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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Erros de Malafaia quanto à predestinação bíblica



Entendo que o papel do Pastor Silas Malafaia, no cenário atual seja de suma importância no tocante ao debate a respeito de comportamento. Mas decididamente quando a questão é doutrinária aí é uma tragédia que só. Ele possui mídia e não seria absurdo afirmar que dita comportamento e é formador de opinião, mas bom seria o discernimento no tocante ao que ele fala. Recentemente este pastor fez algumas declarações a respeito da doutrina da predestinação dignas de fazer um Lutero se revirar no túmulo. As afirmações seguem resumidas nas linhas abaixo

  1. Os textos que falam de predestinação não se referem à escolha de indivíduos, mas ao destino da coletividade dos santos do Antigo e Novo Testamento, aqueles que deliberadamente escolheram obedecer a Palavra de Deus. 
  2. Que os eleitos do Novo Testamento são os que creram em Jesus, possuem uma experiência pessoal de salvação, imitam a Cristo, desfrutam de comunhão com Deus pelo Espírito Santo, e estão sendo moldados por Ele à imagem de Jesus Cristo e vão morar no céu. 
  3. A promessa da salvação é condicional, neste caso a perseverança dos santos é a garantia de que os mesmos serão salvos. 
  4. Se não existisse o livre arbítrio o pecado seria um plano do próprio Deus. 
  5. No pensamento deste a ideia de um Deus que predefine o destino de seres humanos é absurda, e contraria o desejo de Deus em salvar todos os homens. 
Vamos ver uma por uma destas ideias? Desde já pretendo deixar claro que voltarei a esta temática em uma série de estudos que estou preparando, mas vou apontar aqui algumas linhas gerais que talvez permitam ao leitor uma maior interação a respeito do assunto. 

  1. Tenho problema com esta ideia de predestinação coletiva, defendida por arminianos e semi pelagianos. O propósito da predestinação é a santidade irrepreensível, bem como a conformação do crente com a imagem de Cristo, conforme observado por Malafaia e destacado por mim no tópico dois. Se a eleição é coletiva, segue-se que a santidade e o processo de conformação do crente com a imagem de Cristo também o é. Algo que duvido que o arminiano concorde. 
  2. Não há nada de oculto no uso dos termos eleitos e predestinados no coletivo, tal se dá tão somente pelo fato de Paulo e os demais autores bíblicos estarem escrevendo para uma coletividade, simples assim. Mas isto não quer dizer que a predestinação tenha de ser coletiva. 
  3. Ao assumir que a salvação é uma experiência pessoal Silas e qualquer arminiano que acompanhe o seu raciocínio estão entrando em flagrante contradição com o que afirmaram anteriormente. 
  4. Não é a perseverança dos santos a condição final para a salvação, mas o inverso, em outras palavras, perseveram os que foram eleitos, são regenerados, e estão guardados pelo poder de Deus para a salvação que há de se manifestar no dia final (I Pe 1. 2 - 5). 
  5. Todavia a perseverança só o é, quando testada, daí a importância de que os salvos passem e sejam contristados em várias tribulações, isto é um processo que visa a comprovação da autenticidade da fé, bem como a aprovação da mesma (I Pe 1. 6 - 9). todavia o contexto me permite afirmar que os salvos são aprovados não em razão de uma qualidade especial que possuem em detrimento dos demais, mas pelo fato de serem guardados pelo poder de Deus mediante a fé (I Pe 1. 5). Esta fé é um dom de Cristo, visto que Pedro afirma: e por ele credes em Deus (I Pe 1. 22). 
  6. Agostinho e os demais reformados entenderam que antes da queda os homens tinham livre arbítrio, mas que após o pecado este ficou restrito, ou seja o homem tem liberdade para praticar o mal, mas não para buscar a Deus, na verdade ele sequer quer Deus. Daí, que o primeiro passo em relação à salvação seja o divino. 
  7. Com isto, Deus não pode eleger os homens para a salvação com base em suas escolhas futuras, uma vez que não há quem busque a Deus, [...] não há quem faça o bem [...]. Partindo da lógica dos profetas e de Paulo, a unica alternativa divina, caso Deus escolhesse com base nas obras e ações futuras dos seus eleitos seria a condenação. 
  8. Por último, Deus, sendo sumo bem, e sendo amor, não pode desejar outra coisa além da salvação de todos os homens, e que estes cheguem ao pleno conhecimento da verdade, mas alto lá, o contexto aqui é o de oração pelos homens que estão em eminência, e não há porque eu não possa entender que Deus tenha entre todas as classes de homens os seus eleitos. 

Concluo dizendo que absurdo é uma autoridade evangélica afirmar que a doutrina da predestinação é absurda, uma vez que a mesma é bíblica, ao passo que aquilo que chamam de livre arbítrio, ou livre agência não o é, uma vez que foi comprometida pela força do pecado, conforme exposto nas linhas acima. 

Em Cristo, Marcelo Mredeiros. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Deus que intervém na História - estudo incompleto




Os léxicos, via de regra, definem a História como sendo o ramo da ciência que se ocupa de registrar cronologicamente, apreciar e explicar os fatos do passado da humanidade em geral, e das diversas nações, países e localidades em particular. Em razão da ciência moderna ser feita a partir de pressupostos naturalistas toda e qualquer intervenção sobrenatural é excluída. Daí que enquanto disciplina acadêmica a história não leve em consideração a ação de Deus, algo que não pode ser quantificado, mensurado, ou observado em um telescópio. 



Mas conforme afirmado aqui, um dos pressupostos do Livro de Daniel é a intervenção de Deus na História da humanidade [aqui e aqui] e não há nada em definitivo que comprove a inviabilidade da mediação de Deus com os homens no curso histórico (embora hajam teólogos que no lugar de propor uma história sob o prisma da mediação divina, propõem uma metahistória). Meu percurso no presente estudo se dará da seguinte forma: falarei a respeito do Deus e depois de sua intervenção na história. 



