o perdão de dívidas de instituições, a queda na arrecadação e uma série de erros da então presidente Dilma Rousseff, que culminaram nas manifestações que resultaram no impeachment da mesma. 

Neste contexto a Operação Lava-Jato trouxe à tona casos e mais casos de corrupção, de desvios de dinheiro e operações ilícitas envolvendo nossa maior estatal, a Petrobrás. O saldo da referida operação foi a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (cujo mérito penal não pretendo sequer considerar aqui). Meu ponto aqui é que uma operação necessária, que tinha tudo para depurar desde instituições públicas até empresas foi conduzida de modo afoito e até atropelado. 

Na medida em que casos e mais casos de corrupção foram sendo trazidos à tona, aprofundava-se ainda mais uma crise institucional e política, que na época não conseguia perceber, mas que nas eleições de 2018 ficou claro para mim. O livro de Walfredo Warde (Espetáculo da Corrupção), mostra como o rito do direito processual foi banalizado redundando na suspeição dos agentes envolvidos na investigação e no julgamento dos méritos. 

Guerras e mais guerras narrativas vieram à tona em meio ao processo. Uma delas é a de que a prisão do ex-presidente Lula era parte de uma conspiração para retirar o páreo o único candidato capaz de vencer o atual presidente. Em contraponto a esta narrativa surge a narrativa de uma conspiração mundial para implantar o comunismo no mundo. 

É curioso como tal narrativa pode ter encontrado espaço a aceitação na sociedade atual. Seria compreensível no início da década de oitenta (época em que os Estados Unidos investia maciçamente em toda forma de propagada contra o governo russo). Mas após o processo de abertura da Rússia esta narrativa perdeu o sentido. 

Através de falas com alguns colegas que compram esta ideia percebe uma estereotipia do que venha a ser o comunismo. Aqui a palavra não tem aquele sentido dado pelo socialistas utópicos, onde uma sociedade comunista seria uma sociedade sem classes. Comunismo aqui ganha sentido de regime marcado pelo fracasso econômico que redunda em pobreza das massas e riqueza de um grupo pequeno, na verdade ínfimo de pessoas. 

O grave problema é que o regime neoliberal tem estes efeitos. E com isto ocorre um erro gravíssimo. No afã de se salvarem da pobreza e garantirem sua liberdade as pessoas na verdade aderem a um regime econômico que tem provocado a mesma concentração de renda existente antes da década de vinte do século passado. 

Mais do que isto um regime que prega a barbárie, digo o retorno a esta. Sim e a operação é bem simples, em nome da liberdade individual subverte-se toda forma organização social, melhor toda ação visando o interesse coletivo. Paulo Ghiraldelli Jr atribui a Hayeck a fala de que não existe a sociedade, existe o indivíduo. é uma percepção política? Com toda a certeza, mas também é um retorno à barbárie. 

O grande problema com a barbárie é que ela não é o regime da liberdade, como se possa pensar. Ela é o regime da força e da violência. Neste a justiça é equiparada o direito do mais forte. E foi justamente para evitar que o forte exercesse seu poder, de forma arbitrária sobre o fraco que o Estado foi constituído. Esta é uma das razões pelas quais os contratualistas viram a razão de ser do Estado. 

Por esta razão Hegel entendeu o Estado como sendo a realização do Espírito Absoluto e como o garantidor da liberdade do sujeito, aquele que levaria a dialética do senhor e do escravo à sua síntese. Marx, por sua vez, ousou ver o Estado a partir de outra perspectiva. Nesta ótica, o Estado ainda que devesse, não poderia realizar a liberdade do sujeito. 

As palavras de Marx pareceram cair no descrédito por conta do que se viu no regime capitalista no pós guerra (a chamada fase de ouro). Mas a década de setenta trouxe outra realidade. O neoliberalismo emergiu com toda a força. E conforme pontua Rubens Casara avança para todas as esferas da vida, inclusive a política. 

A diminuição do Estado (aqui compreendida como a escassez de serviços em saúde, segurança, saneamento, energia, comunicações e outros), é amenizada pelo discurso de liberdade individual, ao ponto de ninguém mais ser empregado de ninguém, mas todos e cada um serem empresários de si mesmos. Um discurso que na verdade oculta, vela a maior forma de totalitarismo, o da financeirização.  

