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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Milagres de Amor à vida.


Já faz algum tempo que tenho observado algumas novelas da globo, e confesso cada vez mais o meu estômago tem se tornado indisposto a este tipo de produção. São as mesmas fórmulas de sempre. alguém que trai alguém, que se apaixona por alguém, que não corresponde e dai para frente é só confusão. Como a fórmula está desgastada e nem sempre conseguem produzir novelas como A viagem, O cravo e a rosa, e alguns outros poucos títulos que não fazem apelação às baixarias para garantir a audiência; um novo elemento tem sido acrescentado ao gênero novelesco global. As discussões em torno das questões sobre a homossexualidade. Para tal foi feita a união entre excepcionais atores com a composição de personagens irreais. Sim a grande verdade é que Felix e cia não são homossexuais da vida real e como tais não servem de parâmetro para a discussão em torno do assunto.
Não bastasse isto, um fator estranho pode ser detectado em Amor á Vida, qual? O processo de redenção que se construiu em torno de um personagem destinado a ser o vilão, e que ao longo da trama fez de tudo para prejudicar a todos, mas que de uma hora para outra se mostra arrependido de tudo o que faz, e que mesmo relutante, aprende a fazer o bem. Vejo aqui uma distorção da visão de pensamento cristã, principalmente do arrependimento, que nada tem a ver com as exigências de retratação que a Pilar fez para o nosso Félix, mas com uma nova atitude do homem em face de suas atitudes. Em grego tal mudança se chama metanóia. E neste caso amor à vida não é exemplo para ninguém.
De acordo com o site Gospel Prime (aqui), o autor do folhetim global atribui um milagre á sua produção: o de reconciliar uma mãe evangélica com seu filho gay. E aqui temos uma real ameaça. Alguém está atribuindo a uma novela algo que o Evangelho em tese deveria fazer, eu disse: eu disse em tese. Há que se reconhecer que Cristo não veio para trazer paz para a terra, mas fogo e espada. E nosso amor à Cristo inclui que neguemos algumas das exigências de nossos familiares sim. Todavia, um cristão é ensinado a no que estiver sim, em seu alcance, seguir a paz para com todos, creio ser desnecessário dizer que nem sempre é possível manter esta paz, visto que a paz a ser seguida, não se dá ás expensas da verdade. Evangélicos não são ativistas prós, ou contrários a esta, ou aquela causa, a este, ou aquele grupo.
Eu apenas gostaria de saber em qual personagem da novela Amor á vida, tal mãe viu um exemplo de perdão e de reconciliação para ser seguido? Pilar sempre foi negligente para com os erros do filho e o corrigiu em uma idade em que não se assimilam mais valores. Cesar, foi intolerante, rancoroso e odioso ao extremo, além de promiscuo ao extremo. No caso deste personagem fica claro que o Félix, enquanto vilão é uma produção dele (César). Voltando aos personagens, Barbara, é uma mentirosa. Honestamente não sei o que uma evangélica poderia aprende ali.
Para não dizerem que fui parcial, a Márcia, ou Tetê para-lama ou (será para-choque?), não sei. Mas ela sim é um caso à parte, digo isto em termos, é claro. Ela aparentemente seria um exemplo de aceitação, pela tolerância para com o Félix, mas o favor demonstrado pela mesma é uma distorção do valor cristão que o autor do folhetim tentou incorporar à novela. Em termos cristãos e religiosos o autor prestou foi um desserviço á causa cristã. A complacência de Márcia em nada corresponde ao amor cristão, que é descrito nos seguintes termos por Paulo,
 é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (I  Co 13. 4 - 7 NVI).
Reafirmo aqui que em personagem algum vi estas virtudes, e sei o quanto é difícil ver as mesmas em cristãos, na verdade somente homens regenerados podem demonstrar as mesmas. O homem de tal estirpe é loucura para o homem natural (categoria em que se enquadra grande parte do público que vê tais novelas), daí a inviabilidade de que atores, que na verdade não são pessoas regeneradas interpretem e construam personagens que sejam verdadeiros crentes.
Desde o festival promessas tenho nutrido séria suspeita a respeito da emissora, que neste caso se concretizou. Ela percebeu e incorporou uma tática que o cinema, por exemplo vem incorporando, a de mesclar valores cristãos com suas produções. Este diagnóstico foi feito por Paul Tournier no clássico Mitos e Neuroses, a desarmonia da vida moderna. Vivemos uma sociedade neurótica, visto que a mesma quer os valores e benefícios do evangelho, sem ter de arcar com o ônus do mesmo (exemplo, o arrependimento, conforme falado supra, e o custo do discipulado [aqui]). Em outras palavras, nossa sociedade critica o cristianismo e se declara como inimiga do mesmo, mas está disposta a comprar a versão falsificada do mesmo. Creio ser esta disposição que faz com que um número considerável de pessoas assista com a maior complacência a caminhada de redenção de um Félix.
Minha conclusão é que o grande feito de Amor á vida foi o de naturalização da questão da homossexualidade. Mas como disse, os homossexuais e as pessoas próximas dos mesmos, retratados no folhetim, nem de longe retratam a homossexualidade e a dinâmica dos relacionamentos na vida real. Este foi apenas o passo seguinte à banalização e apelação sexual retratada em novelas já de longas datas. E quanto mais apelações, mais cresce a necessidade de maiores recursos para chamar a atenção do povo. Se de fato houve uma suposta reconciliação entre uma mãe evangélica e um filho homossexual, esta reaproximação nem de longe pode ser confundida com perdão e reconciliação de fato.
Eu aprendi que alguns evangélicos apenas sabem protestar contra novelas que fazem menção aos orixás dos cultos afro. Do contrário são como esponjas prontas a absorver o que a emissora joga goela abaixo. Se uma novela aponta possibilidade de transformação e redenção sem o evangelho não se vê a mesma reação que se viu quando Salve Jorge foi exibida. Esta é a verdade.
 