O CONTEXTO



O contexto do presente estudo se dá na Babilônia, terra em que se desenvolveu a ciência da oniromancia. Tal se deu pela compreensão cultural e histórica de que os sonhos eram uma forma de comunicação entre Deus e os homens [aqui], fato este comprovado pelo relato das Escrituras (Gn 20. 3; 41. 25, 28). No auge do seu reinado Nabucodonozor teve um sonho com uma estátua composta de uma gama de metais (ouro, prata, bronze, o que talvez tivesse dado à imagem nada comum, um tom bizarro), e em razão deste teve seu espírito perturbado. 



Usando de artimanha (talvez pelo medo de ser engando com quaisquer artimanhas) o rei em apreço propõe um desafio aos sábios, mas não conta o teor, ou o conteúdo do sonho. O maior problema é que diante da impotência dos sábios em revelar o conteúdo e o sentido das visões noturnas que perturbavam o rei, este os ameaçou com a morte (Dn 2. 12, 13). 



Uma observação a ser feita é a de que este relato sucede ao relato da fidelidade de Daniel e seus amigos, em que os mesmos testados quanto ao compromisso com a lei, e imediatamente honrados por Deus, visto que o texto diz: entre todos os jovens não houve outros que se comparassem a Daniel, Ananias, Misael e Azarias [...] em todas as questões de sabedoria e discernimento sobre as quais os consultava, o rei os achava dez vezes superiores a todos os magos e adivinhos do seu reino inteiro (Dn 1. 19, 20 Bíblia de Jerusalém). 



Aqui há que se observar que a suposta capacidade de interpretação dos sonhos não é algo inerente aos jovens em apreço, mas uma graça divina, visto que o texto afirma: a estes quatro jovens Deus concedeu a ciência e a instrução nos domínios da literatura e da sabedoria. Além disto, Daniel era capaz de interpretar qualquer sonho, ou visão (Dn 1. 17 Bíblia de Jerusalém). Creio que os personagens envolvidos na trama do livro sabiam este caráter de Deus, tanto que diante do decreto do rei (que ameaçava a vida dos mesmos), puderam orar a buscar misericórdia. Isto nos leva ao Deus que intervém. 



O DEUS QUE INTERVÉM



Quem é Deus no livro de Daniel, mais precisamente no texto com o qual eu, você professor de Escola Bíblica e demais estudantes estamos,lidando? Esta é a primeira pergunta que precisa ser feita. O Deus que intervém é um Deus dadivoso. Segundo as observações feitas acima, Deus já havia dado aos jovens sabedoria, erudição e arte de interpretar sonho em ambiente especializado (Dn 1. 17, 19, 20). Pois é Iahweh quem dá a sabedoria; da sua boca procedem o contentamento e a inteligencia. Ele guarda para os retos a sensatez, é escudo para os que andam na integridade (Pv 2. 6, 7 Bíblia de Jerusalém).



Ele é misericordioso. Foi esta convicção que auxiliou a Daniel e seus companheiros na evocação do compromisso de interpretar o sonho do rei, uma vez que sua misericórdia já havia sido demonstrada quando Daniel e seus amigos foram testados e rejeitaram as iguarias do rei, e Deus como resposta fez com que eles se tornassem mais sábios que os babilônios. 



Deus é sábio. Sim, sua sabedoria é profunda, seu poder é imenso. Quem tentou resistir-lhe e saiu ileso? (Jó 9. 4 NVI). O próprio Deus perguntou para Jó: Quem é que tem sabedoria para avaliar as nuvens? Quem é capaz de despejar os cântaros de água dos céus? (Jó 38. 37 NVI). A sabedoria de Deus revela sua majestade na condução do curso da história.


O Deus que intervém é o mesmo Deus que revela o que há de acontecer. Sim, tal como ocorre com Daniel, é perceptível, da parte de José, a ideia de que quem está á frente dos acontecimentos é Deus, e como soberano, em um ato de graça revelou ao Faraó os acontecimentos futuros. O sonho de Faraó é um só; o que Deus há de fazer, mostrou-o a Faraó (Gn 45. 25 ACF). E mais uma vez ele diz:o que Deus há de fazer, mostrou-o a Faraó (Gn 41. 28 ACF). Na percepção de José o sonho foi repetido duas vezes a Faraó, é porque esta coisa é determinada por Deus, e Deus se apressa em fazê-la (Gn 41. 32 ACF).

Marcelo Medeiros

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Não matarás



Ao se deparar com o mandamentos não matarás, é bem provável que o leitor da Bíblia se pergunte: qual é a extensão deste mandamento, ele alcança a radicalidade do pacifismo total, ou ele possui restrições (com isto, o que estou perguntando é: matar é terminantemente proibido, ou há ocasiões em que se permite matar)? Ao que me parece a Bíblia responde inicialmente esta questão com permissão do exercício da vingança ao sangue derramado, ou a pena capital. Mas qual é a extensão desta referida punição? Estas são algumas das perguntas que com a ajuda de Deus pretendo responder brevemente neste post. 
A ORIGEM DO ASSASSINATO

A primeira consideração que um estudioso da matéria, que pretenda entender a mesma à luz das Escrituras, precisa fazer, é a de que o assassinato é uma consequência do pecado. O primeiro relato bíblico de um homicídio é o de Caim e Abel, e me arrisco a dizer que se analisados os fatos à luz do direito moderno, ele se deu por motivos fúteis. A oferta do último fora aceita, ao passo que a do primeiro não, ele se irou e premeditadamente armou uma cilada para seu irmão no campo e o matou. Ao ser chamado por Deus e inquirido a respeito do seu irmão, este respondeu que não era guarda do mesmo (Gn 4. 1 - 10). 

