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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Pare pra pensar, pense um pouco mais


Enquanto escrevia este artigo, me ocorreu a letra desta música, e então resolvi propor mais uma vez a política como reflexão para nós. Chegamos a um pouco em que se faz necessário arrefecer os ânimos e começar a pensar um pouco mais, para os que querem pensar, óbvio. E em face dos elementos que aparecem a reflexão e o auto exame se fazem imprescindíveis. 

Eu me lembro claramente do quiproquó que deu no Facebook quando compartilhei um texto de Clive Staples Lewis a respeito das altas pretensões de quaisquer formas de governo. Naquele momento tive a interpelação de algumas pessoas. Ficou evidente para mim que desconheciam tanto o regime teocrático, quanto o que a Bíblia dizia do mesmo, e o autor que na ocasião fiz questão de citar. Hoje pretendo me valer da mesma citação, mas com um propósito diferente. 

Quanto mais altas as pretensões do poder, mais intrometido, desumano e opressivo ele será. Teocracia é o pior de todos os governos possíveis. Todo poder político é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, mas é menos mal quando suas sanções são mais modestas e comuns, quando afirma que não é mais útil e conveniente e coloca para si mesmo objetivos estritamente limitados. Qualquer coisa transcendental ou espiritual, ou mesmo qualquer coisa muito fortemente ética em suas pretensões é perigosa e encoraja-o a se intrometer em nossa vida privada (....). Assim a doutrina renascentista do direito divino é para mim uma corrupção da monarquia (....) os misticismos raciais, da nacionalidade. E a teocracia, eu admito, e até insisto é a pior de todas. (C. S. Lewis, Lírios que apodrecem, in: A Última Noite na Terra, pág. 53). 

Neste texto Lewis pretende discutir a respeito de algumas pretensões que a democracia trouxe consigo, esta é a base da fala aqui. Mas a crítica corta para o lado passando pela monarquia, pelo fascismo, pelo nazismo, pelo nacionalismo exagerado, chegando na teocracia. Concordo com o autor em número, gênero e grau.  Mas qual é a razão pela qual lanço mãos desta citação neste artigo?

Muito simples, tem a ver com o que a maioria dos meus interlocutores na rede suspeitaram. O atual governo. Em dois mil e dezoito um estranhíssimo movimento político tomou contas das redes sociais, culminando na eleição de Jair Messias Bolsonaro. O movimento reunia questões sociológicas como o antipetismo, econômicas como a crise que começara a afetar o Brasil, elementos emocionais. 

O leitor de Pascal sabe que o coração tem as suas razões que a própria razão desconhece. Embora esta frase não pretenda dizer o que em regra o senso comum pensa da mesma, o fato é que Pascal antecipa a percepção de Freud, para quem o inconsciente é a camada predominante no homem. Aqui o projeto moderno, se que houve algum, de um homem puramente racional se desmorona. 

A lição que fica é a de que nossas emoções nos comandam. O que não ficou claro até agora, é que diante da constatada predominância das emoções, alguns projetos políticos surjam no intento responder a tais questões emocionais. É o que ocorre no momento em que fascismo e nazismo surgem no cenário histórico. 

Em períodos de incerteza política, econômica, tais como a da década de vinte do século passado, tais delírios políticos aparecem. E o que eles tem em comum? A pretensão de identificar as causas e eliminar os problemas. Mas o que ocorre é que "supostos inimigos" são criados. No caso do nazismo, foram os judeus. Mas a questão não para por aqui. 

Retornando às características do movimento que tomou conta do Brasil e que reconduziu a extrema direita ao poder, cabe acrescentar aqui a antipatia dos evangélicos pela esquerda, a infiltração do identitarismo neste espectro político, narrativas em teoria da conspiração, uma escatologia milenarista influenciada pelas teorias da conspiração.

O lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", conferia o caráter místico racial ao movimento, sem contar as pitadas de nacionalismo. Nunca se precisou tanto de Teólogos e Psicólogos e nunca os mesmos faltaram tanto. Na verdade poderia citar aqui vários deles que foram as redes sociais afirmar que se o atual presidente não tivesse sido eleito, o anticristo (que neste caso é a China) teria dominado o mundo. 

