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terça-feira, 29 de julho de 2014

Novo Templo de Salomão



Um líder de uma grande denominação religiosa, inaugurou recentemente um suntuoso santuário, que de acordo com a mídia é, ou pretende ser uma réplica do templo de Salomão. Junto do histórico de suspeitas que já acompanham o referido líder, vem a colocação, feita nesta reportagem de que antes de ser inaugurado o referido monumento já trará lucro ao sumo pontífice do seguimento religioso em questão. 

A esta altura o leitor já deve ter entendido que evito denominar tal liderança e tal empreendimento de evangélico. Faço isto porque não compreendo o seguimento como sendo de natureza cristã sequer. Na verdade o Bispo, a doutrina, as pregações e a filosofia de trabalho do mesmo e tudo mais são uma negação do que Cristo fez e ensinou, daí que considere profana qualquer associação deste tipo. E mais esta seita, ou partido religioso, além de ser um conglomerado político, empresarial, religioso, é um hibrido religioso, visto que incorpora elementos de culto afro (ao qual veementemente combate), e catolicismo. 

Uma prova da confusão é a inauguração do dia 31 próximo que contará com a presença de autoridades políticas, dentre as quais a ilustríssima, ou excelentíssima presidente (a) Dilma Houssef, junto com o governador e prefeito de São Paulo. Isto, ao meu ver, demonstra que a iniciativa do líder em questão é mais do que um empreendimento religioso. 

A reconstrução de um réplica de um templo de Salomão (sem entrar no mérito do quão fiel este possa ser ao modelo do templo feito pelo grande rei de Israel) é, do ponto de vista teológico um retrocesso, uma vez que o próprio regente do povo santo reconheceu que Deus não habita em templos feitos por mãos de homens, e que ele não era ninguém para edificar uma casa para Deus morar, visto que a terra é o estrado de seus pés, e nem o universo pode conter a sua glória. Ainda falando de Teologia, não se pode esquecer que a glória do Senhor deixou o templo, mas Deus prometeu, por meio dos profetas, que a terra seria cheia de sua glória (e que esta nunca mais estaria presa a um espaço geográfico). 

Diante de tais fatos o único valor que tal obra poderia ter é o cultural, mas é neste ponto que entra a questão do acesso, que será possível exclusivamente mediante o pagamento de R$ 45 a uma empresa que transportará as pessoas até o local. Fato que gerou suspeitas de lucro, visto que o nome da empresa não foi revelado. Tudo que foi dito é que o deslocamento até o templo tem peso turístico. Aqui se misturam culto, turismo, empreendimento cultural, enfim uma salada de coisas, uma Babel. A mim resta pedir por mais discernimento e mais clareza, além é claro, da graça de Deus para seguir neste mundo cada vez mais confuso, e que o povo de Deus acorde de sua letargia. +

Um abraço, Marcelo Medeiros

domingo, 27 de julho de 2014

O Cuidado ao Falar e a Religião Pura



Se há algo interessante em Tiago como escritor, é justamente a concisão dos escritos de sabedoria. Daí a inviabilidade em encontrar neste um tratado a respeito de soteriologia, hamartialogia, e demais ramos da Teologia, mas isto está muito longe de uma omissão quanto a estes assuntos. Não vou abordar à miúde o conceito de pecado em Tiago, isto é matéria para um próximo post, mas antecipo que para este a língua figura como uma das maiores fontes de pecado e como critério da religião verdadeira. 

Outro ponto a ser brevemente discutido aqui neste espaço é a questão da verdadeira religiosidade. Atualmente o termo religião tem sido marginalizado ao extremo e tem se adotado a religiosidade em seu lugar. No meio evangélico tem sido comum associar aquele com formalismo religioso, sendo que Tiago coloca o mesmo de forma positiva. Tais fatores fazem com que ministros e demais estudiosos da Bíblia se debrucem sobre o assunto, é o que com ajuda de Deus farei no presente estudo, a começar pelo conceito de religião, e progredindo até o cuidado no falar. 

O CONCEITO DE RELIGIÃO

Não é de hoje que o meio cristão, e particularmente o evangélico neo pentecostal, marginaliza o termo religião, mas o léxico deixa claro que tal não procede visto que no dicionário Religião é: 

Culto rendido à divindade. Fé; convicções religiosas, crença: a religião transforma o indivíduo. Doutrina religiosa: religião cristã. Tendência para crer em um ente supremo. Acatamento às coisas santas. Fig. Coisa a que se vota respeito

Observe que aqui a religião se define ora pela prática de culto, pelo serviço religioso em si, pela crença em uma doutrina, mas jamais pelo formalismo em si. O Michaelis amplia o conceito para temor a Deus, tudo o que é considerado obrigação moral, ou dever sagrado indeclinável, podendo também ser o sentimento consciente de dependência ou submissão que liga a criatura humana ao Criador. Portanto em si a religião não é negativa. 

Face aos conceitos expostos posso afirmar que aquele que pretende combater à religião, seja ele "cristão", ateu, evangélico, em si termina por ser um religioso no sentido prático da questão. Alguns julgam a respeito de si, considerando que não sejam religiosos, na verdade a religiosidade dele se deslocou para sua doutrina, para suas convicções religiosas, teológicas, doutrinárias, suas metodologias de crescimento e mesmo seu trabalho secular, e sua política religiosa são sua religião. 

Minha intenção ao citar o dicionário é demonstrar que a religião não é algo negativo em si e resgatar o conceito de Tillich desenvolve a respeito do termo, sendo o estado no qual o indivíduo se preocupa de maneira absoluta, podendo se manifestar no indivíduo e nas instituições sociais e nacionais. Logo, a religião no sentido básico e mais abrangente da palavra é a preocupação suprema (ultimate concern), manifesta em todas as funções criativas do espírito, bem como na esfera moral na qualidade de seriedade incondicional que esta esfera exige

Em outras palavras o indivíduo que se devota à causa contra o formalismo acaba ele mesmo desenvolvendo um tipo de religião, e precisa atentar para que esta prática religiosa não se torne diabólica, vã e destituída de autenticidade bíblica e existencial, o mesmo pode ser dito do militante político, do homem dedicando ao seu trabalho, do professor, e dos novos ateus, que entendem que ao promover o ateísmo estão de alguma forma curando a humanidade de alguma forma de doença. 

Isto posto passarei a tecer algumas considerações a respeito da religião no sentido bíblico. 

RELIGIÃO NO SENTIDO BÍBLICO DO TERMO

A primeira colocação que julgo necessária de se fazer é que existe diferença entre religião e formalismo religioso. Logo é incompreensível do ponto de vista exegético, hermenêutico e lexical o emprego pejorativo, ou melhor, o processo de pejoração do vocábulo religião. Não é demais repetir e reforçar a ideia de que no dicionário a religião é a expressão de fé, de convicção, os  ritos, e o sentimento de dependência absoluta do homem em relação à divindade. 

Estes mesmo conceitos aparecem de forma implícita nas duas menções positivas que a Bíblia faz á religião, dentre elas destaco um discurso que Paulo fez em defesa própria veja:
Todos os judeus sabem como tenho vivido desde pequeno, tanto em minha terra natal como em Jerusalém. Eles me conhecem há muito tempo e podem testemunhar, se quiserem, que, como fariseu, vivi de acordo com a seita mais severa da nossa religião.