Sabedor de que Abel fora morto, Deus amaldiçoa Caim. A maldição consiste em que a terra que bebeu o sangue de seu irmão não mais produziria de forma abundante ao assassino. A lição que fica aqui, e retornarei à mesma na sequencia deste estudo é a de que Deus não instituiu de imediato a pena de morte, pelo contrário, ele marcou Caim de forma tal que ninguém o tocasse. Seu castigo foi viver errante pela terra fugindo da presença de Deus (Gn 4. 11 - 16). No dizer dos sábios de Israel, o homem carregado do sangue de qualquer pessoa fugirá até à cova; ninguém o detenha (Pv 28. 17 ACF). Em outras palavras, o assassino atormentado pela culpa será fugitivo até a morte, que ninguém o proteja (Pv 28. 17 NVI). 

O caso de Caim convém ser estudado por ser o texto mais claro do Antigo Testamento que informa as motivações possíveis de um assassinato. Na interpretação do apóstolo joão as motivações deste fratricida estavam no seu interior, ele odiava seu irmão e por isto o matou (I Jo 3. 12ss). Voltando ao texto inicial, é de suma importância a percepção de que o agressor foi confrontado por Deus, que o indagou nos seguintes termos: 
porque estás irritado e porque teu rosto está abatido? Se estivesses bem disposto não levantarias a cabeça, não jaz o pecado à porta como um animal acuado que te espreita; podes acaso dominá-lo? (Gn 4. 6, 7 Bíblia de Jerusalém). 
O ódio de Caim à pessoa de Abel tinha suas motivações nos desejos que aquele trazia em relação a este. a ausência de domínio abre as portas para que o assassinato ocorra, daí que mesmo na dispensação da lei Deus diga: não terás no teu coração ódio pelo teu irmão. Deves repreender teu compatriota e, assim, não terás culpa pelo teu pecado. Não te vingarás, e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo (Lv 19. 17, 18 Bíblia de Jerusalém). 

Mas ao que tudo indica o pecado possui uma progressão, tanto que Lamec, descendente de Caim entrou nos anais da história sagrada como o homem que matou duas pessoas por motivos extremamente fúteis (Gn 4. 23). Este é o motivo pelo qual deus disse na lei: O derramamento de sangue profana a terra, e só se pode fazer propiciação em favor da terra em que se derramou sangue, mediante o sangue do assassino que o derramou (Nm 35. 33 NVI). 

Aqui, gostaria de chamar a atenção do leitor para o emprego de um verbo hebraico הַרְגֵֽ (harag), ferir com intenção de matar. Serve tanto para descrever o que Caim fez com Abel, quanto o que Lamec fez com os homens que matou. Os atos deles atingiram proporções exponenciais no período que antecedeu o dilúvio, dando assim origem à pena capital. 

A PENA CAPITAL

Após o dilúvio Deus disse para Noé as seguintes palavras: 
A todo que derramar sangue, tanto homem como animal, pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo. "Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado (Gn 9. 5, 6 NVI). 
O que se percebe aqui?

  1. De agora em diante a desculpa de Caim não cola mais, visto que Deus pede a cada ser humano contas pela vida do seu próximo. 
  2. Quem derramar sangue do seu próximo, terá o próprio sangue derramado, visto que o derramamento de sangue profana a terra (Nm 35. 33), e para a expiação da mesma requer que sangue seja derramado. 
  3. É na imagem que o homem traz de Deus que está a base para a dignidade humana, bem como da inviolabilidade da vida. 
Isto significa que o texto, por si só constitua base sólida para e pena capital? De forma alguma! Perceba pelo texto que a pena é um mero instrumento pelo qual Deus pede contas pela vida que foi extirpada de forma violenta e pecaminosa. Este foi, por exemplo, o caso de Joabe, general do exército de Davi, 
Quando a notícia chegou a Joabe, que havia conspirado com Adonias, ainda que não com Absalão, ele fugiu para a Tenda do Senhor e agarrou-se às pontas do altar. Foi dito ao rei Salomão que Joabe havia se refugiado na Tenda do Senhor e estava ao lado do altar. Então Salomão ordenou a Benaia, filho de Joiada: "Vá matá-lo! " Então Benaia entrou na Tenda do Senhor e disse a Joabe: "O rei lhe ordena que saia". "Não", respondeu ele, "Vou morrer aqui". Benaia relatou ao rei a resposta de Joabe. Então o rei ordenou a Benaia: "Faça o que ele diz. Mate-o e sepulte-o, e assim você retirará de mim e da minha família a culpa do sangue inocente que Joabe derramou. O Senhor fará recair sobre a cabeça dele o sangue que derramou: ele atacou dois homens mais justos e melhores do que ele, sem o conhecimento de meu pai Davi, e os matou à espada. Os dois homens eram Abner, filho de Ner, comandante do exército de Israel, e Amasa, filho de Jéter, comandante do exército de Judá (I Rs 2. 28 - 32 NVI). 
Neste texto, Joabe foi morto por ter matado (e isto em tempo de guerra civil), de forma covarde a Abner, quando este tentava fazer aliança com Davi (II Sm 3. 26). Neste caso, o assassino tem de ser morto mesmo que esteja agarrado à ponta do altar (Ex 21. 14), não bastasse isto, Joabe também tinha em sua conta a morte traiçoeira de Amasa (II Sm 20. 10).  Pode-se dizer que no caso de Joabe, foi usada a forma jurídica e a aplicação penal, mas não foi este o caso do rei Joás. 

