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sábado, 22 de novembro de 2014

Pecadores de Direito, mas não de Fato?



Esta pergunta é uma ironia com algo que tenho identificado como a filosofia de vida do homem moderno. O homem moderno pode invejar, roubar, matar, caluniar, depreciar, enganar, ser hipócrita, mas jamais pode ser chamado de pecador. Ofensivo? Talvez, mas é um fato pontuado por Pascal, para quem o maior desejo humano é o de ser o objeto do amor e da estima dos homens, mas igualmente percebe que seus defeitos não merecem deles senão repulsa e desprezo. Não é difícil concluir que esta é a lógica que rege a hipocrisia (base da moral pública), que por sua vez se sustenta sobre a distorção da necessidade de aceitação. Mas é justamente neste ponto que o homem comete o maior de todos os pecados. 

Paul Claudel afirma que 
o maior pecado é perder o senso de pecado. Se o pecado é mera aberração provocada pela opressão de estruturas sociais, circunstâncias, ambiente, temperamento, compulsões e educação, admitimos a condição pecaminosa do ser humano, mas negamos que somos pecadores. Vemo-nos como pessoas essencialmente boas, benevolentes com problemas e neuroses simples, herança comum à humanidade. Racionalizamos e minimizamos nossa terrível capacidade de acomodação diante do mal e, assim, rejeitamos tudo o que não é bom a nosso respeito.
A fala de Claudel aponta para um mecanismo ainda mais perverso do que o descrito por Pascal. Aqui o ser humano é descrito como alguém que cria uma estrutura psíquica, teórica com fins a justificação dos seus erros mais grotescos. Mas a despeito de todo este trabalho, a acomodação do homem diante do mal é o maior testemunho do seu pecado. Para Brennan Manning, 
A Essência do pecado reside no fato de sermos autocentrados demais, o que nos leva a negar a nossa contingência radical e deslocada da soberania de Deus [....] A fascinação por poder, prestígio e posses justifica nossa necessidade por afirmação agressiva, independentemente do prejuízo que possamos causar aos outros. O impostor insiste que perseguir o número Um é a única postura sensata num mundo e que se vive na base do "cada um por si". 
O que Pascal identifica como sendo amor-próprio, Manning e Stott chamam de autocentricidade (fenômeno pelo qual colocamos o "eu" no centro). Paul Tournier é quem descreve como esta funciona em termos práticos, visto que para este, o pecado se mistura mesmo às mais nobres motivações e obras humanas. O resultado? Obras de caridade e de justiça são feitas com fins à afirmação e aprovação pessoal, ao invés do alívio dos necessitados. No lugar do amor acolhedor, apenas o julgamento bem ao espírito dos amigos de Jó, que suportaram a dor e o sofrimento do patriarca, mas não a queixa do mesmo. 
A maldade que opera em nós consiste na dedicação incessante ao próprio "eu", naquilo que Moore chama de "inescapável narcisismo da consciência". Ali está a fonte da crueldade, da possessividade, da inveja e de toda a espécie de maldade. Se evitarmos falar do egoísmo e tentarmos justificar a maldade que em nós, só conseguimos fingir que somos pecadores e portanto fingir que fomos perdoados. Uma espiritualidade fingida, baseada em falsa alegria, produz o que a psiquiatria moderna chama de de personalidade bordeline, em que as aparências tomam o lugar da realidade. 
A maior da depravações é a que vem revestida da santidade religiosa, é assim que vejo, e tenho comigo C. S. Lewis, que soube expressar este conceito com a fábula satírica Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, principalmente no capítulo que descreve um brinde no inferno. Ali se lamenta o fato de que os homens se tornaram insípidos e de que já não se fazem mais pecadores como Hitler, e tantos homens cruéis da história, mas se brinda o vinho fariseu, indicando com isto que os maiores pecados nascem do campo da religiosidade. 

