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sexta-feira, 29 de junho de 2018

Assim é a Igreja evangélica?! Assim como?!




A presente postagem é uma resposta ao que vi em redes sociais. Um post com Guilherme de Pádua, em que duas imagens são  associadas. A primeira é a da atriz Daniela Perez, morta à tesouradas pelo aludido, e a segunda dele como uma pessoa reabilitada e agora como pastor. O que me incomoda mais é a epígrafe do cartaz: ASSIM É A IGREJA EVANGÉLICA. Assim como?

Publiquei neste blog uma postagem em que criticava a indústria de testemunhos que a Igreja tem criado com vistas a se legitimar em mundo onde a religião não possui mais seu papel central na vida comunitária, e perde cada vez mais na vida privada. Daí a apresentação, o marketing fica por conta dos testemunhos. 

O primeiro problema que esta mesma indústria cria, é a distorção do sentido bíblico de testemunho. Este é a fala do Espírito a respeito da vida, morte e ressurreição de Jesus, com exceção de Paulo, que em juízo, e não no púlpito, abordou temas referentes à vida pessoal, a fim de reforçar a verdade da fé que ele professava. 

Um problema que vejo com a conversão de Guilherme de Pádua, conforme dito acima, dá-se pelo fato de que não temos como auferir a conversão de ninguém. Vemos as pessoas supostamente se decidindo, mas conversão, não há como atestar. São as novas atitudes que evidenciam, ou não, o arrependimento de uma pessoa. 

Arrependimento nada tem a ver com mero remorso, ou pesar, a palavra grega μετανοιας (metanoias), implica em mudança de mente, ou seja em ver seus maus atos anteriores de uma forma diferente. Ao arrependimento segue-se uma metamorfose (palavra emprega para indicar a transformação que ocorre em alguns seres que de larva se tornam belos insetos), que aqui indica mudança de caráter. 

Mas como aferir isto? Não dá para aferir como se afere o índice de monóxido de carbono na atmosfera. Mas há como observar quando o comportamento de uma pessoa é contrário à hipocrisia popular, quando a pessoa aborrece ao mal, seja em si mesmo, seja nos outros, quando ela busca estimar mais ao próximo do que se afirmar (e aqui a questão é bem profunda, porque às vezes nos afirmamos diminuindo os outros). 

Infelizmente ser cristão é algo que tem sido banalizado. Como resultado da banalização da fé cristã, o pastorado tem sido algo cada vez mais banal também. Mas a totalidade dos evangélicos deve ser julgada e colocada no mesmo pote que os produtores da indústria gospel? Creio que não, de forma alguma! Mas a resposta evangélica tem de ser dada com testemunho, ou no dizer de Pedro: Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus (I Pe 2. 15, 16). 

Confesso que vejo com suspeita tais conversões e tais testemunhos, mas admito que uma das marcas inerentes da religião, seja seu caráter salvacionista. Toda religião visa melhorar o ser humano, isto vai das seitas mistério gregas, até as religiões mais antigas da humanidade. Ao que parece o direito também traz esta marca, tanto que ao condenado que cumpriu pena e que não há mais reincidência, ou cometimento de crime em um prazo de até cinco anos (ver aqui), são garantidos os mesmos direitos de um cidadão que nunca praticou tais delitos. Percebo aqui o princípio de que a pena, de alguma forma redime, expia. 

Quanto aos atos dele, o perdão de pecados não anula a lei da semeadura. O homem planta e colhe o que plantou em medida e proporção maior algo da mesma espécie da semente que ele semeou. Mas cada colheita tem seu tempo. No mundo físico criamos técnicas que permitem antecipar a colheita de determinados frutos. Mas ao que parece o mundo espiritual não segue a mesma regra, e o humano, falo das dinâmicas relacionais, também não. 

Segue-se então que ele tenha direito de refazer a sua vida como ele quiser. Inúmeras hipóteses podem ser aventadas aqui, inclusive a de que ele use a religião como algum tipo de cobertura, mas conforme dito acima, não possuo os instrumentos que me permitam fazer tal avaliação. Mas creio que o tempo dirá, e a obra de cada um será manifesta. 