Agora, estou sendo julgado por causa da minha esperança no que Deus prometeu aos nossos antepassados. Esta é a promessa que as nossas doze tribos esperam que se cumpra, cultuando a Deus com fervor, dia e noite. É por causa desta esperança, ó rei, que estou sendo acusado pelos judeus (At 26. 4 - 7 NVI). 
Necessário se faz destacar que o farisaísmo que Paulo chama aqui de αιρεσιν (hairesin), de onde vem o termo heresia, aqui definido como partidarismo. É muito comum a associação entre fariseus e religião, quando na verdade o judaísmo sim é retratado no texto como religião enquanto os formalistas como partidários dentro de um espectro religioso mais amplo. 

De acordo com o texto em apreço a religião judaica constitui-se como rito e culto que são alimentados pela firme esperança, que por sua vez tem sua matriz na promessa que Deus fez à Abraão. Em outras palavras o rito, se alimenta da fé, e pretende ser uma expressão da esperança. Sem esta a religião perde o seu fervor, deixando de ser o sentimento de dependência do absoluto. Fato é que a única menção negativa que a Bíblia faz à religião θρησκεια (threskeia) é a crítica do culto aos anjos (Cl 2. 18). 

Os fariseus não eram meros religiosos, na verdade nunca foram chamados disto por Cristo. Eles são frequentemente chamados de hipócritas, é verdade. Um fator geralmente ignorando é que estes eram, ao mesmo tempo que uma seita rigorosa, um partido político, No texto em que Cristo os condena veementemente ele se refere a eles como υποκριται (hipokritai). 
Hipócritas! Bem profetizou Isaías acerca de vocês, dizendo: Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens (Mt 15 . 7- 9 NVI). 
Neste texto o vocábulo υποκριται é empregado para definir a contradição entre o louvor de lábios e o coração distante de Deus. Uma marca dos fariseus era burlar os mandamentos de Deus com vistas à satisfação pessoal, assim eles se congratulavam entre si por serem supostamente obedientes a Deus quando na verdade eram os maiores violadores da lei e da aliança. Exemplo? Dizimavam o cominho e a hortelã, mas negligenciavam a justiça e a misericórdia (Mt 23. 23), negando a lei e os profetas com isto. 

É neste ponto que Jesus e Tiago se encontram, uma vez que para ambos a religião que despreza o sofrimento do outro não é legítima em si. Mas qual é o fundamento da religião pura. A fim de ser fiel ao contexto da carta de Tiago, afirmo que o Novo Nascimento e a prática da Palavra são o fundamento da Religião Pura (θρησκεια καθαρα και αμιαντος [threskeia kathara kai amiantos]). 

A RELIGIÃO PURA E IMACULADA

Como uma prática religiosa pode proceder de corações contaminados pelo pecado? Este é o grande problema do homem, conforme colocado por Cristo no Evangelho, o coração, visto que dele procedem: os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias (Mt 15. 19). A verdade da Bíblia é que o coração humano é mau desde a infância (Gn 6. 5). Como este problema é resolvido? 

Tiago reconhece que a concupiscência humana seduz o homem da mesma forma que o caçador, ou o pescador seduzem a caça, ou a pesca (aqui), mas ele igualmente reconhece que Deus regenera os crentes por meio da Palavra, a fim de que os mesmos sejam novas criaturas (aqui), uma vez gerados pela palavra da verdade estes tem o seu coração purificado para ouvir, receber e praticar a Palavra da verdade. 

A religião pura começa com o ouvir, aqui mais do que ouvir, na verdade atender, obedecer. Este apelo é muito comum nos Evangelhos (Mt 11. 15; 13. 9, 43; Mc 4. 9; Lc 8. 8; 14. 35) e nas cartas às sete igrejas  da Ásia (Ap 2. 7, 11, 17, 29; 3. 6, 13, 22). Tiago fala da prontidão para ouvir e do retardo para a ira. considerando que o contexto fala do ouvir a Palavra, bem como da prática da mesma, creio que o apelo aqui seja referente à ira que algum crente viesse a sentir ao ser confrontado pela Palavra. 

A cata de Tiago não é de fácil digestão, ela fala de preconceito social (Tg 2. 1 - 12), de prática amorosa (Tg 2. 14 - 26), do uso da língua (Tg 1. 26, 27; 3. 1 - 12), do amor ao mundo e dos desejos, bem como do apelo ao ter em detrimento do ser (Tg 4. 1 - 9), do julgamento (Tg 4. 11, 12), da falibilidade dos projetos humanos (Tg 4. 13 - 16). Creio que é esta palavra, que em sucessivos aspectos ressoa o ensino de Cristo e dos profetas. Não são palavras que agradam ao público em geral, muito menos ao meio evangélico atual, mas creio ser elas o alvo do apelo ao ouvir feito por Tiago. O segundo apelo é à aceitação do conteúdo ouvido. 

Portanto, livrem-se de toda impureza moral e da maldade que prevalece, e aceitem humildemente a palavra implantada em vocês, a qual é poderosa para salvá-los (Tg 1. 21 NVI). Palavra aqui é o conteúdo da presente carta, que não pode ser assimilado sem que se lance fora a impureza moral, ρυπαριαν
(ryparian), e o acúmulo de malícia, περισσειαν κακιας (perissean kakaias). Isto, porque tanto a uma como a outra constituem empecilhos ao progresso da Palavra que foi implantada. 

O termo empregado pelo autor (εμφυτον [emphiton]) denota que a palavra é enxertada, ao invés de fruto de estudo, o que indica a conexão entre a obra de regeneração falada nos versos anteriores da carta (Tg 1. 18). Para todos os efeitos esta mesma palavra é poderosa para salvar as almas dos que a ouvem. Seguindo a esta fala vem o apelo à prática do conteúdo da carta. 

Como escritor Tiago é o que mais faz uso de palavras exclusivas no Novo Testamento. Quando observamos o texto em que este autor fala da prática da palavra, no lugar do célebre vocábulo ergon (εργον), o mesmo emprega termos como ποιητης (poieetees) e ποιηται (poietai), para exprimir a prática da Palavra de Deus. Todavia esta prática se dá mediante observação. 

Mas o homem que observa atentamente a lei perfeita que traz a liberdade, e persevera na prática dessa lei, não esquecendo o que ouviu mas praticando-o, será feliz naquilo que fizer (Tg 1. 25 NVI). O termo para atentar aqui é παρακυψας (parakupsas) empregado para o ato de espiar, ou para designar alguém que se inclina para o lado a fim de contemplar um objeto. Sirácida fala de tal atitude para com a sabedoria
Feliz o homem que se ocupa da sabedoria e que raciocina com inteligência, que reflete em seu coração, nos caminhos da sabedoria, e medita em seus segredos. Sai atrás dela como um caçador, põe-se á espreita em seus caminhos, inclina-se para olhar por suas janelas, escuta às suas portas. Detém-se junto à sua casa, fixa o prego nas paredes (Eclo 14. 20 - 24 Bíblia de Jerusalém). 
A expressão inclina-se para olhar por suas janelas, é tradução que a versão LXX emprega para παρακυψας (parakupsas), indicando de fato o trabalho de um espia, sendo que neste caso alguém que persegue a sabedoria. Prática da Palavra não se dissocia do estudo sistemático. De forma alguma! Quanto a língua retornarei a este assunto, do qual já falei (aqui). Jesus disse que a boca fala da abundância do que há no coração (Mt 12. 34, 35), daí que um coração que foi gerado pela palavra da verdade é comedido no falar, ou fala de coisas excelentes. 