A história deste é muito simples. Ele foi um sobrevivente de uma conspiração de Atalia para tomar o trono, mas ainda era muito novo quando começou a reinar, e assim sendo recebeu suporte de Joiada, o sumo sacerdote, mas quando o sacerdote morreu ele atendeu aos líderes do povo e com isto voltou às práticas idolátricas. Durante este período, Deus levanta o filho de Joiada como profeta para repreender ao povo, veja:
Então o Espírito de Deus apoderou-se de Zacarias, filho do sacerdote Joiada. Ele se colocou diante do povo e disse: "Isto é o que Deus diz: ‘Por que vocês desobedecem aos mandamentos do Senhor? Vocês não prosperarão. Já que abandonaram o Senhor, ele os abandonará’ ". Mas, alguns conspiraram contra ele e, por ordem do rei, apedrejaram-no até à morte no pátio do templo do Senhor. O rei Joás não levou em conta que Joiada, pai de Zacarias, tinha sido bondoso com ele, e matou o seu filho. Este, ao morrer, exclamou: "Veja isto o Senhor e faça justiça! "  (II Cr 24. 20 - 22 NVI)
A falta de pulso por parte do rei, de gratidão para com um descendente de um sacerdote que o apoiou, e a deliberação covarde já são, por si sós, causa de repugnância ao ato em si, mas o mais interessante foi o clamor do justo "Veja isto o Senhor e faça justiça! ". Segundo a Bíblia, Deus é: Aquele que pede contas do sangue derramado não esquece; ele não ignora o clamor dos oprimidos (Sl 9. 12 NVI). E foi o que aconteceu com Joás, que após uma batalha contra os arameus, ficou 
seriamente ferido. Seus oficiais conspiraram contra ele, porque ele tinha assassinado o filho do sacerdote Joiada, e o mataram em sua cama. Assim ele morreu e foi sepultado na cidade de Davi, mas não nos túmulos dos reis. Os que conspiraram contra ele foram Zabade, filho da amonita Simeate, e Jeozabade, filho da moabita Sinrite (II Cr 24. 25, 26 NVI). 
Perceba que o texto sagrado liga a morte de Joás à conspiração que este fizera contra o filho do sacerdote Joiada, ou seja, Deus mesmo aplicou, à sua maneira a pena capital. O vingador גֹּאֵ֣ל (go'el) é devidamente regulamentado em Nm 35. 19 - 28, sendo que a vingança somente poderia ser exercida em casos nos quais a intenção de matar, ou o risco presumido ficasse evidenciado, ou mediante o depoimento de duas, ou mais testemunhas. 

Mas o fato inconteste é que em alguns casos o próprio Deus se coloca como  גֹּאֵ֣ל (go'el), vingador. Isto é visto, por exemplo no caso em que Deus mesmo se levanta contra Abimeleque para vingar os setenta filhos de Gideão que ele matou. 
Fazia três anos que Abimeleque governava Israel, quando Deus enviou um espírito maligno entre Abimeleque e os cidadãos de Siquém, e estes agiram traiçoeiramente contra Abimeleque. Isso aconteceu para que o crime contra os setenta filhos de Jerubaal, o derramamento do sangue deles, fosse vingado em seu irmão Abimeleque e nos cidadãos de Siquém que o ajudaram a assassinar os seus irmãos (Jz 9. 22 - 24 NVI). 
O desfecho da história em apreço foi o mais simples possível, ele morreu ferido por uma pedra lançada por uma mulher do alto de uma torre, ainda agonizante suplicou ao seu escudeiro que terminasse o trabalho, para que a honra de sua morte não fosse dada a uma mulher. Assim Deus retribuiu a maldade que Abimeleque praticara contra o seu pai, matando os seus setenta irmãos. Deus fez também os homens de Siquém pagarem por toda a sua maldade. A maldição de Jotão, filho de Jerubaal, caiu sobre eles (Jz 9. 56, 57 NVI).  

Minha conclusão a respeito da pena capital é a de que nem sempre esta é aplicada por homens, e em alguns casos os homens,por pura graça são isentos desta, este foi o caso de Davi. Creio que não cabe ao crente a defesa da pena capital, por parte do Estado, visto ser este um instrumento falho, e que em casos específicos a Bíblia fala de graça, de perdão, de absolvição, como no caso de Davi. 

NÃO MATARÁS

Ao resumir a aliança que fez com Israel, nas estepes do Sinai, Deus ordena definitivamente não matarás (לֹ֥֖א תִּֿרְצָֽ֖ח׃ [lo tirashah]), sendo que o verbo רְצָֽ֖ח׃ (rashah) é usualmente empregado para um assassinato premeditado. com isto fica claro que antes de se consumar como prática, o homicídio existe enquanto sentimento, intenção, ou predisposição. Tal fica claro na medida em que se lê o seguinte texto:
Quem ferir um homem, vindo a matá-lo, terá que ser executado. Todavia, se não o fez intencionalmente, mas Deus o permitiu, designei um lugar para onde poderá fugir. Mas se alguém tiver planejado matar outro deliberadamente, tire-o até mesmo do meu altar e mate-o (Ex 21. 12 -14)
Somente o assassinato que não fosse premeditado, seria isento da vingança. Mas ao que parece ferir, não é a única forma de se assassinar. Ao que tudo indica, falsas acusações também era um modo de matar uma pessoa inocente, daí a recomendação divina: Não se envolva em falsas acusações nem condene à morte o inocente e o justo, porque não absolverei o culpado (Ex 23. 7 NVI).  

Um exemplo prático desta prática foi o de Nabote, que por ter recusado vender sua vinha para Acabe, sofreu falsas acusações da parte de jovens vadios (I Rs 21. 1 - 13). o desfecho? Deus mesmo executou juízo contra Jezabel, Acabe, e toda a sua casa (I Rs 21. 19, 20). O mesmo se deu em relação a Jesus, que foi condenado com base no testemunho de falsas testemunhas (Mt 27. 4ss). 

O ensino do Novo Testamento ratifica o respeito á vida, mas Jesus indica que na ira e na amargura estão a raiz do homicídio (Mt 5. 21, 22), ou seja, antes de ser um problema legal, jurídico, o assassinato é psicológico, pois procede do coração humano (Mt 15. 18 - 20). Aqui observa-se aquilo que Deus disse para Caim, o teu desejo será contra ti

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Honrarás Pai e Mãe



Para o autor das lições da Escola Bíblica Dominical o mandamento de honrar pai e mãe é o elo de ligação entre os mandamentos que expressam amor a Deus, e os que exprimem o amor ao próximo. A honra aos progenitores, ou àqueles que possuem a tutela, é um indício de amor à Deus, visto que por meio da relação pais e filhos, se sujeita à autoridade, que é um princípio divino. Quando se honra pai e mãe, o amor é demonstrado de forma efetiva, isto porque como bem observou Deus não ordenou simplesmente a obediência aos pais, mas que os mesmos fossem honrados. É possível obedecer e odiar, mas é inviável odiar e honrar.