Mas a Igreja precisa urgentemente rever sua cultura de testemunho e de conversão. E igualmente evitar extremos que produziram desconfiança dos discípulos em Damasco por conta da conversão de Paulo, e a euforia que considera toda e qualquer pessoa agregada como convertida, com vistas à satisfação estatística. 

Marcelo Medeiros. 

sexta-feira, 22 de junho de 2018

COM MEDO DE SER FELIZ



O título desta postagem é uma referência a uma crítica esportiva do humorista Cláudio Besserman Viana, mais conhcido como Bussunda do grupo Casseta e planeta. Neste artigo ele aventava a possibilidade de que o Brasil, caso fosse campeão, o que de fato se deu, não o seria com o belo futebol. O curioso é que naquela época havia o Bebeto e o Romário. Zinho, Aldair, Márcio Santos, Leonardo, Branco, Jorginho, eram outros nomes que compunham o meio de campo da seleção, mas a reclamação se dava por falta de criatividade no meio de campo. 

Passados vinte e quatro anos do tetra, percebe-se o efeito das escolhas de Parreira na atual seleção. É verdade que a seleção possui Willian, Coutinho e Paulinho no meio campo, mas carece de um jogador cuja inteligência permita leitura do jogo e articulação de jogadas. O que não é perfil dos mencionados. 

Toda seleção produz aquela sensação de que alguém ficou de fora de forma injusta. Mas sinto falta de nomes como Hernanes, o profeta, e de Luan (que está voando, arrebentando). Muito estranho mesmo. Mas onde entra meu medo? Nas contusões recentes, na má forma física de Neymar, Fagner, e cia que se refletiu no Brasil ao ter aberto mão de jogar após o primeiro gol contra a Suíça. 

Sei que é normal a seleção canarinho colocar o pé no freio após o primeiro gol. Mas a pressão suíça foi excessiva, afinal permitida pelo Brasil, permitida por conta de sonolência, péssima forma física, relaxamento, e tudo o mais. O jogo contra a Costa Rica é visto como o termômetro de como será o Brasil nesta copa. 

Em noventa a vitória do Brasil foi de um a zero, e em dois mil e dois cinco à dois. A diferença? em noventa um meio campo brasileiro sem criação e um ataque de poucos gols. Em dois mil e dois o Brasil era arrasador da zaga ao ataque. Para o jogo de amanhã, não será aceita uma postura similar à do jogo contra a Suíça. A razão, ou razões? A defesa e o goleiro Taylor Navas. 

Sei dos problemas do meu país. Não sou alienado político. Logo, torço pela minha seleção, e busco manter este equilíbrio, mas confesso que estou com medo de ser feliz, e um medo ainda maior de ser infeliz. Falo como quem viu uma das maiores seleções serem eliminadas. Oitenta e dois, e dois mil e seis foram superadas apenas por dois mil e catorze. As duas primeiras tinham jogadores excepcionais, mas terminaram em frustração, que isto não se repita. 

Marcelo Medeiros. 