Marcelo Medeiros

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Quando o texto bíblico vira pretexto para ameaças de morte



Desde criança ouvia programas evangélicos em radio e TV. Ao acessar uma determinada faixa de rádio AM tive o contato pitoresco, diga-se de passagem com uma Igreja bem curiosa. A beleza do nome não coadunava com a prática de discriminação para com as demais denominações. O mais estranho eram os relatos de exorcismos nos cultos transmitidos. Os demônios que ali se manifestavam gostavam de todas as igrejas. Gostavam da Assembleia de Deus, porque os homens usavam bigode, da IURD, porque era mundana, da Batista, por causa da calça comprida das mulheres. A única denominação da qual não gostavam era Deus é Amor, porque ali sim, tinha fogo e poder de Deus.
Agora não bastasse este líder vem á público afirmar que os membros que saíram de sua Igreja, e que estão enfermos serão mortos porque não estão sendo fieis em seus votos, e o Espírito Santo não suporta tamanha falsidade. Como se não bastasse, alguns textos bíblicos fora de contexto são usados para justificar a mensagem esdrúxula deste pastor (aqui e aqui). Em sua pagina no facebook, Caio Fábio chega a chamar esta denominação de "Deus é Terror".
Gostaria de dirigir uma palavra aos que saíram desta seita (leia-se grupo, facção). Primeiro, Deus exige que se cumpra votos, mas não votos tolos, e prometer a permanência em uma denominação é um voto de tolo, uma vez que somos biblicamente exigidos somente quanto á nossa permanência em Cristo e em sua palavra (Jo 15. 1 - 7).  Segundo, o único erro que vocês podem ter cometido foi o de fazer tal voto, visto que não e algo que se exige de nós na palavra. Terceiro, entendam tal profecia como genérica, uma vez que a morte passou a todos os homens, logo, todos são pó, e como tais ao pó tornarão, e nenhuma membro da Igreja Deus é Terror está imune a isto. Aliás, servos de Deus como Eliseu morreram em suas doenças. Por último, aprendam a não crer em todo pastor, mesmo que ele faça chover fogo do ceu, mas examinem a vida, o ministério e os sinais dele por meio das Escrituras Sagradas, visto que nestas sim, temos o sinal da aprovação divina.
 
Em Cristo, Marcelo Medeiros

Era uma vez [.......]


Ao ver esta imagem, imediatamente me lembrei do momento em que fazia compras no horti frutti, e a cesta básica com apenas dez reais. Sim era uma vez um país que conheci em que a moeda, mesmo desvalorizada era vista como estável, onde o brasileiro poderia comer frango. Depois veio o país, no qual a economia estava crescendo, em que todos poderiam ter o seu carro, que havia saído da condição de devedor para a de credor. Agora temos o país da desilusão, do rolezinho, do retorno da inflação e honestamente, paira em minha mente a mesmíssima dúvida de Renato Russo, que país é esse?

sábado, 25 de janeiro de 2014

Discurso de formatura da turma [....]