PATERNIDADE DIVINA, O PRINCÍPIO DA AUTORIDADE

Tanto a religião judaica, quanto a cristã baseiam seus relacionamentos com Deus na interpessoalidade. Neste sentido Deus é comparado com Pai. Ao falar de Salomão para Davi, Iahweh lhe disse:  Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; e, se vier a transgredir, castigá-lo-ei com vara de homens, e com açoites de filhos de homens (II Sm 7. 14 ACF). Perceba que Deus castiga tão somente aqueles a quem ama (Ap 3. 19).


Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo (Sl 68. 5 ACF). Quando se fala em Deus como pai dos órfãos, com isto o autor quer dizer que Ele defende a causa do órfão e da viúva e ama ao estrangeiro, dando - lhe alimento e roupa (Dt 10. 18 NVI). Todo Israel é filho de Deus, mas como tais ninguém do povo tem o direito de oprimir a quem quer que seja do mesmo povo. Neste caso, ele se levanta como um Pai para defender o filho indefeso.


Ao falar de Davi, Deus disse que após o mesmo experimentar livramentos de sua parte, este o chamaria dizendo: Tu és meu pai, meu Deus, e a rocha da minha salvação (Sl 89. 26 ACF). Da mesma forma que um filho encontra amparo no seu pai, o salmista encontra amparo e abrigo em Deus.

Perceba caro leitor, que não há como exprimir a compaixão e afeição divina, sem que se recorra à figura do pai. É mais do que óbvio que tais expressões são antropomórficas, ou antropopáticas (em outras palavras, expressões que atribuem sentimentos e formas humanas a Deus). Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem. Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó (Sl 103. 13, 14 ACF).

Perceba que mesmo para falar da oração, Jesus recorre à figura do Pai, para demonstrar que tal como o pai que sempre busca atender o filho em sua necessidade, Deus atende às nossas orações (Mt 7. 7 - 11). Sendo que neste caso fica estabelecido um princípio, por pior que seja o pai, ele sempre se esforçará em dar coisas boas aos seus filhos, e aqui está o que considero o maior fundamento da obediência dos filhos aos pais.

A EXTENSÃO DO QUINTO MANDAMENTO


De acordo com o autor da lição de Escola Bíblica Dominical, o mandamento de se honrar pai e mãe se estende a toda relação de autoridade, incluindo: os pais espirituais, o que é exemplificado na 1) relação de Eliseu e Elias (II Rs 2. 12), 2) Paulo e Timóteo (I Tm 1. 2; II Tm 1. 2), 3) Paulo e Tito (Tt 1. 14); os pais intelectuais.


Fato é que aquele que é instruído deve repartir em tudo com aquele que o instrui (Gl 6. 6), se o que acabei de escrever lhe deu algum nó, entenda que o verbo honrar, nas línguas originais da Bíblia não se restringe à dignificação, e a distinção conferidas a quem se atribui honradez. Honra (kabed [כַּבֵּ֥ד], ou tima [τιμα]) aqui, equivale a remuneração, ou ajuda de custa. Abordo melhor este assunto aqui, aqui, e aqui. O fato é que esta ligação entre os verbetes originais e a ajuda de custo fica mais pontual quando se depara com a crítica de Jesus aos fariseus.
E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição. Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou o pai ou a mãe, certamente morrerá. Vós, porém, dizeis: Se um homem disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta ao Senhor; Nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas (Mt 7. 9 - 13 ACF). 
Perceba que neste texto Jesus considera a honra ao pai e à mãe como ajuda, da qual dentro do esquema farisaico o filho poderia escapar, caso afirmasse que o que estava destinado à ajuda era oferta ao Senhor. Logo, conforme pontuado acima, o verbo honrar, na verdade é ajudar, até porque o termo Kabod [כָּ֫בֹ֥וד], de onde vem a expressão glória, pode significar, entre outras coisas, preciosidades, ouro, ou peso mesmo. 

APROFUNDANDO A QUESTÃO DA HONRA AOS PAIS E DO SUSTENTO

Na seção três da revista, ao falar de sustento dos pais, o autor apela aos sucessivos exemplos das Sagradas Escrituras para firmar seu ponto de vista, ao meu ver corretíssimo. Paulo fez uma abordagem primorosa a respeito desta questão, em sua primeira carta à Timóteo, mesmo admitindo que ele estava falando da situação das viúvas, é possível extrair dali algum princípio a este respeito. 
Honra as viúvas que verdadeiramente são viúvas. Mas, se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus. Ora, a que é verdadeiramente viúva e desamparada espera em Deus, e persevera de noite e de dia em rogos e orações; Mas a que vive em deleites, vivendo está morta. Manda, pois, estas coisas, para que elas sejam irrepreensíveis. Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel (I Tm 5. 3 - 8 ACF). 
O que se pode inferir do texto?
  1. Em consonância com o ensino do antigo testamento, as viúvas deveriam de serem honradas pelo ministro.  
  2. Esta honra envolve remuneração e ajuda mesmo, conforme visto na expressão  τιμα. 
  3. Existem critérios claros para se definir o que é uma viúva com condições de ser inscrita no programa de ajuda da Igreja. 
  4. Esta viúva, deveria contar exclusivamente com Deus, e viver em rogos e em orações. 
  5. Não poderia ser nova e viver em deleites. 
  6. Quanto às viúvas que tivessem filhos e netos, estas deveriam ser amparadas pela família. 
  7. É precisamente neste ponto que o ensino Paulo tem a contribuir para o presente estudo. 
De que forma?
  1. O texto diz claramente: se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus (I Tm 5. 4 ACF), em outras palavras os filhos devem recompensar os seus pais. 
  2. Em recompensar os pais, o filho está vivenciando o legítimo exercício da piedade. 
  3. Quem não se comporta de tal forma tem negado a fé e de acordo com o texto é pior do que o infiel. 
  4. Estas recomendações estão sendo feitas em plena dispensação da graça de Deus, e tem de ser observada por cristãos que não desejem ter tal sentença sobre sua vida. 
Não observar o mandamento da forma que foi abordada neste texto traz ao ouvinte o risco de estar sob maldição? Creio que sim. Perceba que ao citar o mandamento de honrar pai e mãe, Jesus o ligou à citação de Ex 21. 17, mostrando a equivalência das duas transgressões, a da omissão quando à ajuda e a o ato de amaldiçoar os progenitores. 