Quanto a assistir aos órfãos e às viúvas em suas necessidades, este é um mandamento que se alinha tanto com a sabedoria quanto com a lei e os profetas (Dt 14. 29; Jó 31. 16, 17, 21; Is 1. 17, 23) e é comum ao crente que realmente pratica a palavra. É a base da justiça dos profetas (aqui). 

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

2014, uma triste constatação


Pior do que a frustração de uma Copa horrorosa, e do que a acachapante derrota do Brasil, por um placar absurdo, foram as baixas que tivemos na área artística e intelectual, e foram tão bem lembradas por Marina Silva de neste artigo extremo bom gosto. Há dias tento ensaiar uma palavra que expresse o que sinto com a morte de homens que foram, são e continuarão sendo fonte de inspiração para milhares de escritores, inclusive eu, que sou um  mero aspirante a, mas não encontro, ou não encontrava, até que ao ler a produção supra encontrei inspiração. 

As pessoas me perguntam como consigo ler tanto, e eu que não me vejo como um leitor de dois livros por dia, respondo que a leitura começa com o gosto, algo parecido com o apetite que nos leva a saborear comidas agradáveis. Mas a morte de Ariano Suassuna, Rubem Alves, e João Ubaldo Ribeiro, entre tantos outros que se foram este ano, me fez entender uma coisa a respeito de ícones como os referidos supra. São pessoas que dão a mim e a milhares de leitores voz. É simples ler uma obra deles percebo ali o que desejaria dizer, mas não tinha as palavras para tal. 

Antes da invenção do livro, a morte de tais homens era como a queima de uma biblioteca, mas aí veio o livro e os sábios passaram a ter voz, e desde então a morte passou a ser o silêncio, o emudecimento da voz e o livro o eco de tudo o que fora dito. Confesso que a morte destes autores me traz significativa dor, uma vez que constato a minha própria mortalidade. O eco da voz deles e de tanta gente que partiu é o meu consolo, percebo que a morte não pode nos silenciar de todo, o eco fica. 

Qohelet, um sábio pregador da congregação judaica disse certa vez que as palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos, bem fixados pelos mestres das assembleias, que nos foram dadas pelo único Pastor (Ec 12. 11 ACF), e que não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne (Ec 12. 12 ACF), concordo, mas entendo que é um enfado necessário para lidar com a dor da existência. E mesmo que o estudo traga enfado, o mesmo há de ser visto como uma enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar (Ec 1. 3 ACF). 

Daí que eles se foram, mas coaduno com Marina Silva quando esta diz que o Brasil de outras vozes, de outros pensadores que prossigam pregando as firmes estacas do sumo pastor. Até quando? Até que eu e você deixemos de ver em parte e de vaticinar em parte e possamos juntos ver face à face. 

Marcelo Medeiros

sábado, 26 de julho de 2014

Sermão do Monte: As bem-aventuranças



A proposta deste estudo consiste em dar seguimento ao estudo a respeito do sermão do monte, algo já iniciado por nós neste espaço (aqui). No último estudo a respeito da temática pude concluir que o sermão do monte, em geral, tem de ser articulado com a pregação de Jesus a respeito da proximidade do Reino de Deus e do arrependimento, enquanto condição intrínseca para a entrada do cristão neste mesmo Reino. Este é o pressuposto hermenêutico e exegético sobre o qual o fiel discípulo deve trabalhar em seu discipulado a fim de ser fiel dispenseiros dos mistérios de Deus. 

Antes de dissertar a respeito das bem-aventuranças, preciso explicitar que a ordem de Cristo é fazer discípulos de todas as nações e que este discipular consiste em ensinar todas as coisas que Jesus ordenou. Creio firmemente que o sermão do Monte é, ao mesmo tempo uma descrição do que o cristão tem de ser, e um retrato fiel do próprio Cristo, que por sua vez é o padrão por excelência daquilo que o cristão tem de ser. Nenhuma produção literária, incluindo os meus comentários a respeito de técnicas de discipulado é tão eficaz em realizar aquilo que Cristo pretendeu quando ordenou que seus discípulos fossem em todas as nações discipulando. 

O sermão do Monte é uma descrição do próprio Cristo, do cristão autêntico, e um resumo do ensino global de Cristo. Conforme pontuado por Brennan Manning no clássico O impostor que Vive em Mim, o sermão do Monte não começa com exigências éticas, mas com a promessa que o Reino é destinado aos pobres (que neste contexto é o homem cônscio de sua miséria espiritual e de sua dependência de Deus). O autor em apreço ainda pontua que a verdadeira essência da humildade está em ser desprezível aos olhos das pessoas (matéria que tratarei em posts posteriores). 

Com isto pretendo que o autor entenda duas questões extremamente simples, o significado de bem-aventurança no contexto do Evangelho, e como estas se aplicam a todos os crentes genuinamente convertidos, nascidos de novo, sem exceção. Pretendo começar o estudo desatando o nó em torno do conceito de bem aventurança. 

O termo bem-aventurança é usualmente entendido como o estado de beatitude eterna, que os santos gozam no céu. Em uma cultura moldada pelo catolicismo a tendência comum é encarar os crentes que já partiram como os únicos santos de fato, ignorando a santidade posicional e a graça que santifica a todo e qualquer cristão verdadeiramente nascido de novo. Esta péssima ideia pode vir por terra quando se observa, por exemplo, a carta de Paulo aos irmãos de Corinto, que a despeito dos problemas morais, eclesiásticos e doutrinários são chamados de santos (I Co 1. 2; 6. 11). 

Outra questão a ser devidamente considerada é o conceito de felicidade, que lexicalmente é definida como sendo a sorte, ou a satisfação íntima, o contentamento, via de regra condicionado à fortuna na vida, ou às conquistas pessoais. A felicidade proposta por Cristo aqui, não tem nada a ver com o acaso, com a eventualidade, com êxitos, ou sucessos temporais. Também não possui conexão com o conceito clássico grego ευδαιμονια (eudaimonia), cujo sentido básico é o de estar sobre a proteção do deus (não importando se este é bom, ou mau). 

Os escritores do Novo Testamento abandonaram o conceito de ευδαιμονια (eudaimonia) pelo fato de que a palavra δαιμον (daimon) ter sido associada, de forma pejorativa à ação dos demônios,mas mesmo assim, o legado ficou a Teologia Moral de Causa e efeito comprova isto. Ainda prevalece a ideia de que de alguma forma o viver ético garante ao homem algum tipo de moeda que lhe dê meios para barganhar a felicidade com algum deus. Não é esta a proposta do sermão em apreço e menos ainda da secção que pretendo analisar aqui. 

Todavia o entendimento é vital para a percepção de que uma única matriz teológica flui nos círculos das religiões atuais conceito instrumental de divindade. Ou seja, deus, é aquilo que me guarda, que me protege, e quando se lê as bem-aventuranças percebe-se que todas estas percepções ruem por terra. Na lógica do Reino, os pobres e os perseguidos são os afortunados de fato (Mt 5. 3, 10 - 12). Mas afinal, o que é ser bem-aventurado? É estar sob a égide do Reino, o que se dá em dois níveis. 

As Bem-aventuranças, bem como todo o ensino do Monte são uma radiografia de Jesus, visto que este é o primeiro a cumprir as exigências do discipulado. Em sua encarnação ele se identificou com o que há de mais vil de desprezível no mundo (é neste sentido que ele se fez pobre). Diante do túmulo de Lázaro ele pranteou a estreita visão do poder que as pessoas tinham (Jo 11. 35), assim como lamentou pela impenitência de cidades que viram seus milagres (Mt 11. 20 - 24), e a dureza de Jerusalém (Lc 13. 34, 35). 