O problema é que Tillich deixou claro que a religiosidade não se restringe aos ritos desta, ou daquela religião, mas como aquilo que toma o homem de forma incondicional, abrangendo a arte, a pesquisa científica, a atuação ética, ou politica. Visto por este prisma feministas, simpatizante e militantes LGBT's, socialistas, capitalista e militantes partidários podem ser religiosos e com isto sérios candidatos às críticas acima. 

Se você duvida, experimente discordar, ao se envolver em uma discussão com um deles e verás o quanto eles se aproximam do mais extremado fundamentalismo, mas esta sequer é a parte mais interessante. O mais curioso é que todos são vítimas do preconceito, da misoginia, do herança patriarcal da sociedade. Não quero dizer que tais males não existem, mas que eles não podem ser combatidos sem que se admita que o homem é pecador. No mundo moderno a fala de Jeremias - de que te queixas ó vivente, queixa-te de teus próprios pecados - de forma alguma é bem recebida. O culpado é o outro, nunca a gente. 

O resultado é que para o homem moderno julgar, marginalizar, explorar, culpar, enganar, invejar, reagir de forma agressiva, é um bônus, ao qual tem o direito de desfrutar sem o ônus de uma consciência culpada e muito menos de alguém que lhe aponte do dedo, ou que mexa na ferida aberta. O diagnóstico de Pascal é mais verdadeiro do que nunca. O homem não passa de disfarce mentira e hipocrisia, tanto diante de si mesmo como diante dos outros. Não quer que lhe digam verdades e impede-se de dizê-las aos demais; e todos estes objetivos tão alheios à justiça e à razão, tem raízes naturais em seu coração

É curioso que tal se dê justamente no momento em que mais se clama por liberdade, algo que na perspectiva cristã é inviável sem a verdade, e que é justamente a verdade a respeito de cada um de nós que tem sido tão evitada por todos. Daí a escravidão do homem no tocante ao reconhecimento público, e à opinião alheia. O homem quero direito de pecar (tão necessário à projeção que faz de si mesmo na mente de outros), mas não o ônus de ser pecador. Forte abraço. 

Marcelo Medeiros
 

sábado, 15 de novembro de 2014

Código DaVincci, O Retorno


Os pesquisadores Barrie Wilson e Simacha Jacobovic, da British Library, parecem estar dispostos a ressuscitar a polêmica dantes levantada por Dan Brow no "clássico" Código Da Vincci, de que Jesus tenha sido casado com Maria Madalena, e que esta tenha tido proeminência na comunidade primitiva, primazia esta que a Igreja constantinizada fez questão de apagar ao longo dos séculos (aqui e aqui).

Nada contra uma possibilidade de Cristo ter sido casado (ainda que seja algo totalmente descartado por mim, e por uma simples razão os Evangelhos não mencionam tal fato). Mais uma vez a temática de uma Igreja que esconde os verdadeiros escritos sagrados e que canoniza o que foi manipulado, vem à tona. Conspirações á parte, na verdade para uma Igreja que acredita que o casamento é um sacramento (meio de comunicar graça), seria mais interessante forjar relatos de casamento do seu Senhor nos Evangelhos, algo que conforme dito acima, não vejo.

Creio que a existência de um único fragmento, cujo teor é discutível e mensagem oculta, dado o caráter gnóstico do mesmo seja o maior empecilho á sustentação da tese dos pesquisadores mencionados supra. De forte na recente descoberta apenas o desejo do tornar Jesus um homem comum, no sentido de conformar o mesmo ao presente século. 

Quanto à pessoa de Maria Madalena, tudo o que a Bíblia diz a respeito da mesma é que ela nasceu, ou era de Magdala, e que por possivelmente ser uma mulher de posses, foi uma colaboradora do ministério de Cristo. Também foi, junto com as demais mantenedoras, uma das primeiras junto ao túmulo vazio, o que passa disso é mera especulação. Logo, associações desta Maria com a pecadora que ungiu aos pés de Jesus, ou com a adúltera que foi perdoada são inócuas, como inócua é a pesquisa. 

Marcelo Medeiros. 