quarta-feira, 20 de junho de 2018

O MAL AMADO




Há algum tempo atrás escrevi em meu blog pessoal, um texto a respeito de uma frase similar a esta. Este, aliás foi o slogan de um candidato evangélico, cuja carreira e trajetória até admiro, mas da qual discordo. Otoni de Paula Jr. Mas ele não é assunto deste artigo, e sim o prefeito.
A revista, nada imparcial, Veja publicou uma matéria a respeito do índice de rejeição do atual prefeito da Cidade do Rio. Não é para menos. Sob a alegação da necessidade de rever as atitudes da gestão anterior, e com péssima comunicação com a população, provocou ira dos servidores ao fazer trocas equivocadas em alguns cargos de chefia, sem com isto diminuir significativamente pastas de algumas secretarias. Outro tiro no pé, foi o problema com uma creche institucional, mantida com recursos dos próprios servidores.
Não são claros seus critérios de corte de gastos, repito. O novo alvo é o famoso centro presente, um programa de integração entre a prefeitura, Estado e FECOMÉRCIO. Isto colocado, há que se analisar algo da trajetória de Crivella a fim de entender esta rejeição que o prefeito tem sofrido. Na verdade, ele nunca foi unanimidade.
Marcelo Crivella foi eleito após sucessivas tentativas ao governo do estado e à prefeitura do Rio de Janeiro. Sempre rejeitado não por conta de uma suposta inabilidade política, mas por sua ligação com Edir Macedo, e pela suspeita de um projeto de poder do grupo IURD (aliás, sempre bem explorada por seus adversários políticos).
No pleito atual ele venceu o outro rejeitado, Marcelo Freixo, por uma margem ínfima. Entre os dois uma margem significativa de votos nulos e abstenções, indicando clara rejeição das alternativas apresentadas (algo que apenas a mídia, à serviço do poder e os políticos teimam em não entender, mas que o leitor e observador atento percebe e muito bem). Não se faz necessário um QI acima de setenta para entender isto. Os que não entendem, não entendem por conta de total falta de esforço, aquilo que até Tico e Teco entenderiam.
Ainda sobre Marcelo Freixo há que se lembrar que a despeito de seu valioso trabalho na comissão de direitos humanos a ALERJ, e de sua atuação na anistia dos bombeiros militares que foram presos por conta de um justo movimento de oposição ao então governador Sérgio Cabral, não me agrada em nada a radicalidade de seu partido. Pior, como professor de História, sua participação nos debates foi pífia. Mas deixemos Marcelo Freixo de lado e consideremos novamente seu homônimo, o Crivella.
O que quer que tenha motivado Crivella a concorrer insistentemente o cargo de prefeito da cidade nada maravilhosa, projeto de poder de um grupo escuso, ou utopia político/evangélica, fato é que Crivella herdou contas de uma gestão passada nada clara e transparente e um povo sem memória, que se mostra cada vez mais insatisfeito e menos paciente e racional. Não é nada fácil para evangélicos e crentes históricos e católicos (para não mencionar umbandistas e candomblecistas), separar a figura do político da figura do Bispo. Daí que as críticas venham carregadas de um ressentimento cujo fundo é religioso.
Isto não quer dizer que eu esteja disposto a fechar meus olhos para as denúncias que Ricardo Mariano, apenas para exemplificar, tem feito há mais de dez anos para o projeto de poder de alguns grupos evangélicos. Deixar apenas a IURD neste barco é injusto, aqui todos temos de cortar a própria carne. Aqui cabe mais um parágrafo a respeito da visão estreita dos evangélicos.
Em boa parte, o público evangélico é formado pelos cristãos pentecostais. A maior marca destes é a ascese de bens materiais. Somente com a segunda onda pentecostal que ocorrerá o que se chama de ênfase no corpo e em si mesmo, o que relegará o céu a um segundo plano. O advento do neopentecostalismo, com a ênfase na aquisição de bens altera o plano, mas não a ponto de influenciar a mentalidade política.
Um fator agravador foi a síntese entre mentalidade monárquica e messianismo político. Quem já era nascido na década de noventa sabe o quanto se propalou nos púlpitos das Igrejas a respeito do advento de um presidente evangélico. Estamos tendo uma amostra grátis na figura do prefeito.
Quem é leitor de Jonh Stott sabe bem de suas severas críticas ao anti intelectualismo reinante no ambiente pentecostal. O resultado deste em termos políticos vê-se na eleição dos Marcos Felicianos da vida, dos Takayma e de uma série de gente que no púlpito enganava bem, mas que foi e tem sido uma tragédia nas tribunas legislativas, fora os interesses escusos. Falo isto considerando que a gestão nada transparente de Paes deixou uma herança infeliz para Crivella.
Todavia, mesmo vendo a herança de Crivella, a gestão suspeita de Eduardo Paes, a impaciência dos nossos cidadãos, a falta de senso histórico, nada disto justifica o atual prefeito, que quisesse de fato governar em favor do povo, teria traçado uma linha estratégica mais eficiente. Afinal uma boa gestão à frente da prefeitura seria o caminho para uma reeleição e quem sabe para sabe para pleitear o governo do Estado do RJ. Mas como ocorre todas as instâncias, Crivella não possuía e nem possui uma linha estratégica para driblar a crise. Apenas um modus operandos cuja base é a supressão temporária de direitos do funcionalismo público, com uma posterior volta dos mesmos. O que mostra uma profunda falha dos políticos evangélicos em geral: a confirmação com os esquemas consagrados pela política brasileira.
De nada adianta votar em candidato evangélico que acredita que a forma de governar do presidente é a correta, quando uma leitura dos profetas e da carta de Tiago aponta na direção contrária. Suprimir direitos de funcionários públicos é conformar-se com os esquemas do presente século. Neste caso, o famoso administramos mal?, e daí, o povo paga a conta.
Eu particularmente não alimento nenhuma ilusão com a política e os políticos, mas torço para que dê certo, gostaria de sugerir ao atual prefeito que crie um canal eficiente de comunicação com a população. Que neste canal informe à mesma a respeito da situação financeira da prefeitura, sem acusar o prefeito anterior. Justiça em relação a Eduardo Paes é uma questão de tempo, e que Crivella entenda que o mesmo se aplica à ele. Mas esta seria apenas uma entre uma série de medidas, dentre as quais uma estratégia para sanear as finanças, sem que a população sofra com isto.
O grande problema é que aqui a minha crítica não se prende exclusivamente ao prefeito mal amado, antes aplica-se às instâncias federal e estadual. CORTEM NA PRÓPRIA CARNE! Comecem pelos cargos de confiança que as pessoas ascendem sem que para isto sejam concursados. Estes são uma moeda de troca sempre usada para garantir apoio para eleição aos cargos públicos. Daí o crescimento exponencial de ministérios e secretarias de Estado e as municipais também. Não basta ser transparente com as contas da gestão anterior, é preciso ser com a própria gestão. Isto é ser simples como a pomba e prudentes como a serpente. Afinal, vida de crente na política, não é vida de profeta na corte.
Outro problema: está mais do que na hora de as igrejas pentecostais, a maioria neste país, abandonarem esta cultura contraria à intelectualidade e investir em seus jovens que possuem vocação para a política. O investimento consiste na ênfase na leitura dos clássicos e da boa parte da tradição política, e na síntese entre esta e a cosmovisão cristã. Um segundo passo seria a formulação de um projeto de sociedade, algo comum na perspectiva reformada, que não seja exclusivamente evangélico, mas que contemple a toda a população.
Não dá mais para associar evangelicalismo com fundamentalismo (na pior acepção do termo). Ser evangélico político é mais do que ser representante de uma Igreja, é propor o debate dos problemas sociais, em outros termos. É esta esperança que ainda me faz escrever sobre política neste espaço. Mas a esperança aqui não é otimismo a todo custo.
Marcelo Medeiros, escritor, 
teólogo especialista em Ciências da Religião.