Mário Sérgio Cortella lançou um livro por título política para não ser idiota. Tanto ele quanto Rubens Casara em seu livro Sociedade Sem Lei afirmam categoricamente que na Grécia toda pessoa que se recusava a pensar no bem comum recebia a alcunha de idiota. Na direção inversa a sociedade atual privilegia o egoísmo e o individualismo como virtudes que permitem o progresso individual. é neste contexto que se dá a crise do COVID-19.  

Não bastassem tais elementos de natureza política e ideológica, entra aqui o fator religioso. Na verdade, como estudante de apologética e participante de algumas comunidades do Facebook, percebo uma guerra de natureza filosófica, mas que tem invadido a esfera religiosa. Deve-se dar á ciência o status de narrativa explicadora de toda a realidade? É uma questão de fundo filosófico que tem sido apropriada por apologistas cristãos. 

Aqui tem de ser observado a atuação de ateus militantes no cenário público. Nomes como Sam Harris, Danniel Dennett e o fabuloso Richard Dawkins se somaram ao ateísmo militante. Ao invés de cooptar cristãos este movimento colaborou, e muito no recrudescimento do fundamentalismo cristão. Este gerou o obscurantismo, uma espécie de aversão à ciência. 

Não se trata de colocar aqui toda a responsabilidade sobre os cientistas e filósofos que resolveram militar pela ciência contra toda a visão que não se enquadre dentro dos cânones da mesma. Mas há que se reconhecer que o homem comum, em regra, não atenta muito para a ciência. Este é um saber para o qual os homens somente se voltam na medida em que precisam resolver algum problema. 

Foi o que motivou Bacon a pensar no gelo como meio de conservação para os alimentos, e numa forma de saber que viabilizasse o domínio da natureza. Sem a percepção de um problema que lhes desafie, o que o homem tem é a necessidade de pura fruição. Para boa parte destes a ciência tem pouco a dizer. Uma questão final discutida por Rubem Alves é se toda produção humana deve de estar restrita à ciência, ou  não. Para Rubem Alves há questões que estão fora do domínio desta sim. 

Face ao exposto acima fica fácil de entender a recusa de alguns "cidadãos" às medidas protetivas, como o lockdow, o uso de máscaras (chamadas de focinheiras), álcool em gel, auxílio emergencial por parte do Estado, ou qualquer manifestação de organização social como intervenções de um Estado Opressor na liberdade individual. 

Não há noção de "bem comum", "interesse comum", "solidariedade", nas falas de boa parte das pessoas que aderiram ao pensamento neoliberal. Aqui liberdade deia de ser o poder de agir livremente dentro de uma sociedade organizada de acordo com os limites da lei, para ser a ausência de subordinação à toda e qualquer forma de autoridade. 

Evocações à liberdade de expressão, à parte, o que ocorre aqui, sob o manto de um discurso de liberdade é um verdadeiro estado de anomia social. Ausência de regras, de normas, de lei, ou confusão destas com restrições à liberdade. Em outras palavras não é uma crise sanitária isolada dos problemas sociais, econômico e políticos que tem afetado a humanidade. 

Não se trata de decidir apenas a respeito da vacina e do uso das máscaras. Mas de política sanitária, de transportes, de emprego, renda e seguridade. O Brasil, por conta do avanço crescente do neoliberalismo e da ideia de Estado mínimo, trouxe a questão da individualidade de cada cidadão como mantenedor de si mesmo, e responsável pelo seu sustento pessoal mesmo em meio a uma pandemia (uma crise sanitária dentro de uma crise econômica). 

Com frequência ouço as pessoas dizerem que não vêem a hora de que tudo volte ao normal. Mas o normal virá? Creio que não. Mais do que isto não pode vir. Há muito que ser visto e revisto em nossas concepções sociais, em nosso modelo de sociedade, na política, na economia. Articulei ao longo deste artigo todas crises possíveis porque são questões que precisam de reflexão. 

Edgar Morin abre algumas destas reflexões em um livro sobre as lições do Covid. Nós precisamos aprender a fazer tais reflexões e a ponderar sobre tais questões. Antes o vírus nossa sociedade foi infectada com uma mágoa social tamanha que foi muito bem orientada ao serviço dos interesses do capital financeiro. Desfazer este processo não é coisa fácil. 

Marcelo Medeiros. 

sexta-feira, 19 de março de 2021

Viver, ou acumular? Qual o Sentido?