Em terra de Chico nem tudo são flores para Francisco





O título do presente post é uma alusão ao protesto realizado por ativistas do grupo femem no Vaticano. Uma das ativistas traz nos seios uma frase com os dizeres o papa não é político. A razão de ser do protesto é a visita do pontífice romano ao parlamento de Estrasburgo, que na interpretação das mesmas é um ataque ofensivo ao processo de secularização (laicização) da Europa (aqui , aqui e aqui). 

O grupo FEM é famoso por seus protestos com os seios à mostra. Algumas causas defendidas pelo mesmo são de cunho legítimo, tais como os protestos contra o turismo sexual, homofobia, e sexismo. Mesmo com a apelação a mensagem mantenha dentro, cujo significado é o de que a religião tem de ser cada vez mais algo da esfera íntima do indivíduo, possui o seu respaldo (se você duvida disto, precisa se informar mais sobre a reforma). Mas considero que protestar no Vaticano com gestos que insinuam a introdução de uma cruz no ânus foi o cúmulo. 

Ao que tudo indica o papa foi convidado para fazer esta visita, ao menos é este o destaque dado pela imprensa estrangeira. Além do mais, ele tem se mostrado disposto, aberto ao diálogo justamente nas questões defendidas pelo grupo, daí minha sensação de que a ação foi um tiro pela culatra. Primeiro, por reagir uma suposta injúria, com uma ofensa objetiva. Segundo, pelo protesto não se constituir a melhor forma de diálogo (modo pelo qual interesses comuns poderiam ser traçados). Por último, por não reconhecerem que a laicização, ou secularização é um legado da reforma protestante, logo, a ideia delas possui um cunho religioso fortíssimo. 

Minha leitura do fato em si é que em terra de Chico nem tudo são flores para Francisco. O papa Francisco é o papa mais simpático, carismático e popular que já vi na minha breve vida. O legado jesuíta do mesmo mostra o seu amplo preparo para ser o chefe de uma Igreja em um mundo em transformação, a simpatia e humildade dos mesmo lhe deu apoio popular. Mas o tempo de namoro do mesmo com a Europa terminou. a repercussão do protesto e o enfoque do mesmo nas redes sociais mostra que os anticlericalistas estão vindo com tudo e algo mais. 

O cristianismo, sem entrar no mérito de sua ligação com Cristo, é uma religião de proclamação e de conversão. Como  já me expressei aqui neste espaço o homem moderno (falo no sentido de atual), está cada vez mais indisposto a ouvir quaisquer mensagens de censura, e a mensagem da cruz é um julgamento de Deus para a humanidade. Como se isto não bastasse, o histórico da Igreja sempre vem à memória. Na verdade uma história, que como toda estória, tem o seu cunho ideológico, foi cunhada para que as pessoas crescessem odiando a religião. Ela pegou na Europa, que já não se pode mais dizer cristã, e ameaça pegar aqui. 

Soluções? A Bíblia já as deu. Nossos opositores devem ser tratados da mesma forma que Cristo tratou seus detratores, sem responder as provocações e respondendo as questões dos mesmos com mansidão e temor. O contexto (I Pe 3. 9 - 16), indica que não se deve opor ao mal com mal, nem injúria com injúria, visto que o chamado cristão demanda perseverança. Resumindo, ainda que nem tudo sejam flores, cabe a cada cristão, católico, protestante e evangelicalista espalhar o cheiro de Cristo. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros. 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Heróis da dúvida



Nas aulas de Filosofia que ministrei no seminário, me vi diante de uma inconteste verdade, os heróis da fé são assim chamados, não em decorrência de uma fé completamente isenta de dúvidas (algo que cada vez mais me convenço que não existe), mas de uma entrega. Os homens da Bíblia são homens de perguntas de questões, de medo, de desânimo. Caso o leitor tenha dúvida, ou resolva fechar a página, leia a história de Abraão, Moisés, Gideão, João Batista e Paulo (que tratarei em um posto exclusivamente sobre ele), e constate por si só.