quarta-feira, 13 de junho de 2018

Música Coral ou Cântico Congregacional




Não sei se vocês sabem mas sofro a influência de ambos, tanto do coral quanto dos grupos de cântico congregacional. Quando pequeno minha avó me levava para o ensaio do coral da igreja as 15 horas e algumas vezes dormia até o horário do culto da noite. Assim fui marcado pela cultura de canto coral.

Na pré-adolescência fiz aulas de canto coral com a professora Ana Campelo (hoje maestrina do coro Eclésia na primeira igreja Batista do Rio de janeiro), o que me levou a participar da gravação de um comercial que falava das garantias dos direitos de menores com a boca constituição. Isto se deu em 88.

Na juventude cantei nos corais da UFRJ e PUC. Assim que cheguei na assembleia de Deus em cidade nova assumi a regência do coral. Três anos após entreguei o cargo, voltando recentemente à convite do meu pastor. O trabalho pode ser acompanhado em vídeos no Facebook. Nós livros de II Sm e I Cr é a forma pela qual o louvor no santuário era ministrado. Foi na década de oitenta que vi a emergência de uma nova forma de ministração nas denominações templo/igreja.

O mais curioso é que na época um coro representava a elite evangélica. Os chamados ministros de louvor resgataram o cântico congregacional através de canções à uma só voz. Asaph Borba, Benedito Carlos Gomes, Alda Célia, Ludmila Ferber são alguns dos nomes que constavam nas primeiras comunidades. Eram grupos que emergiam com uma nova proposta, qual? A de uma vida de culto e adoração centrada não mais no templo, mas na comunidade.