O novo Testamento reafirma o mandamento da ajuda aos pais, mas também impõe a obediência dos filhos aos mesmos, visto que para Paulo este é o primeiro mandamento com promessa. Sem tais diretrizes o caos social se instala na sociedade. Hoje tem sido cada vez mais comum agressões à pais, professores, alunos, e tais fatores são indicadores de que paira uma crise de autoridade na sociedade, e creio que o Evangelho de Cristo, e tão somente este é a saída para tal. 

Marcelo Medeiros. 


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Doações Milionárias são Altruístas?




Em minhas olhadas na página inicial do facebook, vi mais uma destas provocações entre ateus e cristãos. Tudo por causa da notícia publicada pelo casal Zuckerberg, de uma doação de setenta e cinco milhões de dólares, aproximadamente 200 milhões (valores em reais) a um hospital [aqui]. Nenhum problema com o fato do fundador do facebook ser ateu, milionário e poder doar "desinteressadamente" quantos milhões ele quiser. Mas quando ateus usam isto como trunfo para rebaterem cristãos, pelo simples fato de alguns deles afirmarem que o ateísmo exclui a moralidade aí a discussão se perde em uma brincadeira infantil do tipo o meu é maior. É assim mesmo que vejo. 

Em uma comunidade do facebook, um outro ateu chegou a fazer gozação. Curiosamente é uma comunidade que tem como propósito o debate religioso e filosófico. Agora acompanhe comigo. Um milionário cuja fortuna está avaliada em torno dos seus trinta e quatro bilhões de dólares, e que doa setenta e cinco milhões (bem menos de um por cento de sua fortuna) pode ser considerado altruísta? 

Com a pergunta eu não estou necessariamente descredenciando a ação do mesmo. Na verdade o homem que produz riqueza e a reparte cumpre o seu papel no mandato cultural, a saber: a distribuição de riqueza e mesmo sendo ateu indiretamente ele glorifica sim a Deus. Mas como disse C. S. Lewis nem mesmo o mais descrente que possui uma moral mais elevada do que a de um cristão tem do que se gloriar diante de Deus, visto que se assim fizesse estaria se gloriando de algo que não advém dele, mas de Deus.

Além do mais, diante de Deus o altruísmo é melhor expresso quando quem tem dois casacos doa um para alguém; quando quem está com uma quentinha deixa de comer mais para poder repartir com quem está faminto; quando quem possui somente cinquenta reais no bolso divide com quem está precisando entregar um currículo. Aí sim, se vê o verdadeiro espírito filantrópico. Um exemplo clássico é o de Zaqueu, que após seu encontro com cristo, se dispôs a dar metade de seus bens aos pobres.

Encerro este post com as palavras de um ateísta que publicou a doação de Mark Zuckerberg.
 Obviamente que a descrença à priori não serve como atestado de bom caráter a ninguém — tampouco a crença. Só não faz sentido demonizar os ateus por serem ateus, como tem feito o papa e tantos outros. Isso deve ser rechaçado porque é preconceito a serviço da pregação religiosa [aqui]. 
Eu acrescentaria que ateus também poderiam demonstrar maturidade neste processo de diálogo com os cristãos e demais religiosos. Forte abraço, Marcelo Medeiros. 

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Santificarás o Sábado



Dos mandamentos do decálogo, nove possuem caráter normativo, e apenas um funciona como uma forma de memorial. Este é o mandamento referente ao sábado. As palavras de Deus para Moisés foram: lembra-te do dia de sábado para o santificar (Ex 20. 8 ARA). O sábado deveria de ser posto à parte. Mais ainda, ele marcaria o relacionamento de Deus com Israel. Mesmo assim, não ha indícios de que Adão, Noé, e os demais patriarcas tenham guardado o sábado. Todavia, este mandamentos tem se tornado o cavalo de batalha na relação entre crentes históricos e grupos sectários. Daí a necessidade de reflexão sobre este mandamento. 

O SÁBADO NA CRIAÇÃO
E, havendo Deus terminado no dia sétimo da sua obra, que fizera, descansou neste dia de toda a sua obra que havia feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou. Porque nele descansou de toda obra que como criador fizera (Gn 2. 2, 3 ARA). 
O texto em língua vernácula afirma que Deus descansou, e quando descansou, ao terminar toda a sua obra que havia feito. Descansou porque se sentiu cansado? De forma alguma! Aqui se pode recorrer à fala de Isaías, que diz: não sabes, não ouvistes, que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos confins da terra, nem se cansa, nem se fadiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento (Is 40. 28 ARA). 

A expressão nayekal [וַיְכַ֤ל], é flexão do verbo kalah, cujo sentido é o de completar, preparar, consumar, fazer cessar. Ao concluir a sua obra Deus descansou, mas não descansou em um mundo caído, manchado pelo pecado, mas em um cosmos ainda permeado pela ordem. Foi por este motivo que Santo Agostinho (citado com extrema propriedade pelo autor da lição), viu aqui um prelúdio do descanso final, reservado aos santos na regeneração de todas as coisas. 
Ora o sétimo dia não tem crepúsculo. Não possui ocaso, porque Vós o santificastes para  permanecer eternamente. Aquele descanso com que repousastes no sétimo dia após tantas obras excelentes e sumamente boas - as quais realizastes sem fadiga - significa-nos, pela palavra de vossa Escritura, que também nós depois de nossos trabalhos, que são bons, porque no-los concedeste, descansaremos em Vós, no sábado da vida eterna (Confissões, Livro XIII, 36. 51). 
Partindo da omissão, dos autores sagrados, da frase houve tarde e manhã, e [...]  Agostinho conjectura que o sábado da primeira criação era um símbolo do descanso final. Partindo das elucubrações deste pensador, entendo aqui que o sábado inicial tinha este caráter também, e que cessou quando o homem pecou e se alienou de Deus. 