A mansidão de Cristo se vê na ausência de qualquer resposta violenta diante das acusações dos fariseus de que expulsava demônios por Belzebú (Mt 12. 24 - 28), ou que era um comilão e beberrão (Mt 11. 19). Sua fome e sede de justiça se vê pelo simples fato de colocar questões do Reino de Deus acima mesmo de suas necessidades biológicas (Jo 4. 34). Também se vê a fome de justiça em Cristo naqueles textos em que ele é visto orando em um local reservado (Mc 1. 35; Lc 5. 16; 6. 12). 

A misericórdia de Cristo se vê na visão que o mesmo tem das multidões que andam como ovelhas que não tem pastor, bem como em uma de suas primeiras palavras na cruz, quando Jesus é retratado pedindo perdão pelos seus ofensores (Mt 9. 34, 35; Lc 23. 34). A respeito de sua pureza de coração, é possível afirmar aqui que a Bíblia declara que em sua boca não houve dolo algum (I Pe 2. 22), e como a boca fala da abundancia do que há no coração (Lc 6. 45), é mais do justo pensar que Cristo foi puro de coração. 

Cristo foi pacificador ao ponto de estabelecer a paz entre o homem e Deus (Ef 2. 14, 15, 17), mas a fala do sermão de preparação dos seus discípulos indica que esta paz não se dá a qualquer custo, e nem às expensas da verdade (Mt 10. 34). A morte de cruz sofrida pelo filho de Deus é o maior indicador de que ele também é exemplo de sofrimento pela causa da justiça. Aqui cabe reforçar a ideia de que não se consegue tal ideal pelo puro e simples desempenho, mas pelo Espírito de Deus, conforme pontuado por Martin Lloydd- Jones. 

Uma segunda dimensão das bem-aventuranças é a descrição que se vê nas mesmas a respeito do verdadeiro discípulo, do súdito do Reino. Ele é alguém que tem profunda comunhão com Cristo. É pobre, mas é rico, por ter em Deus o seu maior tesouro, sua fome e sede de justiça é devidamente saciada pelo pão vivo que desceu do céu. Este crente é feliz em virtude da comunhão profunda que desfruta com o Pai, com Cristo, que o permite antecipar o gozo do Reino, mesmo em meio às mais ferrenhas tribulações. 

Esta é a essência inicial das bem-aventuranças, por ora me despeço rogando a Deus que este estudo tenha sido fonte de iluminação para o leitor. Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

Série: O crente e a Política




Oseias vaticinou certe de oito séculos antes de Cristo, que uma das razões do povo estar perecendo era o fato de lhe faltar conhecimento (Os 4. 6). Esta palavra parece ter um contexto puramente espiritual, mas na medida em que se aprofunda no contexto do referido texto percebe-se que problemas como o pecado estavam profundamente arraigados na vida do povo ao ponto de se manifestarem na política, no ecossistema, nas relações pessoais, e na vida religiosa. 

Meu propósito aqui consiste em resgatar algumas leituras filosóficas e sob o critério das Escrituras Sagradas formular uma proposta que norteie o pensamento político do maior número possível de Cristãos, estarei lançando estas mesmas até o período eleitoral na esperança de que crentes tenham de fato um pensamento político que vá além do dualismo político maniqueísta que se faz presente na mídia evangélica e secular. 


Forte Abraço em Cristo, Marcelo Medeiros. 

O tempo que foge, errata



Soube agora que o texto publicado em homenagem a Rúbem Alves (aqui e aqui), na verdade é de autoria de Gondim (aqui), o que, por um lado me espantou, mas me fez lembrar um outro texto deste último autor, estou cansado, do qual falarei em breve. 

Abraços, Marcelo Medeiros. 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Gerados pela Palavra da Verdade



Tiago inicia sua carta saudando os destinatários, irmãos da diáspora, segue falando do valor da provação na constituição do caráter cristão, da sabedoria que procede do alto (aqui), e agora convida o crente de origem humilde a gloriar-se em sua condição espiritual, e ao irmão rico a exultar no reconhecimento de sua condição humana. 

Em seguida Tiago fala do valor de ser aprovado na tentação, e de evitar as tentações que seduzem o crente ao mal, tentações estas cuja origem reside na concupiscência, e que tem como fator positivo o fato de tornar o crente mais compreensivo com a fraqueza alheia e mais amoroso (aqui) e então expõe o fato de que Deus ao invés de tentar o crente induzindo o mesmo ao mal, gera os mesmos de novo pela Palavra da Verdade. 

Somente os que são gerados pela palavra da verdade podem resistir às provações, bem como o apelo da concupiscência e colocar a mesma em prática vivenciando a verdadeira religião. 

A REALIDADE DO RICO E DO POBRE NO EVANGELHO
Mas glorie-se o irmão abatido na sua exaltação,

E o rico em seu abatimento; porque ele passará como a flor da erva.
Porque sai o sol com ardor, e a erva seca, e a sua flor cai, e a formosa aparência do seu aspecto perece; assim se murchará também o rico em seus caminhos (Tg 1. 9 - 11 NVI). 
Tiago recomenda que o homem humilde (ταπεινος [tapeinos]), se glorie na sua condição. O termo em apreço e empregado na LXX, para designar pessoas pobres e sem posses. Uma outra palavra, que descreve bem o indigente é o termo πτωχος (ptoochos) era usado para expressar toda forma de carência. Em termos concretos, que não possui poder, influência, bens, posses, não tem do que se orgulhar, exceto em Deus, caso o conheça. 


O verbo é oriundo da palavra καυχαομαι (kaukaomai), cujo sentido é o de demonstrar uma alegria orgulhosa e exultante. Ao estudar a evolução do pensamento de Paulo, é possível observar que no pensamento deste crente algum poderia gloriar-se a respeito de um possível desempenho no cumprimento da lei (Rm 3. 27), mas o crente se gloria na esperança da glória de Deus (Rm 5. 2), nas tribulações (Rm 5. 3), em Deus e em Cristo (I Co 1. 30, 31), nas fraquezas (II Co 12. 9, 10), e na cruz de Cristo (Gl 6. 14). 

No texto em apreço o convite é feito a fim de que, a despeito das posses que o crente possua, ele se glorie em sua exultação. O termo para exultação aqui é υψει (hupsei), e refere-se ao atual estado de exaltação que o crente desfruta em razão de sua relação com Cristo. Em um estudo posterior falarei do processo de identificação de Cristo com a humanidade, bem como da plenitude do mesmo, em razão do esvaziamento de Cristo, ao ponto de o mesmo se identificar não com o que era nobre, mas com o que de mais vil houve neste mudo. 

Nem riqueza, nem pobreza constituem razão para que o crente se glorie diante de Deus, isto é fato, mas Tiago recomenda ao que tendo tudo para se exaltar, que se abata, e ao que tem tudo para andar abatido, que se exalte em decorrência de seu relacionamento com Cristo. Assim, ao pobre cabe lembrar que o fato de estar unido à Cristo, lhe é motivo de glória, ao passo que ao rico, cabe a lembrança de sua condição humana.

A expressão ταπεινωσει (tepeinoosei), que a Almeida corrigida fiel traduz por abatimento, e a Nova Versão Internacional como condição humilde, é empregada na LXX, para traduzir o hebraico שִׁפְלֵ (shepel), que por sua vez é traduzido por baixeza na ACF, e por humilhação na NVI. No contexto da carta de Tiago, o irmão do Senhor recorre à fragilidade da natureza humana a fim de lembrar os ricos que estes precisam estar cada vez mais humilhados na presença do Senhor.