 



O leitor minimamente informado saber que estamos no meio de uma crise. Há alguns anos vivemos uma crise econômica, política, institucional, moral, e agora sanitária em decorrência do COVID-19. Períodos críticos como este costumam gerar uma série de propostas visando solucionar a crise. O neoliberalismo econômico é uma destas propostas na atualidade. 

A visão neoliberal tem sido reforçada por meio do senso comum (aquele tipo de conhecimento não crítico, não sistemático, e que não leva em conta as contradições internas das afirmações que faz). O senso comum se soma aos casos de corrupção da esquerda, ainda que não sejam exclusivos desta, mas em razão da infelicidade que um partido teve de se corromper em meio a uma crise econômica mundial. O resultado foi uma corrupção que fortaleceu ainda mais o neoliberalismo que vinha sendo praticado desde Fernando Henrique Cardoso, e por que não desde Collor? 

Uma das narrativas que vem sendo fortalecidas é a de que por mais de trinta anos vem sendo praticado por aqui uma estratégia comunista, mas esta narrativa demanda um post à parte. Esta é uma das piores confusões que se pode ver. Passei recentemente pela experiência de Ministrar aulas de Sociologia da Religião em uma Igreja, cujo nome prefiro preservar. 

Aulas de Sociologia, ou Sociologia da Religião demandam a menção dos Sociólogos clássicos: Max Weber, Émile Dürkheim, e o "famigerado" Karl Marx. Não faltaram perguntas do tipo: "onde as ideias de Marx deram certo?", típica coisa de reprodutor de ideologia de direita. Mas não é isto que me espanta. O que me assusta na verdade é outra coisa. 

Me espanta as pessoas não perceberem algo tão claramente percebido por Ricardo Gondim em seu livro Igreja no Século Vinte e Um, que as utopias desde a platônica até a marxista não são projetos de engenharia social a serem executados à risca. Errado por errado, pode-se dizer que o sonho do rei filósofo de Platão foi frustrado quando o jovem Dionísio recusou tal papel, antes deliberadamente preferiu ser um dos mais cruéis tiranos e a perseguir seu próprio professor. 

As utopias são, ao mesmo tempo, uma crítica à situação atual e uma espécie de horizonte. Platão com sua República, Francis Bacon com sua nova Atlântida, Thomas Morus são exemplos de Utopias. Elas nunca tiveram a intencionalidade de virem a ser realidades concretas. No caso de Platão a República serve de crítica aos vícios da democracia ateniense. No caso de Bacon, o que se critica é a mentalidade "supersticiosa" e tendenciosa aos dogmas. Em Morus, como o próprio a avaliação se dirige à proposta de Bacon e à estrutura social que termina por formar a marginalidade. 

Todas estas utopias são aqui mencionadas a fim de se ilustrar o que vem agora pela frente. Uma utopia pouco conhecida e pouco mencionada, devido à sua penetração no senso comum, é o liberalismo clássico de Adam Smith. Não percebo ninguém se perguntando onde ele deu certo, onde se concretizou e coisas do tipo. 

Thomas Malthus, David Ricardo são apenas alguns dos críticos do liberalismo de Adam Smith, que por sua vez é descrito por Robert Heilbronner como sendo uma espécie de escada giratória onde as pessoas vão se revezando no topo, o que é imediatamente negado naqueles autores. Para Ricardo, a realidade era que quem chegava ao topo retirava a escada para inviabilizar a chegada dos demais ao topo. 

Com esta afirmativa atribuída a Ricardo, pode-se dizer que ocorre aqui uma antecipação da segunda fase do liberalismo, onde a livre concorrência cede lugar aos monopólios. Este é por definição o controle exclusivo de toda ou de quase toda a atividade comercial, industrial ou de exploração de um produto ou serviço, em que uma pessoa ou companhia afasta ou torna praticamente impossível a possibilidade de concorrência por outras companhias.

Isto se toronou prática e Edgar Morin aponta para algumas oligarquias que parasitam e aparelham o Estado, exercendo domínio sobre a esfera legislativa, a fim de garantirem para si o controle das produções industriais e agrícolas, além do setor de serviço. Uber, Amazon e Google são algumas das empresas citadas pelo filósofo em apreço. 

Ressalto aqui apenas algumas das contradições para exemplificar o que passo a dizer daqui em diante.A imagem acima traz uma importante questão a respeito do modo de vida que vivemos. Acumular nem sempre é compatível com o viver. Conforme dito acima não faltam líderes na atual conjuntura afirmando que a Bíblia é um livro de direita. 