Para Agostinho, o Deus que age e opera em nós, finalmente descansará em nós. Para este gigante da era patrística tanto o agir, quanto o descansar provinham de Deus. Assim, o descanso somente é pleno na medida em que o homem se relaciona com Deus de forma íntima e confiante, e na eternidade este relacionamento jamais cessará. 

O SÁBADO E ISRAEL NO DESERTO

Não há registro bíblico de que os patriarcas tenham guardado o sábado. Ele somente irá aparecer na vida dos israelitas em decorrência da provisão do maná no deserto. Por todos os dias da semana o povo colhia do maná somente o que lhe dava para a subsistência, ao passo que no sábado eram colhidas duas porções, a do dia, e do dia seguinte. Depois do maná, Deus o institucionaliza no Sinai. Assim, 
Ao sexto dia, colheram pão em dobro, dois gômeres para cada um; e os principais da congregação vieram e contaram a Moisés. Respondeu-lhes ele: isto é o que disse o Senhor: amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor; o que quiserdes cozer no forno cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água, tudo o que sobrar separai para a manhã seguinte. E guardaram-no até a manhã seguinte, como Moisés ordenara; e não cheirou mal, nem deu bichos. Então disse Moisés, comei-o hoje, porquanto o sábado é do Senhor; hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo é o sábado, nele não haverá (Ex 16. 22 - 26 ARA). 
Neste contexto o descanso do sábado representa a confiança na providência divina, que restringe o homem do trabalho excessivo visando acúmulo de bens (neste caso representado pelo maná, que nos demais dias não durava até o dia seguinte). Aqui se desenham as primeiras lições do Evangelho de Cristo. A providência é diária, o pão, é de cada dia, o que se acumula apodrece. A única exceção é o sábado. Na véspera deste a medida é em dobro, indicando com isto que a única justificativa para o acúmulo é a fruição sadia, conforme delineado no livro de Eclesiastes [aqui]. 

Conforme subtendido na fala de Santo Agostinho, o Deus que trabalha em nós (emprego o pronome na primeira pessoa, visto que os autores citados assim o fazem), no qual nos movemos e existimos, é o mesmo do qual Isaías fala. Fato é que desde a antiguidade não se ouviu, nem com os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu, Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera (Is 64. 4 ARA). O mesmo Deus que ordenou o trabalho para o homem, o convida ao descanso reparador. A esta altura convém ver de perto o sábado e a lei. 

O SÁBADO E A LEI

Na lei, especificamente no decálogo, o sábado aparece enquanto instituição divina. Eis as palavras que Deus disse á Moisés do meio da tempestade:
Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas de dentro, porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou (Ex 20. 8 - 11 ARA). 
Além do descanso auto imposto, o mandamento do sábado é estendido a todas as esferas de relacionamento do judeu. Para ver mais a respeito do sentido do trabalho na Bíblia, veja este artigo aqui. Perceba que a ênfase do mandamento não está na ociosidade, mas no ócio reparador, que permite ao homem continuar sua atividade criadora por meio do trabalho, esta é a primeira questão. a segunda é que o sentido de trabalho equivale a sofrimento, lembrando da punição dada ao homem no Édem (Gn 3. 19 ss). Não se irrite caro leitor, pois a lei diz que o sábado é sinal de uma aliança entre Iahweh e seu povo, leia:
Tú pois falarás aos filhos de Israel e lhes dirás: : certamente guardareis os meus sábados; pois, é sinal entre mim e vós nas vossas gerações, para que saibais que EU SOU o senhor que vos santifica. Portanto guardarei o sábado, porque é santo para vós outros; aquele que o profanar morrerá, pois qualquer que fizer nele alguma obra será eliminado do meio do seu povo. Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia, é o sábado de repouso solene, santo ao Senhor, qualquer que no dia de sábado fizer alguma obra morrerá. Pelo que os filhos de Israel guardarão o sábado, celebrando-o por aliança perpétua  nas suas gerações. Entre mim e os filhos de Israel , é sinal é sinal para sempre, porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e, no sétimo dia descansou, e tomou alento (Ex 31. 13 - 17 ARA). 
Neste contexto o sábado é o corolário da aliança de Deus com o seu povo na antiga dispensação, é estatuto perpétuo entre Deus e Israel, exclusivamente, não sendo imposto aos gentios sequer pela Igreja de Jerusalém, ou por Paulo em qualquer de suas cartas. Sendo mencionado nos Evangelhos em razão da controvérsia entre Jesus e os fariseus. 

O SÁBADO NO CONTEXTO DO EVANGELHO

A guarda do sábado conforme visto até aqui é o corolário de uma vida pautada na obediência aos mandamentos e na confiança na provisão divina. O problema é que a lei que foi dada para a graça foi transformada em mérito pelo homem, e os fariseus são os principais responsáveis por este mal entendido. Na verdade em razão da cobiça humana, os mandamentos se tornaram inviáveis, inviabilizando com isto o descanso sabático. 

Mais do que isto, na controvérsia entre Jesus e os fariseus, o sábado aparece como empecilho para a realização da obra do reino de Deus. O caso de uma mulher que andava encurvada pela ação de um demônio é emblemático, o mesmo se pode dizer de um homem que foi á casa de um fariseu, para lá ser curado por Jesus (Lc 13. 10 - 17; 14. 1 - 5). A lição que fica é que se a lei é distorcida, ou enfraquecida pela carne, o sábado se anula. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

Como Vejo o Interesse Pela Fé Reformada no Brasil



Escrevi recentemente a respeito do crescente interesse dos crentes brasileiros, inclusive pentecostais, pela fé reformada. Fato este que vejo com profunda alegria [aqui]. Não se trata de querer calvinizar a assembleia de Deus, e muito menos de discutir questões loucas, mas de alegrar-se por ver ventos de renovação teológica em nosso país. 