Não se trata da visão simplória de quem se diz pouco instruído, de baixa condição social, morador de comunidade, mas que se gloria de ser usado por Deus. Uma jumenta foi usada por Deus, reis ímpios foram instrumentos de juízo e disciplina para Israel, e um rei ímpio (Ciro) foi o instrumento de libertação do povo. Ser instrumento de Deus não é título de glória para ninguém. O mesmo se pode dizer de ser rico, neste caso, necessário se faz a lembrança de que
Uma voz diz: Clama; e alguém disse: Que hei de clamar? Toda a carne é erva e toda a sua beleza como a flor do campo. Seca-se a erva, e cai a flor, soprando nela o Espírito do Senhor. Na verdade o povo é erva. Seca-se a erva, e cai a flor, porém a palavra de nosso Deus subsiste eternamente (Is 40. 6 - 8 ACF). 
Pedro cita esta mesma palavra articulando com a regeneração
Pois vocês foram regenerados, não de uma semente perecível, mas imperecível, por meio da palavra de Deus, viva e permanente. Pois, "toda a humanidade é como a relva, e toda a sua glória, como a flor da relva; a relva murcha e cai a sua flor, mas a palavra do Senhor permanece para sempre". Essa é a palavra que lhes foi anunciada (I Pe 1. 23 - 25 NVI). 
Articulando a fala de Pedro com a de Tiago, e ao mesmo tempo empregando a de Paulo, reafirmo com o apóstolo dos gentios que: De nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova criação (Gl 6. 15 NVI). Parafraseando, de nada vale a condição social do homem, mas sim se ele foi, ou não, gerado pela Palavra de Verdade.

GERADOS PELA PALAVRA DA VERDADE
Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação. Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas (Tg 1. 17, 18 ACF). 
O mais curioso, é que quando leio o texto de Isaías, citado por Pedro, percebo um contraste entre a Glória de Deus e a condição humana, visto que o profeta afirma: a glória do Senhor se manifestará, e toda a carne juntamente a verá, pois a boca do Senhor o disse (Is 40. 5 NVI), para então dizer: Toda a carne é erva e toda a sua beleza como a flor do campo, e Na verdade o povo é erva (Is 40. 6, 7 NVI). Ao citar a LXX, Pedro permite uma comparação entre a glória humana e a glória de Deus, veja: toda a humanidade é como a relva, e toda a sua glória, como a flor da relva; a relva murcha e cai a sua flor, mas a palavra do Senhor permanece para sempre (I Pe 1. 24, 25 NVI). 

Mais estarrecedora do que a incrível articulação feita por Pedro, é o fato de que o mesmo encerra sua carta dizendo que Deus em sua graça chamou todo cristão para o usufruto de uma glória eterna, e que ele mesmo confirma, firma, fortalece e estabelece o crente para que tal projeto se concretize (I Pe 5. 10), mesmo participando da glória, esta pertence ao único Deus (I Pe 5. 11). 

Retornando ao texto de Tiago, este introduz o tema da geração pela Palavra da verdade, imediatamente após dissertar a respeito da tentação a que todos os seres humanos estão sujeitos em decorrência de sua concupiscência. Se Paulo diz: eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem (Rm 7. 18 ACF), e: inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser  (Rm 8. 7 ACF);  Tiago afirma: cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte (Tg 1. 14, 15 ACF). 

Conforme visto em estudo anterior, ainda que não tente ao homem, no sentido de induzir o mesmo ao mal, Deus, controla as tentações (I Co 10. 13). Se de um lado o homem possui uma natureza que o predispõe ao mal, por outro lhe concede ser gerado de novo pela palavra da verdade. Esta regeneração é:

  1. Um dom perfeito, uma excelente dádiva, um presente, e tal como a experiência do nascimento vem completa. 
  2. Não decorre dos esforço humano, mas vem do Pai da luzes. 
  3. Decorre da vontade de Deus, jamais da vontade humana (Jo 1. 12, 13). 
  4. A palavra é o instrumento por meio do qual o crente é gerado de novo (I Pe 1. 22, 23). 
  5. O propósito deste ato, é que o crente seja uma nova criatura e com isto antecipe a restauração do Reino divino no restante da natureza. 
  6. É por meio da nova geração que o crente se habilita a colocar em prática a palavra de Deus. 


Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Arminiano e a Doutrina da Segurança da Salvação



Não, não me proponho a discutir a doutrina da segurança da salvação neste brevíssimo post. O que pretendo é tão somente apresentar minha percepção quando ao debate. Ao longo de anos dedicados à causa do ensino das Escrituras tenho percebido um vício hermenêutico grave por parte dos cristãos ditos arminianos, que ao meu ver são semi pelagianos. Mas em que consiste este vício? Simples, toda vez em que um cristão recorre a algum texto que fale da segurança da salvação, automaticamente ele vem, ou com Ez 18, ou com o 33. É isto que pretendo ver brevemente com o leitor.

Minha tese é simples, em nenhum dos textos existe uma base sólida para se afirmar que o crente perca a salvação, ou que esta seja um vai-e-vem como os arminianos semi pelagianos pretendem afirmar. Qual é a base para esta afirmação? O conceito de justiça apresentado por Paulo, e por Ezequiel, vou começar por este

Sendo, pois, o homem justo, e praticando juízo e justiça, Não comendo sobre os montes, nem levantando os seus olhos para os ídolos da casa de Israel, nem contaminando a mulher do seu próximo, nem se chegando à mulher na sua separação,
Não oprimindo a ninguém, tornando ao devedor o seu penhor, não roubando, dando o seu pão ao faminto, e cobrindo ao nu com roupa, Não dando o seu dinheiro à usura, e não recebendo demais, desviando a sua mão da injustiça, e fazendo verdadeiro juízo entre homem e homem; Andando nos meus estatutos, e guardando os meus juízos, e procedendo segundo a verdade, o tal justo certamente viverá, diz o Senhor DEUS (Ez 18. 5 - 9 ACF). 
O leitor percebeu que o conceito de justiça aqui está ligado ao cumprimento de determinadas regras? Confesso que mesmo que este texto fosse padrão para a conduta cristã, boa parte da cristandade estaria perdida, visto que a sociedade atual é cada vez mais individualista e poucos são os que repartem o pão com o faminto, e fazem verdadeiro juízo entre homem e homem. Se você tem dúvida quanto a isto, pergunte a si mesmo qual foi a última vez que ao ouvir um comentário a respeito de uma pessoa, você foi a ela para conferir se aquilo era verdade, ou não?

A justiça defendida por Ezequiel está ligada ao cumprimento de determinadas normas, e foi corrompida justamente pelos que lhe deram expressão máxima, os fariseus. A única diferença, é que a misericórdia foi negada por estes, mas os aspectos cerimoniais foram mantidos. A justiça da salvação é diametralmente diferente do visto no texto em epígrafe. Veja: 
Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida.
Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, E cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado (Rm 4. 2 - 8 ACF). 
Homem algum pode se gloriar do seu desempenho legal, moral e religioso diante de Deus. Qualquer pensamento em contrário colocaria, hipoteticamente falando, é claro, Deus na posição de devedor do homem, quando a verdade é justamente o inverso. A justiça de Deus para a salvação é um presente, uma dádiva, um dom, que é creditado ao homem quando este crê no conteúdo revelacional que lhe é apresentado. 