Eu gostaria de perguntar para estes líderes (caso eles tivessem o mínimo de honestidade para admitir), como eles conciliam esta afirmação com a a fala de Jesus nos Evangelhos de que a vida do homem não consiste na abundância dos bens que possui, ou ainda aquela fala que afirma a inviabilidade de servir a dois senhores, e a sentença fatal: ou servirmos a Deus, ou ao dinheiro (neste contexto chamado de Momon). 

Uma das ideias centrais do livro de Eclesiastes é a de que se o homem acumula bens, mas não desfruta dos mesmos, tal acumulação é vaidade. Quando se pondera tal afirmação com a Parábola de Jesus a respeito de um homem cuja colheita rendeu a cem por um, pode-se constatar que no período em que os textos bíblicos foram escritos havia a expectativa de acumulação para a fruição em dado momento da vida. 

A crítica de Jesus no Evangelho de Lucas (ou da comunidade lucana), se dirige ao fato de que o momento aguardado para a fruição pode chegar, ou não. Aqui aparece a verdade de que o homem não possui poder para reter seu fôlego de vida, e que a morte pode interromper seus projetos. Segue-se que no lugar de alimentar projetos incertos o homem deve procurar a viver a vida da forma mais intensa e legítima possível . 

Para o pregador esta vida consiste em usufruir daquilo que se conquista. Para Jesus a verdadeira vida consiste em viver para o chamado do Evangelho. A comunidade de discípulos do primeiro século entendeu que o homem pode ganhar o mundo e perder a própria vida. Perder a vida aqui é deixar de viver com sentido. Tem de ter algo que dê sentido à vida. 

Dar sentido existencial à vida é muito diferente de arrumar distrações para a vida. Distrair é o ato de desviar a atenção de algo. As distrações e divertimentos servem para nos fazer esquecer situações desagradáveis ao longo do dia, ou até mesmo a própria vida. Acumular na expectativa de que a simples acumulação nos dará algum tipo de realização (no caso o acesso aos bens de consumo), é na concepção de Edgar Morin uma forma de divertimento (distração). 

Na leitura que Morin faz de Pascal, é por meio da acumulação de capital que o homem se distrai de sua condição existencial, em outras palavras, deixa de pensar na sua vida, na sua morte, na sua fragilidade. Você pode achar que tais pensamentos são indesejáveis, mas eles são o meio para a obtenção da sabedoria que pode carregar a vida de sentido. 

Na fala de Cristo damos sentido à vida na medida em que seguimos ao seu exemplo de autonegação pessoal, de esvaziamento e procuramos viver uma vida simples, ainda que isto incorra em marginalização (ser colocado à margem da sociedade pelos representantes do poder político e econômico e político da atual sociedade). 

Tanto Syne quanto Jonh Stott, defendem um modo de vida simples. Não se trata de defender aqui uma caricatura do Socialismo, onde uns poucos enriquecem e a grande maioria empobrece. Não é uma reedição da teologia franciscana. É entender que uma vida consumo, não significa necessariamente uma vida plena. Um entendimento inviabilizado pela Teologia da Prosperidade e pelo calvinismo estadunidense. 

Percebo de forma cada vez mais clara que tanto o Calvinismo estadunidense quanto a Teologia da Prosperidade em si são Teologias que a atendem aos desejos mau elaborados de nossa geração. Uma grande descoberta da Ética clássica foi a ideia de que não realizamos todos os nossos desejos. Mas voltemos a pergunta do post.

O que é viver? Viver consiste em fruir dos recursos que temos, das dádivas (leia-se dons) que recebemos. Viver é realizar com o máximo das nossas forças tudo aquilo que a oportunidade nos coloca à mão, sem perder de vida que em algum momento a vida que fruímos hoje será retirada. O pregador afirmou que há um tempo para tudo. Sim, tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer

Se a vida é a fruição plena dos dons e dádivas de Deus, e o ato de saber viver cada instante, a morte é a ausência desta condição. Uma vida voltada para a acumulação não permite o desenvolvimento de sabedoria, de projeto, de conhecimento, de obra de nada. Os homens não percebem, mas quando o sentido da vida é a acumulação pela acumulação, a realidade se torna uma espécie de limbo (o vulgo Sheol hebraico). 