Poderia falar dos que vieram defender a liberação das armas, defender as fakenews como se liberdade de expressão fossem, do silêncio diante mais de quinhentas mil vítimas da covid, da defesa de pautas liberais. A resposta inicial veio do Yago Martins, com seu livro A Religião do Bolsonarismo. Mas pelo que pode ver no PodCast de lançamento, a crítica é rasa, o autor abraça o liberalismo como se fosse a solução da humanidade. Algo que falarei em ocasião mais oportuna. 

Teólogos e cristãos em geral deveriam saber que "acabar com a corrupção", sendo a humanidade propensa à mesma é uma pretensão elevada. Outra é a pretensão de ver em alguém que é casado mais de três vezes um defensor da família tradicional. E quanto a imposição de uma moral (chamada de cristãs) a toda a sociedade? São pretensões que tornam o movimento mais do que religioso, na verdade o fazem "demoníaco". 

Passada a euforia da bebedeira, vem a dor de cabeça da ressaca. O governo que prometia correção moral de toda uma sociedade e proteção da família, e outros discursos a que estamos tão suscetíveis se manifesta profundamente corrupto, parte do sistema que condenou nos discursos, fora as promessas de campanha que não foram cumpridas. 

Um esquema de corrupção na compra de vacinas, seguido da suspeita de prevaricação, desnuda um governo que adotou a imunidade de rebanho como estratégia de combate ao COVID-19 e arrastou muitos "cristãos", postergou a aquisição de vacinas, falhou na testagem em massa, criou falsas narrativas para se eximir de suas responsabilidades, fomentou uma guerra cultural, cujo fim se faz cada vez mais distante. 

Mas não é somente o governo que é desnudado. O eleitor, que suspostamente não atentou para a trajetória de quem se lançou como solução sem o ser está desnudado. O que serviu ao gabinete do ódio espalhando notícias e informações falsas, também.  Cristãos que nunca entenderam que um discípulo de Cristo é um seguidor da paz e promotor desta são desnudados. 

Os que perderam de vista que todo poder político é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, mas é menos mal quando suas sanções são mais modestas e comuns, quando afirma que não é mais útil e conveniente e coloca para si mesmo objetivos estritamente limitados, também estão nus. A nudez no sentido de transparência é total.

O problema é que diante da nudez falta a vergonha que sobrou em Adão, e em Pedro. O primeiro se esconde de Deus ao perceber a si mesmo. O segundo se esconde de Jesus. Ambos percebem sua indignidade. Isto falta aos cristãos que confiaram uma tarefa tão elevada e sublime a uma legenda política. 

Uma pretensão tão elevada criou pessoas que se intrometiam nas postagens de quem criticava o governo, como se Isaías, Ezequiel, Natã e Amós jamais tivessem criticado aos reis de sua época. Houve um policiamento em relação aos posicionamentos políticos das pessoas, resultando em censuras, como as ocorridas com o autor de livros e revistas de Escolas Bíblicas Dominicais Claiton Ivan Poemmering, que recebeu críticas injustas por conta de seus posicionamentos políticos. 

Pastores que outrora me serviram de referência como evangelistas e até como apologistas, que em algum momento de fato pregaram o Evangelho, aparecem defendendo a cloroquina, mas não dão uma única palavra de conforto às mais de quinhentas mil famílias enlutadas. Mais do que isto abraçam as pautas neoliberais sem a mínima consideração para com o rebanho que os mantém. Estes agora estão desnudados e a vergonha da mesquinhez dos mesmos é exposta e revelada a todos. 

Em outro artigo voltarei a falar a respeito dos lírios que apodrecem, de como a democracia (o menos pior dos governos falhou), mas o presente artigo fica aqui como reflexão inicial. Retornando a uma linguagem pascaliana, eu diria que fichas elevadas foram apostadas neste governo, e o prejuízo é visível a Todos. 

A começar pelo número de mortos por conta da ingerência política da sindemia do COVID - 19. Não adianta em nada culpar o STF, a CPI está revelando as procrastinações por parte do governo em responder às ofertas de vacinas. Foi algo do tipo trocar seis por meia dúzia. Mas em todo este processo a fatura de uma Igreja que nem de longe se comporta como sal da terra e luz do mundo ainda não chegou. 

Está na hora de fazer um exame pessoal, de orar para que Deus sonde os nossos corações, que ele pesquise em nós os caminhos maus e nos guie pelo caminho eterno.

Marcelo Medeiros, Pastor evangélico, músico, pedagogo, escritor, especialista em Ciências da Religião e em Docência do Ensino de Teologia e Filosofia. 

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