Os exemplos de justiça pela fé, nada tem a ver com a moralidade evangélica brasileira. Abraão, quase foi cafetão da própria mulher. Não se preocupe em defender o Pai na fé, ele já foi justificado por Deus! E Davi, ah Davi! Um promíscuo de marca maior, e se você acha que ele foi um santo é porque nunca tentou se colocar no lugar de Hurias. 

Há uma máxima do direito que diz: contra fatos não há argumentos, e neste post ambos foram apresentados. Meu julgamento é que não há homem justo, sobre a terra, que faça o bem e nunca peque (Ec 7. 20), e se o pecado macula a justiça e implica em perda da salvação, todos estão perdidos e ninguém está salvo. Mas se a base da salvação é de fato a graça, e se a justiça é imputada pela fé, então não cabe o mérito humano, nem na obtenção, nem na manutenção da salvação. O progresso da salvação é assunto para outro post e prometo voltar. 

Forte abraço, em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

A queda do Avião da Malaysia Air Line



O mundo parece ainda estar assombrado com os recentes óbitos de escritores e cientistas, e ao que parece a morte destes é ainda mais impactante, visto se tratar de algo raro, um desastre aéreo, provocado por um inexplicável abatimento do boeing, que resultou na morte trágica de vários cientistas envolvidos em pesquisas sobre a AIDS (aqui). Especula-se que a cura da doença que afeta o sistema imunológico, talvez estivesse na referido transporte, o que resultou em uma série de especulações na mídia, fazendo com que uma celebridade do mundo político viesse a público com uma teoria de que o avião havia sido abatido por um míssil homofóbico (aqui). 

Coincidência, ou não, é verdade que nestes últimos anos a sociedade tem se tornado adepta da literatura conspiracionista. E não somente da literatura, mas dos filmes também, basta ver e constatar que filmes como Inimigo de Estado, A Soma de Todos os Medos, A Rede, Invasores de Mente, foram e continuam a serem verdadeiras febres entre cinéfilos, sejam adeptos das teorias da conspiração, ou não. Meu interesse aqui é levantar uma hipótese a respeito do qual matriz filosófica alimenta tais pensamentos. 

A ambivalência humana, ou seja, o potencial que o ser humano possui para o bem, e para as maiores atrocidades, aliado à ganância, sede de poder, bem como o aumento do controle sobre a vida privada; constituem como partes integrantes de uma matriz cultural que produz a sensação de que a humanidade é cada vez menos livre, e cada vez mais controlada. Diante disto, ao assistir filmes como os citados neste post, a sensação de que o que foi exibido é ficção é inevitável, e tão inexorável quanto a intuição de que algo é verdadeiro, ainda que não se possa saber o que, e nem como. 

No mundo evangélico tais conspirações tem sido alimentadas por uma cultura cuja matriz principal é a escatologia, que por sua vez tem no terror e no futurismo seu maior fundamento. O resultado são tantas as conspirações, que estas são superadas, em número, é claro, exclusivamente pelas constantes especulações. Diante de tudo isto, fico com um olho nas hipóteses, e outro no que a Bíblia diz, afinal, o que está oculto, somente Deus trará à luz e no devido tempo, mas Ele ainda nos guia em toda a verdade. 

Forte abraço, em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

domingo, 20 de julho de 2014

O tempo e as jabuticabas



Com vistas a uma justa homenagem a este pensador que trouxe significativas contribuições para a vida intelectual de tantas pessoas, venho postar aqui o texto mais visceral que li do mesmo: 


O TEMPO E AS JABUTICABAS

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver 
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela 
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela 
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.



Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. 
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir 
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.



Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos 
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem 
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. 



Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, 
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'. 
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas 
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. 
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a 
essência, minha alma tem pressa...



Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente 
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, 
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo. 



Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.

Rubem Alves

Morre Rubem Alves



Me encantei com textos de Rubem Alves durante o período da graduação. Ao fazer a pós o encanto se tornou definitivo, afinal entre a Ciência e a Sapiência foi, e tem sido pontual na minha busca por elementos que permitam um rico diálogo entre Ciência e religião, algo que começou com um livro do escritor em apreço, O que é Religião? da coleção primeiros passos. 

A razão de ser deste post a respeito da morte de Rubem Alves não se resume à admiração confessa que tenho por este escritor (pelo menos não no sentido em que a palavra é compreendida). Confesso que sucessivas vezes me espantei com este artista e artífice das palavras e pensamentos, por ver no mesmo aquilo que queria verbalizar, mas não encontrava meios para tal. Todavia, ensinar em vida é uma oportunidade que todos os seres humanos possuem, mas que poucos se engajam em fazer. Mas na morte todos se tornam mestres. 

O óbito deste maravilhoso escritor é notícia em uma infinidade de sites na internet. Para fugir do comum, prefiro fazer menção a um texto, a ele atribuído, mas que me impactou, visto que aos meus quarenta anos me pego com a mesma sensação. O nome do texto? O tempo e as jabuticabas (aqui e aqui). Não citarei o texto na íntegra, apenas compartilharei as minhas impressões. 

Aprendi com Rubem Alves que a vida é tão orgânica quanto uma jabuticabeira. É preciso semear para colher, mas antes de colher teremos de regar, de cuidar para ver crescer, e aguardar pacientemente pelo fruto. Quando vier o fruto, o mesmo terá de ser cuidadosa e devidamente saboreado, pois tal como o tempo, ele se acaba. 

Há um momento na vida do homem, a juventude, em que se gastam energias com coisas fúteis, sem valor, é o chupar displicente das jabuticabas. Mas a maturidade vem quando uma por uma das jabuticabas são saboreadas, é quando o ser humano aprende a priorizar a doçura que a vida oferece e a largar de mão o amargo. É a lição que quero levar comigo. 

Tudo o que me resta neste momento é orar à Deus por consolação para toda esta família, que sentirá a falta deste tão ilustre componente, e agradecer a Deus por ter aprendido aos quarenta anos, com este ilustre cozinheiro do saber, que a doçura de jabuticaba e a azedume do limão precisam ser aproveitados ao máximo, e que não há tempo à perder. Rubem Alves se vai, mas a semente dele fica em minha vida.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A importância da Sabedoria Humilde



Sabedoria é um termo cujo conceito varia do acúmulo de muitos conhecimentos; grande instrução; ciência, erudição, saber até a aplicação inteligente destes mesmos conhecimentos, produzindo uma conduta orientada de acordo com o conhecimento daquilo que é verdadeiro e justo. Os escritos de sabedoria, e principalmente a carta de Tiago, dão maior ênfase a este último aspecto, mas não há como negar, que na Bíblia o termo aparece com uma variada gama de significados. 


O estudo do assunto é de fundamental importância, tanto pelo valor exegético, quanto pela desconstrução de uma cultura que impera em neste país, e que tem o seu impacto na vida da Igreja. Somado ao fator histórico de que a educação é tão somente uma ferramenta de ascensão social, observo a emergência de uma cultura de morte da razão, o que demanda em nova incursão sobre o tema. Minha proposta começa com a conceituação exegética e lexical do assunto, e avança para o contexto da carta de Tiago e do tempo presente. 

O CONCEITO EXEGÉTICO DE SABEDORIA

A sabedoria חָכְמָ֛ה (hokmanh) pode ser aplicada à perícia técnica de um artesão, como no caso dos que foram empregados na confecção das vestes sacerdotais e dos objetos e utensílios do tabernáculo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1). Aqui acabe a observação de que neste aspecto ocorre uma aproximação entre חָכְמָ֛ה (hokmanh) e σοφια (sophia), que na cultura helênica compreendia os artesãos que eram habilidosos em seu ofício.