Estimados membros da mesa, diretores do presente curso, companheiros de corpo docente, amigos, familiares e formandos na condição de paraninfo de tão nobre turma venho aqui agradecer pela honra que tive de acompanhar e de alguma forma contribuir para com o vosso crescimento espiritual, intelectual e ministerial, e em tempo externar meu reconhecimento pela honra que me conferis de ser o vosso representante neste momento especial. Estou agradecido por me concederdes a honra de ser o vosso padrinho, e nesta condição desejo dirigir-vos algumas palavras.
Em primeiro lugar, quero externar minha mais sincera, saudosa e profunda alegria pelos momentos de interação que junto tivemos. Venho aqui reconhecer que foi o fato de nos relacionarmos que provocou em mim o desejo de crescer e de melhorar enquanto professor. Peço a vossa permissão para citar as palavras do Mestre Paulo Freire (do clássico Pedagogia da Autonomia), para quem:
embora diferentes entre si, quem forma se forma, e reforma ao formar, e quem é formado, forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo, ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende, ensina ao aprender.
O que quero afirmar aqui é que 
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...] enquanto ensino continuo buscando, (re) procurando. Ensino, porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que não conheço e comunicar e anunciar a verdade.
 Estes são ganhos reais que obtive convosco e seria desonesto, para não dizer ingrato de minha parte, caso não vos comunicasse. Mas convém aqui afirmar que vossa formação não para, e esta a lição das palavras do grande mestre Paulo Freire, que gostaria de compartilhar convosco. Em primeiro lugar, vossa formação será proveitosa, exclusivamente, se vos comprometerdes em compartilhar o que aqui vos foi comunicado com os demais membros da comunidade. Então atentem para as palavras do apostolo Paulo que fez a seguinte recomendação ao seu filho na fé: E as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros (II Tm 2. 2 NVI). Sois diferentes, e esta especificidade que agora tendes somente sobreviverá se vos comprometerdes com a partilha do saber.
Em segundo lugar, crede que tal partilha de saberes demanda o aprendizado contínuo. Quem aprende, mas não se dispõe a ensinar (ainda que de modo informal), atrofia. Mas o que procura continuar ensinando, para assim continuar a sua formação precisa entender que a busca pelo conhecimento é contínua. Atentai para o conselho de Pedro: Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém (II Pe 3. 18 NVI). As últimas palavras também merecem atenção, pois nelas tendes a recomendação de que o conhecimento jamais seja usado para a afirmação pessoal, mas para a glória de Deus.
Por último quero lembrar-vos que ao ingressardes no curso em que agora vos formais, fostes indagados a respeito de vossas intenções. E ao serdes questionados respondestes que o vosso desejo era melhor servir na seara, na obra de Deus. Aqui quero deixar a última lição das palavra do mestre Paulo Freire. Estudamos para constatar? Sim. Mas de nada adianta estabelecer uma verdade, ou um fato, se esta mesma verdade não for seguida, e em amor. O proposito maior do conhecimento é que o mesmo seja usado, empregado para intervir no mundo, do contrário o ciclo educativo não prossegue. Aqui mais uma vez convém que atenteis para as palavras sábias de Paulo, o apóstolo: Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo (Ef 4. 15NVI), e isto, sabedores que Quem pensa conhecer alguma coisa, ainda não conhece como deveria (I Co 8. 2 NVI).
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

sábado, 18 de janeiro de 2014

Dia internacional do riso


É um fato curioso que esta marca do ser humano seja pouco mencionada na Bíblia. O pregador chega a afirmar que a tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste melhora o coração (Ec 7. 3 NVI). Neste aspecto ele se assemelha aos filósofos trágicos que vem na tragédia uma forma de melhorar o ser humano. Mas ainda assim, a Bíblia apresenta Deus, bem como as suas obras grandiosas como a causa do riso apropriado. Os cativos de Sião regressaram á terra prometida com seus lábios cheios de riso. Que neste dia possamos descobrir em Deus a nossa maior alegria e o motivo do nosso riso.
 
Em Cristo, Marcelo  Medeiros

As pragas divinas e as propostas ardilosoas do Faraó

 
Na lição passada vimos que Deus capacitou Moisés com conhecimento, com experiências de vida e profundas provas de que seu chamado tinha no próprio Deus a razão de ser. Ao chamar o seu servo e profeta, Deus lhe avisou que o Faraó não deixaria o povo sair, e mais que usaria o endurecimento do mesmo para multiplicar os sinais e exaltar o seu nome sobre toda a terra. Veja o que Deus disse para Moisés:
Dou-lhe a minha autoridade perante o faraó, e seu irmão Arão será seu porta-voz. Você falará tudo o que eu lhe ordenar, e o seu irmão Arão dirá ao faraó que deixe os israelitas saírem do país. Eu, porém, farei o coração do faraó resistir; e, embora multiplique meus sinais e maravilhas no Egito, ele não os ouvirá. Então porei a minha mão sobre o Egito, e com poderosos atos de juízo tirarei do Egito os meus exércitos, o meu povo, os israelitas. E os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando eu estender a minha mão contra o Egito e tirar de lá os israelitas (Ex 7. 1 - 5 NVI). 
 O texto afirma que mesmo diante dos sinais Faraó se faria endurecido, mas que o Senhor aproveitaria tal endurecimento para mostrar o seu poder e seu nome diante de toda a terra. É com esta ótica que analisaremos a temática proposta pela lição da Escola Bíblica Dominical.
 