Marcelo Medeiros. 

sábado, 9 de janeiro de 2021

Porque parei de falar sobre Política

 



O leitor atento deste blog poderá perceber que desde dois mil e treze falo de Politica aqui neste espaço e em minhas redes sociais. Nas confesso que no Facebook eu parei, dei um tempo. Qual o motivo? Sou professor e minha proposta ao falar do que quer que seja sempre será a de fazer de forma embasada e de modo a produzir conhecimento e crescimento. Não falo de política em Facebook mais por conta de ter percebido que uma parcela significativa não entendia e nem se adequava a proposta, a despeito de ter explicado sucessivas vezes. 

Por várias ocasiões a discissão das ideias era deixada em prol de adjetivações do tipo: "Esquerdista", "Comunista", "progressista", fora os ataques pessoais e até mesmo os questionamentos à condição de pastor e cristão. Os "cristãos conservadores" (observem as aspas, por favor meus leitores) são insuperáveis quando querem denigrir alguém. Ver uma proposta em torno de debates de ideias ser jogada no lixo da "troca" de ofensas é o cúmulo. 

"Mas pastor, me diz uma coisa, e você nunca ofendeu?" SEM QUERER eu ofendi sim. Confesso. "Como sem querer?". Descobri após uma dolorosa experiência em grupos "cristãos" de debates em Whatsapp que uma forma de ofender uma pessoa é solicitar embasamento bibliográfico, e após constatação sugerir que a pessoa leia. Não se trata da tática olavista de mandar o interlocutor ler, quando na verdade quem está mandando ler não possui a menor base. 

Possuo formação pedagógica, teológica e filosófica e sei que uma das marcas do debate socrático é fazer perguntas com vistas ao esclarecimento dos limites do interlocutor, para então seguir com uma abordagem que permita o parto do conhecimento. Acontece que não me demorou a perceber que tais interlocutores se negam a responder honestamente as perguntas que são colocadas. Antes, insistem nas ofensas pessoais. Até de "maluco", "desequilibrado", você pode ser chamado. 

O pior neste processo todo é que mais do que estabelecer para os interlocutores quais os seus reais limites, as perguntas socráticas visavam expor a ignorância. Sem que se assuma a ignorância não há viabilidade no diálogo. É impossível dialogar com quem pressupõe conhecimento, quando na verdade nem de longe o possui. 

Pascal afirmava que há os que nascem ignorantes e têm ciência de sua condição. Há os que nascem ignorantes e estudam, a, ao estudarem chegam a uma ignorância sabida. O próprio Martin Lloydd-Jones chega a fazer uma afirmação bem similar em seus estudos no sermão do Monte. Voltando ao filósofo jansenita, os que ficam na metade do caminho são os que causam transtornos ao mundo. 

Também é costume deste pessoal a alternância entre a ofensa, marginalização de quem não se enquadra na forma de pensar deles, o encaixotamento. Há por parte deste pessoal uma necessidade enorme de categorizar, ou classificar o outro. Não há espaço para o entendimento do ser humano em sua peculiaridade, particularidade. Daí a categorização. 

Tive uma experiência de discutir sobre política de segurança pública com um em um grupo e o desenvolvimento do "debate" foi bem interessante. As ideias foram deixadas de lado, e as questões levantadas passaram a ser a respeito de minha formação. Para a infelicidade do meu interlocutor ele errou na formação que eu possuo e na instituição em que estudei. 

Mas por que então parei de falar de politica mesmo? Por não encontrar anuência em minha proposta. Falar de Política é falar do problema da pólis (daí vem o termo política). É falar de saúde, educação, saneamento básico, segurança pública, Iluminação pública, bem como do acesso a estes e e aos demais bens. Também é considerar se cabe ao Estado, ou à iniciativa privada a oferta destes bens. 

Mas a democracia grega nos traz outra lição. O reino, ou mundo da política é o reino, ou domínio da retórica. A política se exerce por meio do convencimento através da palavra falada. Foi por este motivo que os sofistas começaram a ensinar seus alunos a discursar em público e a fazer isto de forma convincente. Foi também por este motivo que Sócrates, inicialmente, e depois Platão, fundaram uma tradição oposta a dos sofistas. Eles visavam sair da mera opinião para o conhecimento proporcionado pelo diálogo e reflexão.  

Não há como se pensar em politica e menos ainda em democracia sem o diálogo. Mesmo entre os discípulos dos sofistas que visavam o convencimento a qualquer custo (pelo menos esta é a ideia oficial que chega dos mesmos até nós), tal dá-se por meio da palavra falada. O Fenômeno político atual não é da palavra é da imagem, do sentimento e da propaganda. 