Sócrates, o primeiro filósofo encarava a sua tarefa como uma missão que lhe fora dada pelos deuses. Conta-se que quando Querofonte, seu amigo, foi consultar o oráculo de Delphos, este ouviu do mesmo a seguinte frase: Sócrates é o mais sábio de todos os mortais. Na interpretação de Kreuff, a sabedoria era algo que pertencia exclusivamente aos deuses e foi por este motivo que a afirmação perturbou ao filósofo em questão.

Com esta indagação em mente Sócrates sai por toda parte fazendo perguntas aos homens, dese os que se consideravam sábios até os que eram tidos por ignorantes, a fim de averiguar se de fato o oráculo era verdadeiro. Sua conclusão é que os artesãos que ele achou maior sabedoria, pois estes ao menos eram peritos em sua arte, ao passo que os que se julgavam sábios nada sabia. O filósofo em questão também constatou que de fato era sábio, por que sabia que nada sabia.

Este é um outro ponto em que a sabedoria judaica converge com a socrática, uma vez que somente clamam por sabedoria, aqueles que sentem que não a possuem. Daí Tiago afirmar: se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada  (Tg 1. 5 NVI). 

Tanto חָכְמָ֛ה quanto σοφια podem ser empregados para expressar uma sabedoria secular, que sendo dom de Deus, é igualmente acessível aos homens, por meio da graça comum, e que se torna problema para o homem do momento em que ele pensa que pode opor-se ao plano de Deus (Is 47. 10; Jr 49. 7). Um exemplo claro deste tipo de sabedoria é a exibida pelos amigos de Jó, que era uma sabedoria prática, pragmática, adquirida com o tempo (Jó 15. 8 - 10), mas que foi rechaçada por não explicar o desígnio divino na vida de Jó. 

Tanto Jó, quanto Eliú desdenharam da suposta sabedoria dos seus amigos. Com os idosos está a sabedoria, e na longevidade o entendimento. Com ele está a sabedoria e a força; conselho e entendimento tem (Jó 12. 12, 13 ACF), esta afirmação de Jó significa que nem sempre a idade traz sabedoria. 
Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos ensine a sabedoria. Na verdade, há um espírito no homem, e a inspiração do TodoPoderoso o faz entendido. Os grandes não são os sábios, nem os velhos entendem o que é direito. Assim digo: Dai-me ouvidos, e também eu declararei a minha opinião. Eis que aguardei as vossas palavras, e dei ouvidos às vossas considerações, até que buscásseis razões. Atentando, pois, para vós, eis que nenhum de vós há que possa convencer a Jó, nem que responda às suas razões (Jó 32. 7 - 12 ACF). 
Eliú afirma que retardou o seu discurso a respeito dos problemas de Jó, esperando que os anos dos anciãos que o precederam ensinassem a sabedoria, mas o que se viu foi justamente o contrário. É com esta ótica, que a leitura de I Co 1. 18 - 22 ganha significado, uma vez que neste contexto a sabedoria tanto é a erudição intelectual, quanto (I Co 1. 22, 23), quanto a perspicácia do homem em estratagemas políticos, sendo ambos superados pela sabedoria da cruz, manifesta em Cristo Jesus (I Co 1. 30, 31; 2. 6, 7). 

Na concepção rabínica a sabedoria de Deus se confunde com a erudição escriturística, sendo que nesta visão a sabedoria pré existente é associada à Toráh (תֹורָתְ). Há fundamentos para tal entendimento tanto na literatura canônica, quanto na deuterocanônica. Assim, em Baruque se lê que a sabedoria é o livro dos preceitos de Deus, a lei que subsiste para sempre; todos os que a ela se agarram destinam-se á vida, e os que a abandonarem perecerão (Br. 4. 1 Bíblia de Jerusalém). O mesmo se percebe com a leitura de Sirácida, onde após a exposição dos meios de aquisição da sabedoria afirma: tudo isto é o livro da Aliança do Deus Altíssimo, a lei que Moisés promulgou, a herança para as assembleias de Jacó (Eclo 24. 32)

Nos escritos canônicos tal conceito se faz presente. Para tal basta que se leia a seguinte afirmação de Davi: 
Tu, pelos teus mandamentos, me fazes mais sábio do que os meus inimigos; pois estão sempre comigo. Tenho mais entendimento do que todos os meus mestres, porque os teus testemunhos são a minha meditação. Entendo mais do que os antigos; porque guardo os teus preceitos (Sl 119. 98 - 100). 
Perceba: Deus é a fonte de sabedoria, mas o instrumento pelo qual ele derrama a sabedoria é a revelação escrita.  O acesso à revelação o entendimento decorrente da meditação constante na Palavra de Deus. Este entendimento supera a sabedoria acumulada durante anos. O justo ainda que morra prematuramente terá repouso, velhice venerável não é longevidade, nem é medida pelo número dos anos, as cãs do homem são a inteligência e a velhice uma vida imaculada (Sab 4. 7- 9 Bíblia de Jerusalém). Se a velhice não é acompanhada pela vida de justiça, de nada adianta. 

Cristo enquanto sabedoria de Deus (I Co 1. 30, 31; 2. 6, 7), é o perfeito cumprimento da sabedoria personificada da literatura sapiencial do Antigo Testamento (Pv 1. 20 - 32; 8 - 9). Paulo afirma que em Cristo se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Cl 2. 3 Bíblia de Jerusalém), e partindo desta lógica, o crente não precisa se deixar ser enganado por argumentos capciosos (Cl 2. 4, 5).

A SABEDORIA NO CONTEXTO DE TIAGO

Tiago é conhecedor das Escrituras e demonstra isto no concílio de Jerusalém (At 15. 13 - 19), mas a sabedoria, conforme abordada por ele, deve ser buscada em Deus, por meio da oração e tem de ter uma dimensão profundamente prática. Neste contexto é possível observar que: 1) Deus é a fonte de sabedoria, 2) Cada qual deve buscar esta sabedoria em oração confiante, 3) Deus partilha desta sabedoria com todos, de forma liberal, 4) esta sabedoria não visa o debate com fins esnobistas e exibicionistas, 5) se manifesta por meio de frutos de justiça.

A leitura atenta dos textos em que a sabedoria é equiparada à perícia técnica (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1), revela uma verdade inconteste, a de que Deus é o autor da sabedoria em questão. Deus mesmo ordena: falarás também a todos os que são sábios de coração, a quem eu tenho enchido do espírito da sabedoria (Ex 28. 3 ACF), Iahweh mesmo encheu Bezaleel com destreza, habilidade e plena capacidade artística, sendo que o termo destreza é empregado pela NVI para traduzir o hebraico חָכְמָ֛ה (Ex 31. 3).

Mesmo Salomão, busca a sua sabedoria em Deus (I Rs 3. 5 - 9), e aconselha a que se busque a sabedoria em Deus. Para os sábios, é o Senhor quem dá a sabedoria e de sua boca vem o conhecimento e o entendimento, ele entesoura a sabedoria para os retos, como escudo para quem é honesto (Pv 2. 6, 7 Tradução Ecumênica Brasileira). Mesmo quando o homem alcança a sabedoria por meio dos anos vividos, a fonte maior é o próprio Deus (Jó 12. 9 - 13). Mesmo a sabedoria decorrente da leitura bíblica tem em ?Deus a sua fonte (Sl 119. 98 - 100).