I) Os sinais e as maravilhas (o pano de fundo hermenêutico).
 
Quando Deus renovou a sua aliança com Abraão, ele já havia lhe revelado que a saída do povo do Egito se daria mediante a realização de grandes sinais, que para o povo que os escravizou seriam castigos (Gn 15. 14). É isto o que lemos quando vemos Deus falando com Moisés: Eu os livrarei do trabalho imposto pelos egípcios. Eu os libertarei da escravidão e os resgatarei com braço forte e com poderosos atos de juízo (Ex 6. 6 NVI). A expressão para juízo aqui é שְׁפָטִ֖ (shepet), e tem como sentido a manifestação de uma sentença de Deus sobre o povo.
Outra expressão chave neste contexto é o termo hebraico הָאֹ֣ת (hoth) e suas variantes o significado do mesmo é marco, um símbolo, e que na teologia bíblica são milagres que visam comprovar a mensagem de Deus para o seu povo. E neste caso o sinal serve tanto para despertar a fé do povo e conferir credibilidade o ministério de Moisés (Ex 4. 8, 9 NVI), quanto para a glorificação do nome do Senhor. Mas o sinal também serve de advertência (Nm 17. 10). Fato é que Deus realizou em pleno Egito sinais e maravilhas, contra o faraó e todos os seus conselheiros (Sl 135. 9 NVI), Ele mostrou os seus prodígios no Egito, as suas maravilhas na região de Zoã (Sl 78. 43 NVI).
Outro termo de suma importância é מֹופְתַ֖ (môpheth). Significa prodígio, sinal, milagre extraordinário. Elifaz afirma que Ele realiza maravilhas insondáveis, milagres que não se pode contar (Jó 5. 9 NVI). E com isto Jó concorda, visto que este também afirma:  Deus realiza maravilhas que não se podem perscrutar, milagres incontáveis (Jó 9. 10 NVI). Chamamos de insondável aquilo que não é possível sondar, a que não se pode achar o fundo: abismo insondável. No sentido figurado é tudo o que não se pode penetrar, compreender. O termo perscrutar aqui é o mesmo que indagar, investigar, averiguar minuciosamente, penetrar. Esta é a principal marca dos milagres de Deus. Daí o fato que sejam impenetráveis ao saber cientifico, pois caso o fossem já não seriam mais fatos extraordinários.
Deus fez tais sinais com o fim de que o seu nome fosse proclamado em toda a terra. Veja o que Deus diz ao Faraó, por meio de Moisés:
Porque eu já poderia ter estendido a mão, ferindo você e o seu povo com uma praga que teria eliminado você da terra. Mas eu o mantive de pé exatamente com este propósito: mostrar-lhe o meu poder e fazer que o meu nome seja proclamado em toda a terra (Ex 9. 15, 16 NVI). 
Em outras palavras, se Deus quisesse teria exterminado com Faraó de uma única vez. Mas como suas maravilhas são insondáveis e seus caminhos inescrutáveis, Ele fez da forma que está registrado, a fim de fazer o seu nome proclamado em toda a terra. A ideia é reforçada por meio deste texto aqui:
Diga aos israelitas que mudem o rumo e acampem perto de Pi-Hairote, entre Migdol e o mar. Acampem à beira-mar, defronte de Baal-Zefom. O faraó pensará que os israelitas estão vagando confusos, cercados pelo deserto. Então endurecerei o coração do faraó, e ele os perseguirá. Todavia, eu serei glorificado por meio do faraó e de todo o seu exército; e os egípcios saberão que eu sou o Senhor (Ex 14. 2 - 4 NVI).
Deus se fez conhecido de forma irrefutável aos egípcios por meio dos sucessivos endurecimentos do Faraó, e das respostas que ele mesmo deu através dos sucessivos sinais que deu e milagres que realizou.  Mesmo diante dos atos de rebeldia do povo junto ao mar, diz o salmista, no Egito, os nossos antepassados não deram atenção às tuas maravilhas; não se lembraram das muitas manifestações do teu amor leal e rebelaram-se junto ao mar, o mar Vermelho. Contudo, ele os salvou por causa do seu nome, para manifestar o seu poder (Sl 106. 7, 8 NVI).  O que Deus tinha em vista era a sua glória. O que nos leva ao endurecimento do Faraó.  
 