Canções como canto de vitória, nosso louvor, fruto dos lábios e tantas outras reverberaram nas vozes de um grupo homogêneo. A diferença deste grupo era que além de cantar eles ministravam uma mensagem bíblica, que fundamentava os cânticos. Nesta época a maioria dos cânticos compostos traziam entre parênteses a base bíblica.

Com o crescimento da indústria gospel, estes cânticos foram perdendo em qualidade. Já não interessava mais às gravadoras canções como Pão da Vida, Graça e outras. Letras deram lugar ao balanço e aí a situação se agravou. Na minha denominação, raros são os jovens que entenderam a motivação e aplicaram corretamente o conceito à liturgia. Assim coral deficiente deu lugar a grupos ruins. Hoje a noção de louvor bíblico (do cântico como instrumento didático e pedagógico para transmissão da doutrina), basicamente se perdeu. O culto virou entretenimento.

Não se busca, nem escolhe uma música por conta da mensagem que ela tenha, da função litúrgica que ela possa exercer, mas por conta do gosto dos ministrantes, em regra um horror. Gente que deveria ouvir Asaph Borba, Ademar de Campos, Cláudio Claro, para aprender o que de fato é ministrar.

Tal quadro reflete o distanciamento da religiosidade cristã em relação à herança bíblica. O caminho de volta é bem longo, visto que mais do que treinamento, demanda conscientização, mas acreditar é a única alternativa. 

Marcelo Medeiros, boa tarde. 


sábado, 2 de junho de 2018

O inferno somos nós uma apreciação



Em Abril ministrei uma palestra no espaço monografarte em Campo Grande a respeito do inferno na perspectiva de C. S. Lewis, que foi a temática do meu TCC em Ciências da Religião. Neste período tive de fazer muita divulgação e nesta atividade percebi o quanto o brasileiro em geral (resguardadas as exceções), lida com aquilo que julga conhecer, e na verdade, não conhece. Pior, há uma preocupação com a manutenção da doutrina do inferno à todo e qualquer custo, mesmo que não se faça a mínima ideia do que os textos bíblicos queiram dizer. 

Por inúmeras vezes tive de repetir que a maioria dos textos não é e nem pode ser literal, que o Pentateuco não traz ideia a respeito da vida do homem após a morte, que se a questão fosse fechada não haveriam grupos que desacreditassem da vida após morte no tempo de Jesus, e que nossa percepção sobre o assunto baseia-se mais em Platão do que nas Escrituras. E o mais importante, que creio na dimensão existencial do inferno, EMBORA NÃO POSSA MAIS CRER NESTE COMO UMA REALIDADE GEOGRÁFICA

Na medida em que faz as suas escolhas pessoais, o homem torna-se seu próprio inferno pessoal. A leitura conjugada de Crônicas de Nárnia, Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, e O Grande Abismo sugere algo mais interessante do que a fábula mítica corrente. O que se faz inferno, não é um ser humano pleno, mas o que sobra de um ser humano sucessivamente desconstruído por suas más escolhas.  

Recentemente passei por uma experiência ainda mais intrigante. Postei a fala da Monja Coen em um grupo "cristão". Em primeiro lugar, sou cristão. Segundo, o fato de o ser não me impede de apreciar o pensamento de outras religiões (algo que todo leitor de Platão e Sócrates faz por tabela, uma vez que o primeiro tem claras influências do orfismo [uma seita de mistério da religião grega, que apontava o caminho para a quebra do ciclo de encarnações], e o segundo inicia sua missão como filósofo após a consulta de Querofonte ao oráculo de Delphos]). Terceiro, entendo que caminho na verdade, que é Cristo, mas que nem o Pai, e nem o filho me deram o monopólio da verdade. 

A última das razões é a Teologia da Imago Dei, que insistem em varrer para baixo do tapete. Todo ser humano, por mais caído que seja, representa o domínio de Deus sobre a natureza, o Reino Dele, ninguém escapa. Mas a Teologia Reformada afirma que por ser a imagem de Deus em algum momento ele pode afirmar a VERDADE DE DEUS, como o faz com a ética, e as leis justas. 

