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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Não matarás



Ao se deparar com o mandamentos não matarás, é bem provável que o leitor da Bíblia se pergunte: qual é a extensão deste mandamento, ele alcança a radicalidade do pacifismo total, ou ele possui restrições (com isto, o que estou perguntando é: matar é terminantemente proibido, ou há ocasiões em que se permite matar)? Ao que me parece a Bíblia responde inicialmente esta questão com permissão do exercício da vingança ao sangue derramado, ou a pena capital. Mas qual é a extensão desta referida punição? Estas são algumas das perguntas que com a ajuda de Deus pretendo responder brevemente neste post. 
A ORIGEM DO ASSASSINATO

A primeira consideração que um estudioso da matéria, que pretenda entender a mesma à luz das Escrituras, precisa fazer, é a de que o assassinato é uma consequência do pecado. O primeiro relato bíblico de um homicídio é o de Caim e Abel, e me arrisco a dizer que se analisados os fatos à luz do direito moderno, ele se deu por motivos fúteis. A oferta do último fora aceita, ao passo que a do primeiro não, ele se irou e premeditadamente armou uma cilada para seu irmão no campo e o matou. Ao ser chamado por Deus e inquirido a respeito do seu irmão, este respondeu que não era guarda do mesmo (Gn 4. 1 - 10). 

Sabedor de que Abel fora morto, Deus amaldiçoa Caim. A maldição consiste em que a terra que bebeu o sangue de seu irmão não mais produziria de forma abundante ao assassino. A lição que fica aqui, e retornarei à mesma na sequencia deste estudo é a de que Deus não instituiu de imediato a pena de morte, pelo contrário, ele marcou Caim de forma tal que ninguém o tocasse. Seu castigo foi viver errante pela terra fugindo da presença de Deus (Gn 4. 11 - 16). No dizer dos sábios de Israel, o homem carregado do sangue de qualquer pessoa fugirá até à cova; ninguém o detenha (Pv 28. 17 ACF). Em outras palavras, o assassino atormentado pela culpa será fugitivo até a morte, que ninguém o proteja (Pv 28. 17 NVI). 

O caso de Caim convém ser estudado por ser o texto mais claro do Antigo Testamento que informa as motivações possíveis de um assassinato. Na interpretação do apóstolo joão as motivações deste fratricida estavam no seu interior, ele odiava seu irmão e por isto o matou (I Jo 3. 12ss). Voltando ao texto inicial, é de suma importância a percepção de que o agressor foi confrontado por Deus, que o indagou nos seguintes termos: 
porque estás irritado e porque teu rosto está abatido? Se estivesses bem disposto não levantarias a cabeça, não jaz o pecado à porta como um animal acuado que te espreita; podes acaso dominá-lo? (Gn 4. 6, 7 Bíblia de Jerusalém). 
O ódio de Caim à pessoa de Abel tinha suas motivações nos desejos que aquele trazia em relação a este. a ausência de domínio abre as portas para que o assassinato ocorra, daí que mesmo na dispensação da lei Deus diga: não terás no teu coração ódio pelo teu irmão. Deves repreender teu compatriota e, assim, não terás culpa pelo teu pecado. Não te vingarás, e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo (Lv 19. 17, 18 Bíblia de Jerusalém). 

Mas ao que tudo indica o pecado possui uma progressão, tanto que Lamec, descendente de Caim entrou nos anais da história sagrada como o homem que matou duas pessoas por motivos extremamente fúteis (Gn 4. 23). Este é o motivo pelo qual deus disse na lei: O derramamento de sangue profana a terra, e só se pode fazer propiciação em favor da terra em que se derramou sangue, mediante o sangue do assassino que o derramou (Nm 35. 33 NVI). 

Aqui, gostaria de chamar a atenção do leitor para o emprego de um verbo hebraico הַרְגֵֽ (harag), ferir com intenção de matar. Serve tanto para descrever o que Caim fez com Abel, quanto o que Lamec fez com os homens que matou. Os atos deles atingiram proporções exponenciais no período que antecedeu o dilúvio, dando assim origem à pena capital. 

A PENA CAPITAL

Após o dilúvio Deus disse para Noé as seguintes palavras: 
A todo que derramar sangue, tanto homem como animal, pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo. "Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado (Gn 9. 5, 6 NVI). 
O que se percebe aqui?