II) O endurecimento do Faraó

No relato do chamado de Moisés Deus fala: Eu sei que o rei do Egito não os deixará sair, a não ser que uma poderosa mão o force. Por isso estenderei a minha mão e ferirei os egípcios com todas as maravilhas que realizarei no meio deles. Depois disso ele os deixará sair (Ex 3. 19, 20 NVI). Aqui a responsabilidade é colocada sobre o Faraó. Mas no mesmo contexto da chamada observamos Iahweh falando com seu servo nos seguintes termos:
Quando você voltar ao Egito, tenha o cuidado de fazer diante do faraó todas as maravilhas que concedi a você o poder de realizar. Mas eu vou endurecer o coração dele, para não deixar o povo ir. Depois diga ao faraó que assim diz o Senhor: Israel é o meu primeiro filho, e eu já lhe disse que deixe o meu filho ir para prestar-me culto. Mas você não quis deixá-lo ir; por isso matarei o seu primeiro filho! (Ex 4. 21 - 23 NVI). 
Aqui fica claro que além de endurecer o coração do soberano egípcio Deus levaria os fatos a um clímax tal que culminaria com a morte do primogênito do Faraó. Aqui fica estabelecido que existe uma interação entre a soberania divina e a responsabilidade humana, ainda que não saibamos como isto se dá.
A nota da Bíblia de Estudo Pentecostal afirma que Deus endureceu o coração do Faraó, como castigo porque seu coração já estava duro (nota de estudo de Ex 7. 3). Sendo que a despeito dos texto citados pelo comentarista da nota, não temos uma comprovação bíblica direta de que tal tenha se dado desta forma.
Um comentário muito interessante é o feito Finis Dake. A despeito de toda má fama que esta Bíblia de Estudo possua, dadas as ideias de seu comentarista, o fato inconteste é que ao meu ver ele é mais honesto, veja o que ele diz:
Deus deu a Faraó a oportunidade de resisti-lo, e endureceu o seu coração (Ex 4. 21; 9. 12; 10. 1, 20, 27; 11. 10; 14. 8; Rm 9. 16) da mesma forma que o Evangelho salva, ou condena, abranda, ou endurece, e vivifica ou mata os que o ouvem hoje. Qualquer castigo, ou calamidade que não despedace a natureza humana e subjuga a vida só a endurece. Como o sol que endurece o barro e amolece a cera, assim acontece com a verdade. O resultado não está no sol (em Deus), mas nas matérias.
Não fosse tal conclusão eu daria o argumento de Dake como perfeito. Mas ele deixa mesmo assim escapar que há uma articulação entre o sol e a matéria, tal como ocorre entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana. Deste modo, fico com o argumento de MacArthur, para quem a interação entre a responsabilidade humana e a soberania de Deus precisam ser mantidas.
Sendo assim em dez ocasiões é afirmado que Deus endureceu o coração de Faraó (Ex 4. 21; 7. 3; 9. 12; 10. 1, 20, 27; 11. 10; 14. 4, 8, 17), e outras dez vezes encontramos o coração de Faraó se endurecendo (Ex 7. 13, 14, 22; 8. 15, 19, 32; 9. 7, 34, 35; 13. 15). Este equilíbrio tem de ser mantido, é o fato é que conforme Paulo disse aos Romanos, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer (Rm 9. 18 NVI). Ao que parece o Faraó não foi o único caso. Veja o que foi dito a respeito de um rei gentio: Seom, rei de Hesbom, não quis deixar-nos passar; pois o Senhor, o Deus de vocês, tornou-lhe obstinado o espírito e endureceu-lhe o coração, para entregá-lo nas mãos de vocês, como hoje se vê (Dt 2. 30 NVI). É neste contexto que precisamos ler as propostas de Faraó.