No lugar de uma frase, uma oração, ou um texto, uma imagem. No lugar da reflexão filosófica, um texto propagandista, ou todo um programa baseada em teorias da conspiração sem sentido algum. No lugar da verdade, aquilo que atrai mais curtidas, mais vozes favoráveis. Karnal está certo ao falar de pós verdade. Não importa se é, verdade, ou mentira, me agrada e me serve, então é o aceito. 

Em Estado sem Lei o autor Rubem Casara fala da desconstrução da democracia em decorrência da perda simbólica. Não sei se vi alguma geração tão pobre do ponto de vista linguístico como a atual. São pessoas incapazes de compreender uma metáfora, como a expressão "gado", por exemplo. São reducionistas ao ponto de ligar comunismo com progressismo, a despeito da experiência demonstrar que o progressismo está ligado o liberalismo. 

Mas um dos maiores fatores foi a percepção de que o debate é dominado pela passionalidade. Propagandistas das ideias da direita conseguiram estabelecer sua agenda através do apelo ao emocional. A revolta o tornou ideias, antes inaceitáveis, palatáveis ao público. Outro fator é o messianismo presente na militância político partidária personalista. 

Não tenho nada contra a política partidária. Numa democracia moderna a política partidária serve, ou deveria de servir, à delimitação de uma plataforma com a qual o eleitor facilmente possa se identificar. Mas há fenômenos atuais que estão destruindo esta forma de se fazer política. O meu problema é uma militância cega que além de partidária é majoritariamente personalista. 

Este fenômeno que se manifestou com as ascensão do lulopetismo, agora se torna ainda mais explícito com a ascensão da versão direita do mesmo, o bolsonarismo, ou bolsolavismo. A acriticidade do primeiro produziu cegueira em relação aos escândalos do mensalão e petrolão. Era como se tudo fosse permitido, afinal o então presidente havia feito distribuição de renda e reduzido a miséria (do que não discordo). 

De igual modo o fanatismo do bolsolavismo e do bolsonarismo cega as pessoas aos escândalos atuais. Ministros condenados pela justiça e inelegíveis são blindados. Outros fraudam seus respectivos currículos e permanecem no ministério com o apoio de um monte de cidadão de bem. Estes são apenas alguns dos fatores que mostram a clara confusão conceitual (decorrente do empobrecimento da linguagem). 

Neste país enquanto se vive em constante clima de guerra contra um comunismo e se discute sobre o nazismo ser de direita, ou de esquerda, não se percebe a crescente financeirização do trabalho e da política. Algo que vem desde Collor, passando até pelo próprio Lula e desembocando no atual governo, que através de Paulo guedes faz as reformas de de modo muito mais agressivo. 

Fantástico como neste país as pessoas acreditam que a privatização (um dos braços da financeirização), pode de fato trazer melhorias. Algo que ao ver os serviços de telefonia pública, transporte público (realizado por empresas privadas mediante concessões), energia, e até bancos ficaram piores do que quando exercidos pela iniciativa privada. É extrema a facilidade com que a direita impõe suas ideias até mesmo à esquerda institucional. 

Falar nestes ambientes e para pessoas com tal perfil é expor-se a correr os riscos acima descritos e ainda produzir muito pouco. E aí não se trata de calar a voz. Mas de separar entre o joio e o trigo, entre aqueles capazes de valorizar um ensino e os que não são capazes. A verdade é que há pessoas que não se interessam em se instruir. Mas há com certeza quem se interesse em tal. Estas pessoas não estão dispostas a serem "gado" de "direita" e nem de "esquerda". É na esperança de alcançar este público que sigo aqui neste espaço. 

Forte Abraço. 

sábado, 2 de janeiro de 2021

A Pessoa do Espírito Santo


Conforme indicado pelo título da presente postagem, o Espírito Santo, na percepção majoritária dos cristãos ocidentais, inclusive dos pentecostais é uma pessoa divina. Lógico que é uma percepção trinitariana e com uso da linguagem psicológica, conforme indicado por Louis Berkhoff em sua dogmática. Mas esta é a forma que expressa o entendimento de significativa parte dos cristãos. 

Mas em que aspecto este estudo pode ser norteador na construção de um Pentecostalismo mais sintonizado com as Escrituras e consequentemente com a boa tradição teológica? Esta é a pergunta que precisa ser feita para que se obtenha sucesso na ministração da corrente lição de Escola Bíblica Dominical. Conforme já falado aqui neste espaço uma das razões para a série de reflexões deste trimestre foi a necessidade de apresentar às novas gerações uma Teologia consistente que fosse identitária e alternativa ao Calvinismo que estava adentrando em nossas searas. 