Pior, Abraão, por exemplo indagou a Deus a respeito de como ele com seus mais de oitenta anos seria Pai de uma multidão. Moisés, mesmo diante do fenômeno da sarça queria saber como iria falar com o Faraó, o nome, CPF, R.G. de Deus! Gideão diante da saudação do anjo disse que era o menor na sua casa, e que se Deus era com ele onde estavam as maravilhas que lhe foram contadas por seus pais. João, o Batista, que havia visto o Espírito descer sobre Cristo, e possivelmente ouvido a voz de Deus dizendo: este é o meu Filho amado em quem me comprazo, e testemunhado a respeito do Messias, dizendo: este é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, quando na prisão, mandou seus discípulos irem perguntar a Jesus, se ele era o Cristo, ou se havia de esperar outro. Entendeu?

As dúvidas apresentadas por estes homens era existencial, visceral, pessoal. Não estou falando de epistemologia, de enquadramento teológico na cultura atual, mas de quem diante da promessa de Deus olhou para as circunstâncias e ainda assim foi conduzido à suspeição. Abraão superou as suas questões ao dar glória a Deus. Sim, ele foi foi fortalecido em sua fé e deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido  (Rm 4. 20, 21).

Mas para quem acabou de explicar que ele duvidou, como lidar com o texto que afirma que Abraão não duvidou? Na verdade Abraão duvidou, basta ler Gn 15,  todavia, ele não se deixou vencer pela dúvida, e creu contra toda esperança. Ele reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vitalidade (Rm 4. 19). Além do mais, ninguém que é forte sente a necessidade de ser fortalecido (fortalecer é tornar forte). A fé de Abraão consiste não na ausência de dúvida, mas em não permitir que as mesmas enfraqueçam sua fé.

E o que falar de Moisés? Muitas perguntas. Nada contra perguntas. Mas compare Moisés com um trágico como Jó, eu fico com Jó, que diante da tormenta e da teofania calou-se, fez a única coisa que o mortal faz diante do Eterno. Uma sarça que queima no deserto é algo comum (ao menos é o que os autores dizem), mas uma sarça que queima e não se consome tem de ser admirada, contemplada. Deus foi paciente e respondeu as perguntas de Moisés, mas quando ele passou dos limites, o Eterno resolveu com uns gritos com o profeta e resolveu o problema. A essência da fé de Moisés está na obediência deste à voz de Deus, na intimidade que ele desenvolve, no diálogo tete à tete.

Gideão nada tinha de valoroso, mas o anjo encheu a bola dele (deu uma força), depois de várias provas com Deus (ao todo três), ainda assim ele cumpre a ordem de quebrar a estátua durante a noite, tem de ir ao campo dos midianitas para lá ouvir que a vitória seria dele. Ele provou, e foi provado, quando Deus determinou que quebrasse o ídolo e quando teve de (inicialmente) abrir mão do seu exército de trinta e dois mil. A fé de Gideão está em aceitar ser provado por Deus.

João, quando duvida está na prisão. Isto se deu por motivos injustos, o Batista foi preso por agir como profeta e repreender um rei em sua luxúria, e consequentemente perdeu a cabeça, mas antes de sua morte enviou emissários a Cristo, a fim de saber se ele era, ou não o Cristo, ou se teria de esperar outro. A dúvida de João foi tratada por Jesus com sinais, evidências que os seus discípulos teriam de narrar para ele.

De todos estes que mencionei o caso de João é o mais dramático, preso por repreender a luxúria do rei, foi assaltado pelo dúvida. Onde está aquele de quem disse: o machado está posto à raiz da árvores, e toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo (Mt 3. 10), mas no lugar do corte dos maus, o profeta se vê diante do perigo de ter a própria cabeça cortada. Dele João, foi exigido o maior sacrifício, sendo superado somente pelo Filho de Deus. 

Jesus trata a dúvida de João mediante o relato de suas obras. Aquilo que não foi remédio para Gideão, o foi para João. Se Cristo não está cortando as árvores que não produzem fruto bom, ou jogando a palha em fogo que não se apaga, no seu ministério os coxos andam, os cegos recuperam a vista e o Evangelho é pregado aos pobres. 