Esta mesma tem um fim puramente prático, uma vez que no contexto da recomendação de oração para se obter sabedoria, Tiago fala das aflições (Tg 1. 2 - 4), das tentações (Tg 1. 13 - 15), da nova natureza (Tg 1. 16 - 18), da observância fiel da palavra (Tg 1. 21 - 25), do uso da língua (Tg 1. 26, 27), e nisto consiste a verdadeira sabedoria.

MARCAS DA VERDADEIRA SABEDORIA

Já foi falado neste estudo que em toda a Bíblia o termo sabedoria é usado de forma ampla. De igual modo foi afirmado que Deus é a fonte de toda a sabedoria. Agora convém afirmar que para Tiago, na mesma proporção em que a fé sem obras é morta, a sabedoria que não molda o modo de vida do crente, é igualmente inútil.

Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria (Tg 3. 13 ACF). Perceba que aqui Tiago emprega os termos σοφος και επιστημων (sophos kai epistemon), para expressar o homem sábio, de um lado, e o dotado de conhecimento do outro. Não há nada no texto que sugira o desprezo ao segundo, mas se o conhecimento e mesmo a sabedoria não se expressa em um modo de vida marcado por mansidão ambos são inúteis.

A sabedoria do alto contrapõe-se tanto ao ciúme (ou inveja), quanto ao sentimento faccioso. Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade (Tg 3. 14 ACF). A palavra neste texto ζηλον (zeelon), é empregada no Novo Testamento tanto para expressar ciúme, quanto inveja. Mas neste contexto a mesma é empregada para significar o desejo de promover a sua própria opinião, em exclusão das demais. Neste caso o convencimento não se dá pela linha dos argumentos, mas talvez até da imposição de falsos argumentos.

Uma outra questão é o fato de que tal sabedoria, ao contrário da verdadeira sabedoria, se coloca sempre a serviço de interesses pessoais, aqui traduzido por sentimentos facciosos (εριθειαν [epitheian]). É uma palavra empregada para expressar o vício de líderes que criam partidos para a satisfação do seu próprio orgulho.

A sabedoria do alto é marcada por uma integridade de mente e de caráter, o que faltou aos amigos de Jó, por exemplo, que não disseram de Deus o que convinha. Também se faz ver na disposição em promover a paz. Claro que não falo aqui de paz  a qualquer custo, ou às expensas da verdade, mas na disposição em controlar a língua a fim de não criar a guerra.

A expressão επιεικης (epiekees) aplica-se à moderação nos julgamentos, bem como à paciência que se submete aos maus tratos, sem ódio, ou malícia, mas confiando em Deus acima de todas as coisas. O verdadeiro sábio não nem insubmisso, muito menos sectário. Todavia, é justo, misericordioso, imparcial, e não cede à tentação de em alguns momentos louvar a Deus e em outros maldizer o homem, que é a imagem de Deus. A verdadeira sabedoria, está á serviço da justiça, que redunda em paz.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O conceito de Herói



Nosso conceito de heroísmo vem da Grécia, basta ler os mitos. Na atualidade, este conceito tem sido questionado, é verdade, mas os jogadores e, nos países de primeiro mundo os atletas em geral, ainda são vistos como arquétipos.  É como se eles fossem uma fonte de superação, ainda mais no caso do futebol, um esporte que no imaginário popular rompe com a lógica de classe em razão do talento. 

Marcelo Medeiros. 


Copa, um balanço geral



Escrevo este post, em parte para assumir que sou mais um entre milhões de brasileiros que gosta de torcer por sua seleção, é uma confissão pública, mas não um mea culpa, de forma alguma! A razão é bem simples, ao contrário de alguns xiitas de plantão, não vejo a mínima ligação necessária entre política e futebol. Embora aquela se reflita neste, o fato mais do que inconteste é que o futebol não necessariamente determina a política. Mas tem um monte de gente que pensa assim.

O fato é que eu, da mesma forma que os milhões de torcedores espalhados por este país, torço por causa da necessidade de preenchimentos existenciais (falo mais a respeito aqui). A diferença, é que sei que não posso basear a minha felicidade em tais coisas, mas será que os ufanistas políticos sabem disto? Sabem eles que a política é tão imprevisível, e pode ser tão, ou mais decepcionante quanto o futebol? Que são estimulados à militância pelo mesmo vazio existencial? Acredito que saibam, mas que não estão dispostos a admitir. 

A copa ao meu ver foi sim uma decepção. O Brasil foi, e é a única seleção a não ter conquistado um título em casa. Sei que isto não se compara aos fracassos políticos, e que o quarto lugar na competição é infinitamente melhor do que o octogésimo oitavo em educação, e octogésimo quinto em Índice de Desenvolvimento Humano. Também concordo com Cristóvão Buarque quando ele afirma que o povo brasileiro deveria aprender a se espantar com isto (aqui). Mas ainda que se espantasse, isto nada tem a ver com ser, ou não ser torcedor.

Retomando o assunto da Copa, faltou futebol brasileiro, sobraram teorias e mais teorias da conspiração; tudo com aquele tempero de suspeita fundada (visto que o procedimento de nossos políticos deixa, e muito, á desejar em matéria de transparência aqui). Assim, a Copa começou sob o signo da suspeita de que tinha sido comprada e termina com forte desconfiança de que foi vendida. 

E eu com isto? Você, caro leitor, eu não sei, mas amanheci com a sensação de que neste último mês não vi a seleção brasileira jogar, mas que assisti uma nova versão de um antigo filme: A soma de todos os medos. O medo da política já existe, afinal, cresce em nosso país a sensação de que não é povo quem elege quem está no poder, mas um esquema fraudulento, e agora, este mesmo medo foi transferido para o futebol. O resultado: vazio existencial aliado à total descredibilidade. 

Marcelo Medeiros

Passou desapercebido



Em meio ao ufanismo da copa das confederações do ano passado e à profunda vergonha desta última copa, passou desapercebido o feito de cinco jovens que foram premiados com medalhas de prata e bronze, em olimpíadas internacionais de astronomia (aqui). O feito, se for levado em consideração que o país ocupa o octogésimo oitavo lugar em educação, e o octogésimo quinto em Índice de Desenvolvimento Humano, é notável (aqui).

Contudo não há, de minha parte lugar para ufanismo, orgulho sim, otimismo nacionalista não! A razão de ser é bem simples. Não percebo suporte algum da mídia e menos ainda do governo na formação de jovens como os que aparecem na foto acima (aqui), e a educação aqui se justifica unica e exclusivamente em razão de um pragmatismo sócio econômico, o que caso ocorresse com estes jovens talvez eles não fossem ganhadores de tais prêmios.

Não vou entrar no mérito da condição social, do aparato que estes jovens tiveram. O fato, ao meu ver inconteste é que se eles fossem tão celebridades quanto os pagodeiros, os atores e jogadores de futebol, outros jovens procurariam ser como eles, mesmo com toda dificuldade que um jovem de classe média baixa, que resolva seguir tal caminho, tenha de enfrentar. Mas há neste país uma insistência em manter tais jovens no total anonimato, e entendo, creia, entendo mesmo. 

Entendo que seja bom que eles permaneçam no anonimato. Assim, ninguém perguntará por eles quando estiverem atuando como cientistas em países de primeiro mundo. Ninguém irá questionar a ausência de uma política de valorização dos profissionais que atuam nesta área. Esta é a triste realidade com que tenho de conviver, e me pergunto: até quando?

Marcelo Medeiros
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