  1. De agora em diante a desculpa de Caim não cola mais, visto que Deus pede a cada ser humano contas pela vida do seu próximo. 
  2. Quem derramar sangue do seu próximo, terá o próprio sangue derramado, visto que o derramamento de sangue profana a terra (Nm 35. 33), e para a expiação da mesma requer que sangue seja derramado. 
  3. É na imagem que o homem traz de Deus que está a base para a dignidade humana, bem como da inviolabilidade da vida. 
Isto significa que o texto, por si só constitua base sólida para e pena capital? De forma alguma! Perceba pelo texto que a pena é um mero instrumento pelo qual Deus pede contas pela vida que foi extirpada de forma violenta e pecaminosa. Este foi, por exemplo, o caso de Joabe, general do exército de Davi, 
Quando a notícia chegou a Joabe, que havia conspirado com Adonias, ainda que não com Absalão, ele fugiu para a Tenda do Senhor e agarrou-se às pontas do altar. Foi dito ao rei Salomão que Joabe havia se refugiado na Tenda do Senhor e estava ao lado do altar. Então Salomão ordenou a Benaia, filho de Joiada: "Vá matá-lo! " Então Benaia entrou na Tenda do Senhor e disse a Joabe: "O rei lhe ordena que saia". "Não", respondeu ele, "Vou morrer aqui". Benaia relatou ao rei a resposta de Joabe. Então o rei ordenou a Benaia: "Faça o que ele diz. Mate-o e sepulte-o, e assim você retirará de mim e da minha família a culpa do sangue inocente que Joabe derramou. O Senhor fará recair sobre a cabeça dele o sangue que derramou: ele atacou dois homens mais justos e melhores do que ele, sem o conhecimento de meu pai Davi, e os matou à espada. Os dois homens eram Abner, filho de Ner, comandante do exército de Israel, e Amasa, filho de Jéter, comandante do exército de Judá (I Rs 2. 28 - 32 NVI). 
Neste texto, Joabe foi morto por ter matado (e isto em tempo de guerra civil), de forma covarde a Abner, quando este tentava fazer aliança com Davi (II Sm 3. 26). Neste caso, o assassino tem de ser morto mesmo que esteja agarrado à ponta do altar (Ex 21. 14), não bastasse isto, Joabe também tinha em sua conta a morte traiçoeira de Amasa (II Sm 20. 10).  Pode-se dizer que no caso de Joabe, foi usada a forma jurídica e a aplicação penal, mas não foi este o caso do rei Joás. 

A história deste é muito simples. Ele foi um sobrevivente de uma conspiração de Atalia para tomar o trono, mas ainda era muito novo quando começou a reinar, e assim sendo recebeu suporte de Joiada, o sumo sacerdote, mas quando o sacerdote morreu ele atendeu aos líderes do povo e com isto voltou às práticas idolátricas. Durante este período, Deus levanta o filho de Joiada como profeta para repreender ao povo, veja:
Então o Espírito de Deus apoderou-se de Zacarias, filho do sacerdote Joiada. Ele se colocou diante do povo e disse: "Isto é o que Deus diz: ‘Por que vocês desobedecem aos mandamentos do Senhor? Vocês não prosperarão. Já que abandonaram o Senhor, ele os abandonará’ ". Mas, alguns conspiraram contra ele e, por ordem do rei, apedrejaram-no até à morte no pátio do templo do Senhor. O rei Joás não levou em conta que Joiada, pai de Zacarias, tinha sido bondoso com ele, e matou o seu filho. Este, ao morrer, exclamou: "Veja isto o Senhor e faça justiça! "  (II Cr 24. 20 - 22 NVI)
A falta de pulso por parte do rei, de gratidão para com um descendente de um sacerdote que o apoiou, e a deliberação covarde já são, por si sós, causa de repugnância ao ato em si, mas o mais interessante foi o clamor do justo "Veja isto o Senhor e faça justiça! ". Segundo a Bíblia, Deus é: Aquele que pede contas do sangue derramado não esquece; ele não ignora o clamor dos oprimidos (Sl 9. 12 NVI). E foi o que aconteceu com Joás, que após uma batalha contra os arameus, ficou 
seriamente ferido. Seus oficiais conspiraram contra ele, porque ele tinha assassinado o filho do sacerdote Joiada, e o mataram em sua cama. Assim ele morreu e foi sepultado na cidade de Davi, mas não nos túmulos dos reis. Os que conspiraram contra ele foram Zabade, filho da amonita Simeate, e Jeozabade, filho da moabita Sinrite (II Cr 24. 25, 26 NVI). 
Perceba que o texto sagrado liga a morte de Joás à conspiração que este fizera contra o filho do sacerdote Joiada, ou seja, Deus mesmo aplicou, à sua maneira a pena capital. O vingador גֹּאֵ֣ל (go'el) é devidamente regulamentado em Nm 35. 19 - 28, sendo que a vingança somente poderia ser exercida em casos nos quais a intenção de matar, ou o risco presumido ficasse evidenciado, ou mediante o depoimento de duas, ou mais testemunhas. 