De Abraão se disse que este foi amigo de Deus, de Moisés, um servo fiel em toda sua casa, de Gideão, que da fraqueza tirou sua força (algo que se pode aplicar aos demais), mas de João o Batista, entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João Batista (Mt 11. 11 ARC). 

Minha conclusão aqui é que a fé não é convicção isenta de dúvida, mas constante entrega e superação da dúvida. Fé é o que faz o homem se aferrar ao que Deus prometeu, como fez Abraão, e saber que ele é poderoso para cumprir. Fé é o desespero de si mesmo (não confiar em suas capacidades como  fez Gideão). Se ao olhar para si, você percebe que não tem fé, faça o que faço diariamente. Ore a Deus pedindo: ajuda-me a vencer a minha incredulidade! (Mc 9. 24 NVI). 

Marcelo Medeiros

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O Julgamento e a Soberania Pertencem a Deus



Creio que no sentido de exame e apreciação o julgamento seja algo da esfera humana, mas no que tange à sentença, jamais. É muito comum alguém dizer não julgueis, como se a Bíblia condenasse toda e qualquer forma de apreciação, quando na verdade condena é o juízo temerário (ou seja, aquele que é feito sem fundamento justo, daquele que é feito a respeito de alguém, sem provas suficientes). No presente estudo pretendo abordar a respeito deste tipo de juízo, bem como da arrogância dos que sem levar em conta a soberania de Deus fazem planos para o dia de amanhã.

O CONTEXTO E O TEXTO BÍBLICO

O juízo temerário é aquele que se faz sem que se leve em conta os perigos que o mesmo possa trazer. É a respeito deste que Tiago fala por meio das seguintes palavras:
Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu irmão ou julga o seu irmão, fala contra a Lei e a julga. Quando você julga a Lei, não a está cumprindo, mas está se colocando como juiz. Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para julgar o seu próximo?  (Tg 4. 11, 12 NVI). 
Mas em que consiste o pecado condenado aqui por Tiago? Creio que a resposta passe por uma consideração negativa a respeito das colocações feitas pelo irmão do Senhor, ou seja, o que ele não quis dizer. O que me leva a considerar que:


1) Tiago não está falando do confronto que se deve fazer ao irmão que está em erro

Jesus instruiu os seus discípulos da seguinte forma:
Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas’. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano (Mt 18. 15 - 17 NVI). 
perceba que jesus orienta aos seus discípulos a  respeito dos passos a serem tomados quando um irmão erra. Vá a ele e o convença do seu erro. O verbo grego ελεγξον (elegchon), é o mesmo empregado para convencimento de erro(Jo 16. 8 - 12), repreensão (Ap 3. 19), redarguir (II Tm 3. 16), daí minha predileção pela tradução que a Nova Versão Internacional faz deste texto, por mostrar o erro.

Somente a exposição das Escrituras (que são o sopro de Deus), em conjunto com a atuação do Espírito Santo são suficientemente capazes de convencer ao crente, ou o irmão errado a respeito da gravidade do seu erro. Em um primeiro momento a Palavra é dita na esfera individual, em um segundo momento se recorre ao testemunho de duas testemunhas.

Por último se recorre à Igreja e somente mediante recusa em ouvir a Igreja é que se recomenda um tipo de disciplina, que consiste na consideração do contradizente como sendo não mais um irmão, mas alguém que é rebelde e contradizente, visto que não se deixa convencer pelos argumentos da Palavra de Deus.

2) Também não está falando da refutação ao falso mestre

Quem lê o livro do Apocalipse, a carta à Igreja de Éfeso, percebe que Jesus elogiou esta Igreja, por quê? Simplesmente porque ela colocou à prova alguns crentes que se diziam apóstolos, mas na verdade não o eram, e mais, os tais foram achados e julgados como mentirosos (Ap 2. 2). Quem dera em nossos dias houvessem mais Igrejas com similar postura!