Do pouco que estudei em história da Igreja, pode observar a controvérsia de Agostinho com Pelágio, seguida das tentativas de síntese das assertivas agostinianas com as pelagianas, que voltaram ao cenário cristão no contexto da reforma (um retorno à teologia agostiniana), e no movimento da contra reforma (que levou católicos a aderirem o semi pelagianismo, possivelmente em razão da influência da companhia de Jesus). 

O surgimento do arminianismo, e mais especificamente o processo de radicalização das ideias de Iakobus Arminius (algo que foi obra dos seguidores do mesmo), o retorno do pelagianismo com toda força nas pregações e Teologia de Charles Finney, e a ascensão do liberalismo teológico como alternativa a série contínua de controvérsias, contribuíram para o sucessivo descrédito na teologia. 

O liberalismo Teológico, é um filho da teologia com os ideias iluministas. É o resultado de uma tentativa de aplicar a metodologia científica  à produção teológica, de forma a produzir um conhecimento tão indubitável quanto o das ciências naturais. A descrença no elementos sobrenatural da Bíblia é tão somente uma consequência da adoção de pressupostos naturalistas e deístas na produção teológica liberal. 

O leitor me perdoe o exagero, mas o Brasil vivia um estranho processo. Eu diria que influenciado pelo que há de pior na teologia evangelicalista americana, o pelagianismo foi excessivamente absorvido, e de outro lado, o amplo crescimento do liberalismo teológico nos seminários. Este último fez com que muitos crentes marginalizassem a Teologia, visto que a mesma foi transformada em ferramente crítica, ao invés de em um mapa que auxilia na leitura da Bíblia. E a Estranha mistura de pelagianismo com semi pelagianismo?

O discurso do mérito predominou, principalmente nas Igrejas pentecostais e neopentecostais. Pasme, mas mesmo a Bíblia dizendo: pela graça sois salvos [...], não foram poucas as vezes que ouvi, temos de trabalhar pela nossa salvação, quando Paulo diz: ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas como dívida, todavia aquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, a sua fé lhe é creditada como justiça (Rm 4. 4, 5 NVI). 

Sucessivas vezes ouvi de pregadores a seguinte frase: você ainda não está salvo, algo que enquanto teologia não sei expressar o que é, dado o caráter aberrante e antibíblico. Jesus disse que todo aquele ouve as suas palavras e crê naquele que o enviou já está salvo, passou da morte para a vida (Jo 5. 24 [paráfrase]). Já era hora de mudar mesmo.

Embora Reformado por convicção, não creio que um processo de luteranização, ou de calvinização resolverá o problema. O interesse pela teologia reformada é fruto de leitura e reflexão, que ao meu ver se ampliará cada vez mais em razão da ampla literatura, da disponibilização das obras em mídias digitais, e da crescente discussão, e o caminho é o mover do espírito, que trará bom senso para que as pessoas vejam a consistência bíblica da Teologia da Reforma. As discussões, os fóruns, podem ser de máximo proveito desde que a coerência fale, e nunca a soberba. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O Crescente Interesse pela Fé Reformada Entre Pentecostais



É com grande alegria que li a declaração de Geremias do Couto a respeito de sua posição teológica como Calvinista. Falo isto, porque á semelhança deste expoente, fui atraído pela Teologia Reformada desde a adolescência. Mas nunca encontrei apoio, ou anuência entre os meus colegas de denominação, chegando inclusive a ouvir de alguns que se minhas convicções não se alinhavam com o pensamento denominacional, se é que isto de fato exista, deveria sair da denominação. E de fato, cheguei a pensar assim algumas vezes, até que li um artigo no qual o Reverendo Augustus Nicodemus Lopes expunha o outro lado da moeda [aqui].

De acordo com o artigo em apreço, os grandes reformadores jamais pretenderam sair da Igreja, eles tinham em mente reformar a mesma por dentro. Além disto, os reformados (com exceção do período inicial, dada à estranheza das práticas pentecostais) sempre viram nos mesmos irmãos em Cristo. Resumindo: um crente reformado somente deve deixar sua denominação, se e tão somente se ele for obrigado a isto, se as relações se tornarem insustentáveis, e ele for convidado a fazer isto. Enquanto isto o crente de convicção reformada deve se esmerar para com mansidão e temor, dar aos demais irmãos as razões de suas convicções. 

A despeito, da sábias colocações vi alguns nomes de extrema sensatez deixarem a Assembléia de Deus, e honestamente, lamento por isto. Depois de mais de dez anos, tenho tido o meu interesse renovado em leitura reformada, MacArthur, Piper, Wascher, Owen, e creio na importância do papel doutrinário, apologético e polemista destes autores. Todavia, oro a Deus para que as mentes que de fato influenciam e formam pensamento sejam despertadas, senão para o Calvinismo, ao menos para o diálogo pacífico. 

Não faltam na rede comentários demonizando a CPAD pela publicação de obras calvinistas [aqui], dentre as quais o clássico Verdade Absoluta, de autoria de Nancy Pearcey, que segundo alguns é uma autora Calvinista. Por outro lado alguns comentários ao artigo Os Calvinistas estão Chegando, não são nada agradáveis, visto trazerem no seu bojo a ideia falsa de que um pentecostal não pode aderir às doutrinas da Reforma. 

Aos pseudo arminianos, que gostam de demonizar os calvinistas e juntamente com estes as suas obras digo: que ao menos se esforcem em ler uma obra de Spourgeon, Piper, ou quem sabe Verdade Absoluta da autora supra citada, para saber do que de fato falam. Aos irmãos reformados membros de igrejas históricas, que atentem para os comentários do Pastor Geremias do Couto, onde o mesmo expõe a fragilidade do pensamento que afirma a incompatibilidade entre a fé reformada e o pentecostalismo (em outro artigo, neste mesmo espaço, procurarei aprofundar mais esta questão). 

Abraços Calvinistas Cristãos, continuístas assembleianos, Marcelo Medeiros. 
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