III) As pragas divinas e as propostas do Faraó

Durante as primeiras pragas os magos egípcios conseguem imitar os sinais de Moisés (Ex 7. 22; 8. 7), e na medida em que se avança na leitura, percebe-se que tais sinais servem de pretexto para que o soberano egípcio se endureça ainda mais, mas na praga dos piolhos, a terceira, os próprios magos reconhecem se tratar do dedo de Deus, e a despeito do reconhecimento da corte religiosa, o coração do Faraó se endurece, como o Senhor já havia dito para Moisés (Ex 8. 18, 19).
a praga das moscas produz alguma negociação entre o Faraó e Moisés. Primeiro ele propõe que o povo ofereça sacrifícios e cultos a Deus no próprio Egito, ao que Moisés responde: Isso não seria sensato, respondeu Moisés; os sacrifícios que oferecemos ao nosso Deus são um sacrilégio para os egípcios. Se oferecermos sacrifícios que lhes pareçam sacrilégio, isso não os levará a nos apedrejar? (Ex 8. 26 NVI).
A segunda proposta do Faraó é que o povo não vá muito longe, e que Moisés ore pelo Faraó para que as moscas saiam (Ex 8. 28 - 31). Mas uma vez aliviado, o soberano não permite ao povo sair, e endurece o coração. O que faz com que advenham as seguintes pragas: peste nos animais (quinta), úlceras (sexta), chuva de pedras (sétima), seguidas de sucessivos endurecimentos, o que nos remete ao texto no qual Deus afirma que tais endurecimentos servem ao seu proposito de multiplicar os sinais e fazer seu nome conhecido em toda a terra.
Na oitava praga o Faraó propõe que apenas os homens saiam (Ex 10. 7, 8). Ao que Moisés responde: Temos que levar todos: os jovens e os velhos, os nossos filhos e as nossas filhas, as nossas ovelhas e os nossos bois, pois celebraremos uma festa ao Senhor (Ex 10. 9 NVI). Mas o governante da terra de Cam não permite, o que redunda na oitava praga, a dos gafanhotos. Diante de tal assolação o Faraó faz mais uma proposta, a saber: que o povo deixe o seu rebanho (Ex 10. 24), ao que Moisés e Arão respondem: os nossos rebanhos também irão conosco; nem um casco de animal será deixado. Temos que escolher alguns deles para prestar culto ao Senhor nosso Deus e, enquanto não chegarmos ao local, não saberemos quais animais sacrificaremos (Ex 10. 26 NVI).
Se você estiver lendo este estudo e acompanhado o seu respectivo contexto terá prestado atenção ao fato de que cada proposta acompanha um ato de endurecimento do coração, que por sua vez serve ao proposito maior de Deus em multiplicar os sinais na terra do Egito, para com isto fazer o seu nome conhecido, conforme visto ao longo do presente estudo. Até que vieram as pragas das trevas e da morte dos primogênitos. A lição que gostaria de ressaltar aqui é que se Moisés, a apesar de todos os sinais que Deus lhe deu encontrou oposição de Janes e Jambres, nós também encontraremos, e junto da oposição deliberada e do endurecimento dos mesmos vem a rebeldia do povo (II Tm 3. 8 - 4. 5), mas devemos permanecer na Palavra de Deus, tal como Moisés.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O homem e o fato social


Esta é mais uma imagem do Facebook (aqui) que me trouxe serias reflexões. A imagem afirma que ser homem é tomar decisões, cuidar do dinheiro e mandar na casa, ou seja ocupar espaços de poder. O grande problema é que o pai da foto não percebeu que os tempos mudaram e as convenções sociais acima descritas não são satisfeitas mais pelos homens.
Qualquer pessoa que leia o livro O que é feminismo, da coleção primeiros passos, percebe que não é nenhuma novidade a mulher trabalhar. A questão é que o trabalhador, antes não produzia status algum. A ideia mudou com a modernidade, a revolução industrial e o advento de novos modos de produção. Foi a partir daí que se abriu o caminho para que as mulheres fossem reconhecidas e passassem a ter sua fatia no poder.
Com a pós modernidade a noção de relação de poder mudou. Os modernos acreditavam que o verdadeiro poder estava ligado ao conhecimento, e que uma vez este liberto do poder e do controle político, este poderia contribuir para o progresso definitivo da sociedade. Os pensadores pós modernos não acreditam em tal possibilidade, por este mesmo motivo defendem que cada grupo oprimido (dentre os quais as mulheres),  acessem o poder que puderem para manter sua influencia na sociedade. Sim, um notável poder se encontra nas mãos das mulheres.
Mas algo que a maioria absoluta dos pensadores seculares não percebe é que o poder está contaminado pela maldade humana (aqui). Em outras palavras, quem adquire poder não se contenta com a sua libertação e equiparação, antes exerce a violência do poder. Quando Deus criou o homem nenhuma destas coisas existia. O homem morava no jardim (não haviam casas e muito menos a necessidade de preocupação com os cuidados que uma residência moderna exige), não havia dinheiro, e a última coisa com qual o relato bíblico se preocupa é com a projeção de uma imagem de um Adão mandatário.
A estrutura narrativa do Gênesis mostra o homem (leia-se a humanidade), governando e cuidando do mundo que Deus criou, ou seja, o exercício do poder não exclui o cuidado com a criação e com o próximo. O casamento relatado no primeiro livro da Bíblia passa uma mensagem de que a união conjugal envolve pertença e identificação. Ali não existe quem manda e quem cuida do quê, uma vez que são carne da carne e ossos dos ossos um do outro.
Minha conclusão é que ser homem é ser aquilo para o qual Deus nos criou. Foi na medida em que a imago Dei foi se apagando no homem, que este sentiu a vontade de colocar um suposto poder no lugar daquela qualidade já apagada. Creio que quanto mais o homem for se parecendo com o próprio Cristo, mas homem ele será e mais encantará sua companheira. Afinal, quando a Bíblia descreve o homem, o faz em termos de alguém ama sua mulher como Cristo amou a igreja e como alguém que busca agrada-la em tudo. Os baixos salários e as demandas do custo de vida não permitem mais ao homem manter sozinho uma casa. Na verdade creio que isto nunca aconteceu, basta ler o texto de provérbios que fala da mulher virtuosa. As decisões da casa são tomadas em conjunto (veja o caso em que Abraão teve de decidir sobre a permanência, ou não de Ismael em Casa).
O que mudou? Deus fez o homem perfeito, mas eles buscaram muitas invenções (Ec 7. 29). Vivemos um modo de vida que sequer nos permite pensar em viver de forma diferente. Mas é mais do que fato que precisamos e devemos pensar em viver de forma diferente sim, do contrário, creio que não viveremos.
 