Feitas os devidos esclarecimentos, preciso voltar ao tema conforme a abordagem feita por Tiago, que pede para que ninguém fale mal do seu próximo, e que este falar mal não pode ser confundido com o exercício do discernimento, cuja finalidade consiste na correta diferenciação entre o falso e o verdadeiro profeta, e menos ainda no ministério da exortação, que visa a correção do que está no erro 

Mas do quê então Tiago fala em seu texto? Creio que de alguma forma Tiago esteja se reportando ao ensino de Cristo sobre o juízo temerário dos homens. Mas sei que seu texto tem de ser lido sob o prisma do contexto geral de sua carta. Somente assim se constata que a religião praticada sem o domínio da língua é vã (Tg 1. 26, 27 [aqui]), que a fé em Cristo é incompatível com a acepção de pessoas e que esta em si já é um julgamento (Tg 2. 1 - 13 [aqui]), que a tendência da natureza humana decaída é maldizer o homem feito à imagem e semelhança de Deus, de disputar por proeminência, etc....

O JUÍZO TEMERÁRIO

Sim, Tiago está falando do juízo temerário que os homens tendem a fazer. Sim, mas o que vem a ser tal juízo? Para uma maior elucidação a respeito do que vem a ser um julgamento desta natureza, recorrerei ao sermão do Segundo Domingo do Advento, de autoria do Padre Antônio Vieira. Eis algumas colocações que o mesmo faz: 
  1. Em seu juízo Deus julga com o entendimento, ao passo que os homens o fazem com a vontade. Como a vontade humana é corrompida, a luz (Cristo), é julgada e condenada, ao passo que aquilo que representa o mal é absolvido, nas palavras de Vieira, o entendimento acha o que há, a vontade acha o que quer
  2. No juízo de Deus geralmente basta só testemunho da própria consciência; no juízo dos homens a própria consciência não vale testemunha. O maior exemplo foi José, cuja consciência mesmo limpa o levou para a prisão pela falsa acusação da mulher de Potifar. 
  3. No juízo de Deus as nossas boas obras defendem-nos, ao passo que no juízo dos homens o maior inimigo que temos são as nossas boas obras. A excelência de Abel, foi o motivo de desgosto de Caim, ao passo que a excelência de Davi, foi a causa da hostilidade de Saul. 
  4. Deus julga o que conhece; os homens julgam o que não conhecem. Este foi o caso de Eli, cujo juízo sobre Ana, justamente por não conhecer sua aflição. 
  5. O que faz o juízo dos homens o mais arriscado possível, é que Deus não julga senão no fim; os homens não esperam pelo fim para julgar. Daí a razão de Paulo haver dito: nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor (I Co 4. 5 ACF). 
  6. O juízo com que nos julgamos uns aos outros é a lei que pusemos a Deus  para que ele nos julgue também a nós
Daí o risco em se colocar como legislador no lugar de Deus. 

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

Agente de Trânsito Condenada a Indenizar Juiz



O buchicho do momento é a notícia de uma agente de trânsito que foi condenada a pagar uma multa superior ao seu salário por supostamente haver dito a um juiz, que em tese não estava com o veículo emplacado e sequer portava a habilitação, que ele ainda que juiz, não era deus. Por questões de competência deixo aos juristas o julgamento a respeito da legalidade da lei seca no tocante a apreensão de veículos de quem não porta CNH, ou não tem o seu veículo emplacado. As questões que quero levantar aqui são outras [aqui e aqui].  

Uma das questões é a fragilidade (decorrente da onda de corrupção que assola o país), que cerca as instituições. O sentimento de quem ninguém pode estar acima da lei tem envolvido a sociedade e foi agravado com os resultados do processo do mensalão e a falta de perspectiva de condenação nos envolvidos no petrolão. Uma aparente forma de aprovação social á ação da agente de trânsito é a vaquinha que tem sido feita nas redes sociais para ajudar a mesma na quitação das possíveis dívidas após o processo transitado em julgado [aqui]. 

Outra questão a ser levantada, é o que faz uma pessoa sair à rua com um carro (oficial, ou não), não emplacado e sem habilitação, assumindo o risco das penalidades previstas em lei? Por último, decidir por condenar uma agente de trânsito a pagar multa por um suposto desacata preserva em quê e do quê a magistratura?