Já externei aqui que não há inconsistência, ou inviabilidade de diálogo entre a Teologia Pentecostal e a Reformada, ou evangélico-luterana, e outras formas de Teologia advindas da Reforma Protestante. Mas grandes expoentes deste ramo teológico da atualidade descreem completamente da atualidade e contemporaneidade dos dons espirituais (uma das marcas distintivas do pentecostalismo). 

Todavia nomes como Sam Storms, Jonh Piper, Franklin Ferreira, Waynne Grüden e do próprio Renato Cunha apontam em outra direção. São reformados que creem na continuidade dos dons espirituais e no que os Teólogos Pentecostais chamam de Batismo com o Espírito e eles de Revestimento de poder. Trata-se da ação do Espírito Santo em capacitar os crentes para o testemunho cristão. 

O problema que a lição de número um apresenta é que ela enuncia no título o estudo da pessoa do Espírito Santo, mas em seus desenvolvimento extrapola para noção de trindade. Já tive a oportunidade de atuar no Instituto Superior de Teologia como professor da matéria trindade, não é algo que se ensina de forma satisfatória em um único estudo de Escola Bíblica Dominical, e muito menos em um post de blog. 

Todavia, ao se falar da ação do Espírito Santo é de suma importância que se destaque sim sua personalidade e divindade. Todavia isto não é tarefa banal e creio que não seja algo que possa ser reduzido à citações dos credos e confissões de fé das comunidades cristãs ao longo da história. Acredito que a Teologia de Lewis (Cristianismo Puro e Simples) seja muito mais pontual do que qualquer Teologia clássica. Ninguém precisa concordar comigo neste último ponto. 

Antes de sermos pentecostais somos cristãos. Ao ler Cristianismo Puro e Simples me deparo com a seguinte verdade: a fé cristã é muito mais do que um conjunto de dogmas e doutrinas cujo pacote possa ser adquirido no mercado das religiões. O cristianismo propõe um pouco e além do que toda a religiosidade propõe. O pouco é a união com a realidade absoluta no pós morte, o além é a percepção de que esta realidade pode ser descrita tanto como "pessoal", quanto como "supra pessoal", e que podemos experimentar a comunhão com esta realidade aqui e agora.

Aqui é necessário lanças mãos das observações feitas por Francis Albert Shaeffer. Deus é infinto. Esta é uma afirmações cuja maior implicação é a de que ele (Deus), está fora do tempo de do espaço, não podendo ser contido nesta realidade. Em obras como O Deus que se Revela, e O Deus que Intervém, o autor em apreço esclarece que o ponto de contato entre Deus e o ser humano é a pessoalidade. Deus é um ser pessoal. 

É por meio da personalidade divina que Geisler, Berkhof, Shaffer e principalmente Lewis levantam a questão de Deus ser um ser pessoal e ao mesmo tempo sozinho. Uma questão visceral para este último autor é a afirmação bíblica de que "Deus é Amor". Ninguém pode ser amor tendo apenas a si mesmo como objeto deste amor. 

O amor é algo que uma pessoa sente por outra. Se Deus fosse a única pessoa, não poderia ter sido amor antes da criação do mundo. É claro que em geral, o que as pessoas querem dizer é algo bastante diferente: "o Amor é Deus". Querem dizer, na realidade, que nossos sentimentos amorosos, como quer e onde quer que surjam, e quaisquer que sejam seus efeitos, devem ser tratados com todo o respeito (Lewis, Cristianismo Puro e Simples, pág. 231). 

O Filho procede do Amor do Pai. Ele foi "gerado", não criado por este amor. Esta expressão (gerado) é usada por Lewis para explicar a diferença entre o filho e o restante da criação. Aquilo que o homem e todo e qualquer ser vivente é capaz de gerar é igual a si mesmo, aquilo que o homem e demais seres viventes "criam", não é e nem pode ser igual. 

Ou seja, Cristo é gerado e não criado, mas a questão não para por aqui. Este processo dá-se fora do tempo e do espaço, o que permite que o Pai, e o Filho sejam pessoas distintas e ao mesmo tempo um único SER. Ao contrário da realidade em que cada ser humano se encontra inserido (uma vez que estamos limitados ao tempo e ao espaço). 