Em Cristo, Marcelo Medeiros
 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Autocontrole, ou controle do alto


Vi esta imagem no facebook (aqui) e mais uma vez fiquei pensativo. Pensando me convenci de que precisamos mais do que nunca dos valores do Evangelho e da ação transformadora do Espirito Santo em nossas relações como um todo, sendo o casamento a mais carente. Me permita colocar melhor a questão. Não quero discutir aqui quem faz o papel do cachorro preto, e quem é o marrom. A questão é que ganhei da minha esposa, um livro de Martin Lloyd-Jones sobre O sermão do Monte, e confesso, que a despeito de minha simpatia pela Teologia Reformada, agora sim introduzi minha leitura na mesma.
Uma das convicções que obtive por meio da leitura do mesmo é que o pecado afetou negativamente todas as relações humanas. Na verdade, afetou o coração do homem (Gn 6. 5; 8. 21), tornando as relações contaminadas. No lugar da busca por pertença o ser humano busca o poder, a dominação sobre o outro (no fundo esta é a motivação por trás de ideologias, como o feminismo, masculinismo, machismo).
Por meio do pecado todos os seres humanos passaram ser sujeitos aos rompantes de ira, e em decorrência do mesmo aos pecados com a língua. A única solução é o Espirito Santo, que nos ensina a ser mansos e temperados. Somente com mansidão podemos suportar a acusação (justa, ou injusta), do outro, sem que sejamos minimamente afetados. Somente com temperança respondemos de forma mansa a afastar o furor do agressor. Mas estas coisas não são parte do temperamento natural do homem, mas obra do Espírito Santo.
Paul Tournier escreveu um livro intitulado os fracos e os fortes. Neste mesmo livro ele afirma duas coisas interessantes. Primeiro, os fracos adoecem a si mesmos, mas os fortes adoecem o ambiente no qual se encontram (leia-se as demais pessoas). Segundo, a verdadeira força vem de cima. Olhando detidamente o cãozinho da imagem, posso perceber que o mesmo se encontra acuado diante do latir do outro. Não é esta a proposta divina. A leitura do sermão do monte nos mostra que Deus quer que reconheçamos os nossos erros, que sejamos misericordiosos com as demais pessoas, porque são escravas do pecado, e que não nos afetemos quando estas nos expõe os nossos erros.
É este homem descrito por Jesus que edifica a sua casa sobre a rocha, e mesmo quando as tempestades financeiras vem dar contra a vida e a casa do mesmo, ele permanece inabalável. Esta é a força que provem do auto. Na verdade não se trata de autocontrole, mas de controle do auto. Que a benção de Deus esteja sobre nossas vidas e que a cada dia o Senhor nos encha de seu Santo Espírito, para que tais coisas se tornem realidade em nossa vida.
 
Em Cristo, Marcelo Medeiros.

Um libertador para Israel


Moisés foi o instrumento humano que Deus empregou para realizar o que dantes havia prometido ao seu servo Abraão no tocante à libertação de seu povo do Egito. É importante que no decorrer desta lição atentemos para os fatores históricos e sociais em que se deu o nascimento deste homem de Deus, bem como os meios que Deus proveu para criação, educação e preparo do mesmo.

I ) Genealogia de Moisés
E Anrão tomou por mulher a Joquebede, sua tia, e ela deu-lhe Arão e Moisés: e os anos da vida de Anrão foram cento e trinta e sete anos (Ex 6. 20 ARCF). 
Moisés é da tribo de Levi, uma tribo que de acordo com a benção profética de Jacó seria sem herança (Gn 49. 5 - 8). Foi deste meio que Deus tirou um homem cuja atuação ministerial engloba a de profeta, sacerdote (dada sua atuação como intercessor entre o povo e Deus), legislador para o povo de Israel. Na verdade Moisés é um homem cuja maior marca é a renúncia a tudo quanto ele poderia ter sido dado ao seu potencial intelectual e social.

