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sexta-feira, 4 de julho de 2014

Tiago - Fé Que se Mostra Pelas Obras



Um breve histórico do cânon sagrado mostra ao leitor atento que a carta de Tiago, não teve significativa aceitação inicial, em parte por uma possível falta de conhecimento dos pais da Igreja, o que fez com que a mesma pouco fosse citada nos sermões, em parte pelos problemas de aceitação da mesma no conjunto de livros cristãos (aqui).

Um erro presente na concepção inicial que Lutero da carta de Tiago é a visão de que a mesma seja uma epístola de palha. De acordo com alguns pensadores atuais, a visão luterana se justifica pelo simples fato de que as afirmações da carta de Tiago não são de fácil compreensão e os textos que aparentemente entram em conflito com as epístolas de Paulo (aqui).

A continuação da leitura indicada no link supra aponta para uma mudança de perspectiva, uma vez que o pensamento luterano atual tem dado significativa enfase ao aspecto social do Evangelho e neste ponto a Carta de Tiago de palha se torna o melhor dos pastos. Um fato que precisa ser encarada por cristãos é que o escrito de fato se dirige a judeus e não é de natureza teológica como os de Paulo, mas se aproxima das máximas da sabedoria, podendo ser articulado com os ensinos de Jesus e de Pedro.

I) AUTORIA

Estudos dos mais diversos indicam a existência de pelo menos quatro homens na Bíblia que atendem pelo nome de Tiago, por sinal, um nome comum. Maxuell Coder destaca dois homens do colégio apostólico com este mesmo nome e acrescenta o irmão do Senhor e o pai de Judas, outro dos doze discípulos de Cristo. Tiago é a transliteração de ιακωβος (Iakoobos), que por sua vez corresponde ao nome bíblico Jacó, no hebraico Iakob (יַעֲקֹ֥ב), cujo sentido é Aquele que agarra, ou suplantador, sendo que no caso do patriarca o nome fora dado em razão da situação em que este nascera, ao passo que não temos na Bíblia as circunstâncias do nascimento dos irmãos de Jesus, bem como dos demais personagens que levam esta nome.

Dentre os que se chama Tiago, temos um que é filho de Zebedeu e Salomé e irmão de João (Mt 4. 21; 20. 20), exercendo junto a este o ofício de pescador. A possibilidade de que este seja o autor fica eliminada, visto que este Tiago, chamado o maior, foi martirizado sob Herodes Agripa I (neto de Herodes, O Grande), ocasião em que Pedro também fora preso, daí que não houvesse tempo para a produção epistolar, visto que a data mais remota da carta é o ano 49 d. C.

Outro membro do colegiado apostólico que tinha este nome é um filho de Alfeu (Mt 10. 3; Mc 3. 18; Lc 6. 16), sendo que além dele ser discípulo de Cristo, nada mais é dito a respeito do mesmo. O tom com o qual o autor da carta começa com sua missiva em nada lembra um membro do colegiado apostólico (digo isto com respeito a alguém que tenha presenciado os ensinos de Cristo. Deixando para a maioria dos pensadores uma unica alternativa viável, a de que o autor da carta de Tiago somente pode ser o irmão do Senhor.

Ele se identifica como θεου και κυριου ιησου χριστου δουλος (Thou kai Kyriou Iesou Christou doulos), servo de Deus e do senhor Jesus Cristo. O servo, ou δουλος era alguém que por não possuir mais condições de se sustentar se vendia como escravo para outrem, a fim de em troca de seu serviço e fidelidade ser mantido. Com economias alguns escravos conseguiam até comprar sua liberdade. Minhas observações se devem ao fato de que a leitura criteriosa indica que o Tiago irmão do Senhor, sequer crente era durante o ministério terreno de Cristo (Jo 7. 5).

Ele também não era considerado um dos doze apóstolos, mas possivelmente tenha vindo a crer em Cristo devido ao impacto da ressurreição de Cristo, visto que Paulo diz que Jesus fora visto pelos doze, depois por mais de quinhentos irmãos, e depois por Tiago (I Co 15. 5 - 7). Daí que Paulo o considerasse como apóstolo cuja visibilidade, e importância suplantasse a dos demais apóstolos (Gl 1. 19).

II) ESTILO

Muito se apela à aparente contradição entre a carta de Tiago e os escritos de Paulo (tema que, creia, será devidamente abordado neste espaço). Mas há que se considerar que é no estilo de ambos que reside toda a diferença. Paulo é quase que um pensador, daí que ele mesmo se chame de pregador mestre na fé dos gentios (II Tm 1. 11). E de fato parcela significativa dos escritos paulinos são o desenvolvimento dos pensamentos deste servo de Deus.