Mas o fato inconteste é que em alguns casos o próprio Deus se coloca como  גֹּאֵ֣ל (go'el), vingador. Isto é visto, por exemplo no caso em que Deus mesmo se levanta contra Abimeleque para vingar os setenta filhos de Gideão que ele matou. 
Fazia três anos que Abimeleque governava Israel, quando Deus enviou um espírito maligno entre Abimeleque e os cidadãos de Siquém, e estes agiram traiçoeiramente contra Abimeleque. Isso aconteceu para que o crime contra os setenta filhos de Jerubaal, o derramamento do sangue deles, fosse vingado em seu irmão Abimeleque e nos cidadãos de Siquém que o ajudaram a assassinar os seus irmãos (Jz 9. 22 - 24 NVI). 
O desfecho da história em apreço foi o mais simples possível, ele morreu ferido por uma pedra lançada por uma mulher do alto de uma torre, ainda agonizante suplicou ao seu escudeiro que terminasse o trabalho, para que a honra de sua morte não fosse dada a uma mulher. Assim Deus retribuiu a maldade que Abimeleque praticara contra o seu pai, matando os seus setenta irmãos. Deus fez também os homens de Siquém pagarem por toda a sua maldade. A maldição de Jotão, filho de Jerubaal, caiu sobre eles (Jz 9. 56, 57 NVI).  

Minha conclusão a respeito da pena capital é a de que nem sempre esta é aplicada por homens, e em alguns casos os homens,por pura graça são isentos desta, este foi o caso de Davi. Creio que não cabe ao crente a defesa da pena capital, por parte do Estado, visto ser este um instrumento falho, e que em casos específicos a Bíblia fala de graça, de perdão, de absolvição, como no caso de Davi. 

NÃO MATARÁS

Ao resumir a aliança que fez com Israel, nas estepes do Sinai, Deus ordena definitivamente não matarás (לֹ֥֖א תִּֿרְצָֽ֖ח׃ [lo tirashah]), sendo que o verbo רְצָֽ֖ח׃ (rashah) é usualmente empregado para um assassinato premeditado. com isto fica claro que antes de se consumar como prática, o homicídio existe enquanto sentimento, intenção, ou predisposição. Tal fica claro na medida em que se lê o seguinte texto:
Quem ferir um homem, vindo a matá-lo, terá que ser executado. Todavia, se não o fez intencionalmente, mas Deus o permitiu, designei um lugar para onde poderá fugir. Mas se alguém tiver planejado matar outro deliberadamente, tire-o até mesmo do meu altar e mate-o (Ex 21. 12 -14)
Somente o assassinato que não fosse premeditado, seria isento da vingança. Mas ao que parece ferir, não é a única forma de se assassinar. Ao que tudo indica, falsas acusações também era um modo de matar uma pessoa inocente, daí a recomendação divina: Não se envolva em falsas acusações nem condene à morte o inocente e o justo, porque não absolverei o culpado (Ex 23. 7 NVI).  

Um exemplo prático desta prática foi o de Nabote, que por ter recusado vender sua vinha para Acabe, sofreu falsas acusações da parte de jovens vadios (I Rs 21. 1 - 13). o desfecho? Deus mesmo executou juízo contra Jezabel, Acabe, e toda a sua casa (I Rs 21. 19, 20). O mesmo se deu em relação a Jesus, que foi condenado com base no testemunho de falsas testemunhas (Mt 27. 4ss). 

O ensino do Novo Testamento ratifica o respeito á vida, mas Jesus indica que na ira e na amargura estão a raiz do homicídio (Mt 5. 21, 22), ou seja, antes de ser um problema legal, jurídico, o assassinato é psicológico, pois procede do coração humano (Mt 15. 18 - 20). Aqui observa-se aquilo que Deus disse para Caim, o teu desejo será contra ti

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

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