Marcelo Medeiros. 

Nova Polêmica sobre as Quotas



As declarações do professor da Universidade Federal do Espírito Santo, a respeito da qualidade da formação dos quotistas caiu como uma bomba. Já expressei aqui neste espaço minha opinião a respeito das ações sociais tipo quotas nas universidades para negros, índios, pardos, e afins. Elas são boas medidas no tocante à correção de mazelas sociais, mas não como algo permanente até, porque o problema não está na entrada no mundo acadêmico, mas no percurso em si (aqui). Mas, ao que parece, os argumentos do professor Manoel Luis Malaguti não param por aí, para este, o fato de ser, ou não quotista influencia na formação (linha que foi veementemente desmentida pelo reitor da Universidade [aqui e aqui]). 

Já não é de hoje que ouço coisas do tipo. Tive o desprazer de ouvir em um debate sobre as quotas a seguinte declaração: entre ser operado por um médico quotista, ou ser operado por um que não foi, preciso ser operado pelo que não foi. Os argumentos do professor em questão e de todos que sustentam tal linha caminham na linha de um determinismo social, e contrariam a luta de docentes e mais docentes que lutam por uma educação que supere as mazelas socioeconômicas, viabilizando educação de qualidade para a grande maioria. Pior, sem fundamentos, afinal, qual é a pesquisa que foi realizada com o público quotista, para aferir a qualidade da formação dos mesmos, em quais dados concretos este professor baseia suas argumentações?

Creio que o raciocínio do professor supra encoberte duas questões históricas pontuais: o esnobismo cultural das elites que fazem da educação um meio para a manutenção dos status quo (daí que a invasão de negros, pobres, índios seja uma ofensa, um melindre), e o fato inconteste de que a educação superior contribui na ascensão social, o que faz com que a faculdade se torne objeto de desejo de gente que nunca leu Machado de Assis, Eça de Queirós, Oscar Wilde, mas que vai para a faculdade e se forma (preciso observar aqui que este perfil pode ser encontrado tanto em gente da elite, quanto em gente das classes média e baixa). 

Aqui sinto a necessidade de observar que nem de longe quero insinuar que a falta de leitura dos clássicos prejudique a formação. Não! E digo isto por uma razão bem simples, eles podem ser lidos durante e depois da formação, que é um processo que nunca se encerra, e este é o verdadeiro problema. 

Para Nietzsche a ciência advém de uma sabedoria que na verdade se exprime pelo gosto pelo conhecimento. Gosto por conhecimento é a capacidade de se apreciar a beleza das teorias, e é aqui que está a raiz do problema de nossa educação. Diante do por do sol, das cataratas do Niágara, ou do Monte Rushmore, ninguém faz a pergunta: para que isto serve? As pessoas simplesmente admiram, e mesmo reconhecendo que uma das finalidades da educação é a formação para o mundo do trabalho, ainda assim creio que sem um encanto similar ao que descrevi acima não dá. Quem pode afirmar que negros, pobres, índios e mesmo indivíduos elitistas quanto os de classe média não podem ter tal experiência? 

Voltando á temática das quotas há que se considerar que um problema tem sido ocultado e mais cedo, ou mais tarde terá de ser explicitado (na verdade já o foi, por Rubem Alves). Na impossibilidade de educação superior para todos foi criado o vestibular (uma forma de selecionar os bons, os qualificados, dos que não o são). Mas o reitor da UFES,  o professor Manoel Luis Malaguti, aqueles que defendem a meritocracia passariam no vestibular? E o que dizer da gama de alunos que merecidamente passam, mas não concluem? Estas são perguntas que precisam ser respondidas. 

Marcelo Medeiros. 

sábado, 1 de novembro de 2014

Papa Diz que Ateus Serão Salvos?