A postagem da fala de uma budista foi o suficiente para mostrar que não estamos preparados para a cultura de paz. E tudo por conta do medo. Medo de que alguém faça confusão entre Cristianismo e Budismo, ou que ache que ele, o budismo é uma coisa boa, ou uma opção viável ao cristianismo. Sei que ambas as visões são destoantes, não concordo com tudo que os budistas dizem e falam, mas isto não me dá o direito de silenciar a verdade quando ela é dita por alguém, só porque esta pessoa não joga no meu time de coração. Por outro lado reconheço que um Cristianismo com base em discernimento é um caminho demasiadamente estreito. 

O livro? Reconheço que de ótima qualidade, me espanta a percepção que ambos possuem daquilo que entendo como sendo a verdade. Me assombra o conhecimento de Karnal a respeito da tradição cristã católica ocidental, prometo ler outros livros dele, tal como fiz com os de Luís Felipe Pondé, e faço com os de C. S. Lewis. 

A construção de uma cultura de paz, passa pela construção de uma cultura de não medo (a despeito de o medo funcionar em algumas ocasiões como um sinal de alerta de um perigo eminente), de uma cultura de maior ênfase no diálogo, do que na agressão. E para o diálogo, necessário se faz ouvir o outro, coisa que honestamente, nós cristãos (não sem razão, é claro), estamos nos tornando indispostos, em razão da militância errada que se tem praticado. 

Acho impressionante a noção de pecado original presente em ambos, na verdade no Budismo isto é ate´mais radical, visto que o problema não é algo externo a cada um de nós, mas nós mesmos (o que se aplica à questão da violência em todo o livro, visto que nos mesmo se afirma que toda reação violenta contra a violência é uma faceta do mal que trazemos em nós). Confesso não fecho de todo nesta questão, mas vejo aqui um ponto de intercessão, que viabiliza o diálogo entre cristãos e budistas. 

De minha parte resta orar para que o Espírito prometido nos encha de discernimento e nos capacite a distinguir entre o que é bom e o que mal, indistintamente dos r´tulos e embalagens com os quais ambos se apresentem a nós. Somente assim se supera a cultura de violência e se estabelece uma cultura de paz. Esta não demanda que se pense igual, que haja homogeneidade, mas que haja hermonia. Em música Harmonia é a execução simultânea de três notas. A diferença de ambas é mantida, mas a execução simultânea dá um novo colorido à melodia e ao ritmo. A paz funciona assim. 

Sobre a questão do inferno, cabe aqui mais um esclarecimento. Platão entendia o inferno como parte de uma dimensão supra lunar e para elaborar suas ideias usou categorias órficas. Santo Agostinho fez uma síntese de neo platonismo e tradição cristã e apontou o inferno como sendo o fim do projeto humano, mas aqui o inferno passa a ser simbolo de uma vida distanciada e privada de Deus. Lewis confere dimensão existencial, psíquica e social ao inferno, embora não descarte a tradição popular sobre o assunto. 

Sarte em sua peça entre quatro paredes afirma que o inferno são os outros. Karnal e Coen apontam que são os outros, mas também somos nós mesmos com nossos medos. Gays com medo de que políticos evangélicos instaurem uma nova idade média, evangélicos com seus medos de que gays instaurem uma ditadura que não permita a eles o exercício da pregação do evangelho, capitalistas com medo de socialistas, estes com medo daqueles e a dinâmica do medo não cessa. 

Me preocupo seriamente com meu futuro, e necessariamente com a minha eternidade, mas sei que esta decorre daquilo que estou construindo agora. Tal como no xadrez, para usar uma imagem de Lewis, o resultado final se desenha já nas primeiras jogadas. Não creio que os que vivem em guerra aqui gozem a paz no além. O desafio do cristão é muito mais pesado, demonstrar com a vida presente a realidade do Reino futuro. 

Aos que desejarem ler o livro fica aqui a minha indicação e o desejo de uma excelente leitura. Que Deus os abençoe. 

Marcelo Medeiros. 
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