Tiago, que já no concílio de Jerusalém demonstrara considerável conhecimento das Escrituras, segue um estilo mais identificado com os escritos da sabedoria judaica, (tanto no tocante aos livros do cânon, quanto aos do segundo cânon, a saber os da LXX, que aparecem nas traduções de Bíblias católicas); o que pode ser comprovado nas temáticas escolhidas pelo autor, tais como:

  1. A tribulação Eclo 2. 1ss; Tg 1. 3 - 4 
  2. A oração por sabedoria Pv 2. 2 - 6; Sab 8. 21; Tg 1. 5 - 8
  3. A inutilidade das riquezas Pv 11. 4; Tg 1. 9 - 11
  4. As tentações Eclo 15. 11 - 20; Tg 1. 12 - 15
  5. A prática da Palavra Sl 119. 1, 2; Tg 1. 16 - 25
  6. O uso da língua Pv 10. 19; 18. 21; Eclo 5. 9 - 15; 28. 13 - 26; Tg 1. 26, 27; 3. 1ss
  7. A sabedoria em suas dimensões práticas Pv 1. 7; 8. 13; Tg 3. 13 - 18
  8. A entrega à providência Pv 27. 1; Tg 4. 13 - 16
  9. A respeito da brevidade da vida Sl 39. 4 - 6, 11; 90. 4 - 12; Tg 4. 14 
Estes temas foram escolhidos no lugar de se falar em justificação pela fé, adoção, justiça imputada, nascimento, vida, morte, ressurreição de Cristo e tantos outros temas caros ao apostolo Paulo. Ao invés de reflexão teológica, Tiago prefere a praticidade. Creio que este seja o motivo da aparente contradição entre o posicionamento dele e o de Paulo a respeito da dinâmica entre fé e obras. 

III) MENSAGEM

A mensagem central da carta de Tiago é: a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma, e caso alguém insistisse na separação entre ambas, o autor diria: mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras (Tg 2. 17, 18 ACF). Eu particularmente gostaria de chamar a atenção para a tradução da Nova Versão Internacional, assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: "Você tem fé; eu tenho obras". Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras, e, com efeito, assim como o corpo sem o sopro da vida morto, assim também é morta a fé sem obras (Tg 2. 26 Bíblia de Jerusalém). 
  1. A preposição sem seria melhor traduzida por separada de, uma vez que a expressão χωρις (chooris), tem o sentido de algo é separado, à parte de. A menagem de Tiago consistem em: a fé separada das obras é tão viva quanto um cadáver. Partindo desta perspectiva afirmo que: 
  2. Ouvir a Palavra e não colocar a mesma em prática é tão eficiente quanto ver o rosto no espelho e permanecer tal como se está (Tg 1. 22 - 25). Aqui cabe esclarecer que Tiago está apelando à prática do conteúdo da carta que está escrevendo. 
  3. O piedoso que não refreia a sua língua pratica uma religião (terminologia que Tiago usa de forma positiva), vazia (Tg 1. 26; 3. 1). 
  4. A religião verdadeira está em assistir às viúvas e aos necessitados, e guardar-se da corrupção que há no mundo (Tg 1. 27). É bem possível que a mentalidade que faz acepção de pessoas seja a corrupção da qual Tiago está falando, uma vez que imediatamente ele propõe tal temática. 
  5. Não se exerce a fé em Cristo em acepção de pessoas, principalmente se esta é feita com base na condição social da pessoa (Tg 2. 1). 
  6. A sabedoria que visa a mera ostentação intelectual, não é proveitosa em nada, a verdadeira sabedoria é pacífica, pura, tratável, cheia de bons frutos e de misericórdia, redundando em justiça e paz (Tg 3. 13 - 18). 

Partindo desta perspectiva, Tiago está longe do legalismo que alguns teólogos reformados viram nele. O pecado para ele nada tem a ver com o desempenho no cumprimento da lei, conforme possa sugerir uma leitura precipitada de Tg 2. 10, 11. O pecado do qual Tiago fala aqui não é adultério, homicídio, mentira, e se ele o faz, o faz para reforçar o caráter igualmente abominável da discriminação social. 

Face ao exposto, percebo que é possível ser um exímio cumpridor de obrigações "morais", passar uma imagem de justo e piedoso, mas ser uma pessoa que discrimina as demais com base não no caráter, mas na condição social, e Tiago vê tal postura como uma flagrante violação da lei e consequentemente como pecado. 
Se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: "Ame o seu próximo como a si mesmo", estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores (Tg 2. 8, 9 NVI)
A expressão αμαρτιαν εργαζεσθε (hamartian ergasesthe), foi traduzida por estarão cometendo pecado, quando poderia ter sido traduzida por estar realizando pecado, o que faria uma expressão mais forte, esta ao menos é a opinião de Vincent, que é confirmada por Rienecker e Rogers, onde εργαζεσθε é literalmente trabalhar. 

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

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