O atual post se destina a responder dúvidas de católicos e protestantes que tenham se sentido confundidos com as últimas declarações do sumo pontífice em relação aos ateus. Antes de responder, quero deixar claro que já me manifestei neste espaço a respeito do ateísmo (aqui e aqui), que para mim não se resume à dúvida sincera a respeito da existência de Deus, via de regra gerada por uma inconsistência nas provas, mas por um modo de viver que na verdade exclui Deus da existência.

De igual modo, externei a minha simpatia em relação ao Papa Francisco (aqui e aqui), e mantenho minha opinião, por saber que ele não ocupa uma posição fácil. Falo isto porque responder a um ateu, e menos ainda ás provocações de um jornalista. Mas me sinto impulsionado a analisar seriamente a suposta declaração do pontífice, visto que a mesma traz implicações sérias para a fé.
Você me pergunta se o Deus dos cristãos perdoa aqueles que não acreditam e que não buscam a fé. Gostaria de começar por dizer – e isso é o fundamental – que a misericórdia de Deus não tem limites, se você for a Ele com um coração sincero e contrito. O problema para aqueles que não acreditam em Deus é obedecer a sua consciência. O pecado, mesmo para aqueles que não têm fé, existe quando as pessoas desobedecem a sua consciência”, escreveu o papa Francisco (aqui). 
Confesso que senti a tentação de apelar imediatamente às palavras do autor da carta aos Hebreus, de contestar quaisquer ideias de mérito ocultas nas palavras acima. Mas na medida em que li mais detidamente as colocações de Francisco, percebi que ele é bíblico em dizer que as misericórdias de Deus não tem fim (Jeremias disse o mesmo). Mas coração sincero e contrito, tal como a aproximação de Deus é um ato de fé, logo incompatível com um ateísta moderno, e aqui está a grande sacada do pontífice, sem ser ofensivo ele afirmou o que de fato consiste ser uma pessoa de fé. 

Ter fé, para Francisco não se resume á confissão de dogmas, ou ao assentimento intelectual da doutrina cristã, ter fé é ter um coração sincero. Quanto à contrição, ela é o maior ato de pobreza espiritual. Ou seja, aqueles que são contritos são os que sabem que nada podem fazer de si e para si, e por este mesmo motivo dependem exclusivamente de Deus, até mesmo para crer (um exemplo notável é o caso daquele pai que diante que ao pedir a Cristo a cura do seu filho, quando perguntado se tinha fé pediu que Cristo o ajudasse em sua incredulidade [aqui]). 

Os amados irmãos católicos que me perdoem, mas a grande verdade é que até para crer os pobres de Cristo sabem que dependem exclusivamente dele, até mesmo para crer. Não é sem razão que o apóstolo Pedro afirma: por meio dele vocês creem em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos e o glorificou, de modo que a fé e a esperança de vocês estão em Deus (I Pe 1. 21). O crer, é uma graça de Deus e Cristo é o princípio e o aperfeiçoador de nossa fé. 

Aos evangélicos e católicos, é preciso reafirmar que não há esta dicotomia proposta na pergunta e nas provocações dos neo ateístas. Não existe um time dos que creem sem nunca ter uma dúvida, e dos que duvidam sem nada crer. Segundo Lewis, a fé está em se aferrar ás convicções, religiosas, ou não, quando assaltado por sensações de que a realidade não se coaduna ao que o indivíduo crê. A outra dimensão da fé está no total desespero consigo mesmo e na exclusiva aposta em Deus. 

Daí que quando o papa afirma: se você for a Ele com um coração sincero e contrito, ou que o  pecado, mesmo para aqueles que não têm fé, existe quando as pessoas desobedecem a sua consciência, ele na verdade está dizendo que independente da cosmovisão que as pessoas assumam, a consciência das mesmas sempre dirá que há Deus (visto que caso não haja, tudo é válido), e que a somente o ser humano assumindo a total dependência dele poderá ser salvo, na verdade está descrevendo com outras palavras uma pessoa de fé. O grande barato, e a terrível sacada é que papa o fez imprimindo uma imagem de quem quer diálogo (coisa que acredito). 

Fraternos Abraços em Cristo, Marcelo Medeiros
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