Daí que ao falar em supra pessoalidade, Lewis possa afirmar que esta não seja sinônima de uma impessoalidade, como o senso comum possa fazer parecer ser. Supra Pessoalidade aqui é a pessoalidade elevada exponencialmente de forma que ser uma pessoa seja muito mais do que tudo o que somos como pessoa. 

Lewis segue explicando que toda agremiação humana tende a forjar um tipo de força que liga e passa a expressar aquele tipo de "associação". A seguir ele leva esta explicação para a questão trinitária e assim desenvolve parte de sua Pneumatologia Trinitariana. A despeito da sutileza filosófica decorrente de leitura e da agudeza filosófica e da expertise da crítica literária, Lewis destaca que a doutrina da trindade é uma forma de destacar a relação interna do SER de Deus. 

É aqui que retorno ao que foi afirmado acima. O grande projeto divino é a relação do homem com Deus e em decorrência desta a relação comunitária. Não há porque falar em dons espirituais sem o entendimento de que são ferramentas das quais Deus dispõe a fim de que os membros de uma determinada comunidade sejam mutuamente edificados.  

Isto é uma verdade desde o antigo testamento quando o povo judeu ainda não havia levantado questões a respeito de Deus ser, ou não um ser pessoal. Se uma unidade simples (se é que se possa falar assim em termos pessoais), ou se uma personalidade composta. É o ponto em que cristãos e judeus se dividem, obviamente, mas que é base da estrutura de pensamento e piedade cristã. 

Retornando ao pensamento de Lewis, uma das formas com a qual o cristão se relaciona com Deus é a oração. Lewis destaca que esta mesma é trinitariana. 

O que quero dizer é o seguinte: o simples cristão ajoelha-se e faz suas orações, tentando entrar em contato com Deus. Porém, se ele é cristão, sabe que o que o induz a orar é também Deus. Deus por assim dizer dentro dele. E sabe que todo o conhecimento real que possui de Deus, veio por meio de Cristo, o Homem que foi Deus. Sabe que Cristo está de pé, ao seu lado ajudando-o a orar, orando por ele. Você viu o que está acontecendo? Deus é Aquilo para o qual ele ora - o objetivo que tenta alcançar, é também aquilo dentro dele, que o impele, a força motriz. Deus, por fim, é a estrada, ou a ponte que percorre para chegar a seu objetivo. Assim toda vida tríplice do Ser tripessoal entra em ação neste quarto humilde onde um homem comum faz suas orações. O homem está sendo capturado por um tipo superior de vida - o que chamei de Zoé, ou vida espiritual. Está sendo atraído para dentro de Deus pelo próprio Deus, sem deixar de ser ele mesmo (Lewis, Cristianismo Puro e Simples, pág. 217). 

Nosso chamado é para um relacionamento com Deus que redunda em um partilhar  da vida divina. Esta partilha foi chamada por Pedro de participação na natureza divina (I Pe 1. 3 - 5). A promessa engloba Alegria, poder, paz e vida Eterna, que é explicada pelo autor como sendo a participação em um vida que não é criada. 

A experiência pentecostal é trinitária, tal como a vida cristã. A graça de Deus que se manifesta trazendo salvação para os homens (Tt 2. 13) é acessada por meio de Cristo, visto que da sua plenitude temos recebido graça sobre graça (Jo 1. 16, 17). O amor de Deus se manifesta no fato de Este ter dado seu filho para a propiciação de nossos pecados (Jo 3. 16; Rm 5. 6 - 8; I Jo 4. 8 - 10), e no derramar contínuo do Espírito Santo (Rm 5. 5). 

Na Teologia Joanina o Filho se faz carne para ser concretamente a maior explicação de Deus (Jo 1. 14 - 18). O Espirito é enviado a fim de fazer com que as palavra de Cristo sejam plenamente entendidas (Jo 14. 26). Pela Palavra o Pai, o Filho e o Espírito permanecem no crente (Jo 14. 21, 23). Este termo é crucial na Teologia joanina, uma vez que não há registros no antigo pacto de uma permanência do Espírito Santo na vida dos líderes de Israel, para além do exercício da atividade que desenvolviam. Aqui se percebe a natureza relacional do crente com o Espírito Santo. 

Espero que o presente estudo sirva de contribuição para que professores e alunos tenham uma visão mais panorâmica a respeito dos propósitos do autor das lições de Escola Bíblica Dominical das Assembleias de Deus do corrente trimestre. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

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