II) O contexto em que Moisés nasceu

Conforme dissemos aqui, o momento em que Moisés nasce é crítico para o povo, pois os egípcios com medo do crescimento do povo eleito, escravizaram os hebreus, e com pesados trabalhos. Ao perceberem que, a despeito da opressão o povo crescia, os opressores buscaram um outro método, que na minha leitura é um dos primeiros planos de eugenia. Para que tal fosse concretizado os meninos deveriam de serem mortos. Inicialmente o plano fracassa porque as parteiras desobedecem á voz do Faraó, mas este ordena que os egípcios e os próprios israelitas lancem os meninos no Nilo (Ex 1. 11 - 22).
Neste aspecto Moisés se iguala a Cristo, visto que ambos foram perseguidos pelos respectivos soberanos da nação no momento em que nasceram, e tiveram as suas vidas ameaçadas. Mas o texto bíblico nos mostra Deus providenciando meios para a preservação, o sustento, e o preparo de Moisés. Ele foi preservado em razão da afeição que a filha do Faraó teve por ele. Ele foi sustentado por sua própria mãe até que foi desmamado e foi preparado ao ser educado em toda a ciência do Egito, conforme vemos neste texto em que Estevão resume a vida de Moisés.
Então outro rei, que nada sabia a respeito de José, passou a governar o Egito. Ele agiu traiçoeiramente para com o nosso povo e oprimiu os nossos antepassados, obrigando-os a abandonar os seus recém-nascidos, para que não sobrevivessem. "Naquele tempo nasceu Moisés, que era um menino extraordinário. Por três meses ele foi criado na casa de seu pai. Quando foi abandonado, a filha do faraó o tomou e o criou como seu próprio filho. Moisés foi educado em toda a sabedoria dos egípcios e veio a ser poderoso em palavras e obras (At 7. 18 - 22 NVI). 
Não se sabe com certeza, o que fez com que Moisés, mesmo sendo educado em toda ciência do Egito se identificou com a causa dos seus irmãos de etnia. Este é um sentimento que não é nada comum á natureza humana, visto que nossa tendência é a de nos acomodarmos diante do sofrimento alheio, mas ele teve compaixão dos seus. Seu comprometimento com a causa do seu povo fez com que este se indispusesse contra o sistema e com isto, fosse forcado a fugir do Egito.

III) A fuga de Moisés

Para abordarmos tal assunto recorreremos ao resumo que a própria Bíblia faz da história deste servo de Deus. Na interpretação de Estevão, eis o desenvolvimento da história
Ao completar quarenta anos, Moisés decidiu visitar seus irmãos israelitas. Ao ver um deles sendo maltratado por um egípcio, saiu em defesa do oprimido e o vingou, matando o egípcio. Ele pensava que seus irmãos compreenderiam que Deus o estava usando para salvá-los, mas eles não o compreenderam. No dia seguinte, Moisés dirigiu-se a dois israelitas que estavam brigando, e tentou reconciliá-los, dizendo: ‘Homens, vocês são irmãos; por que ferem um ao outro? "Mas o homem que maltratava o outro empurrou Moisés e disse: ‘Quem o nomeou líder e juiz sobre nós? Quer matar-me como matou o egípcio ontem? ’ Ouvindo isso, Moisés fugiu para Midiã, onde ficou morando como estrangeiro e teve dois filhos (At 7. 23 - 29 NVI).  
Creio que a educação que Moisés recebeu no Egito serviu para que o mesmo desenvolvesse habilidades de escritas e leitura, tão necessárias para o registro fidedigno que o mesmo faz da trajetória histórica do povo, quanto para o registro dos mandamentos de Deus. Mas foi no deserto de Midiã que ele se preparou para conduzir o povo pelo deserto. Foi ali que ele aprendeu a viver em meios às intempéries do deserto.
Mas no que aprendeu a viver em desertos, desaprendeu a linguagem diplomática. Um grave problema no que tange ao perfil deste líder impar é a conciliação entre o que diz Estevão (que Moisés era poderoso em palavras e obras), e o que o próprio diz a seu respeito, a saber que era pesado de língua. Sobre este assunto nos debruçaremos nas linhas abaixo, quando abordarmos a sua chamada.
Por ora nos interessa reafirmar que a fuga de Moisés foi importante em sua formação como guia de um povo pelo caminho do deserto e por privações.

III) O chamado de Moisés

Deus chama seu servo no momento em que seu povo mais geme e clama a respeito da opressão que estava passando no Egito. Na verdade a totalidade do texto bíblico dá sim a entender que foi uma convergência entre o tempo divino e o clamor do povo.
E aconteceu, depois de muitos dias, que morrendo o rei do Egito, os filhos de Israel suspiraram por causa da servidão, e clamaram; e o seu clamor subiu a Deus por causa de sua servidão. E ouviu Deus o seu gemido, e lembrou-se Deus da sua aliança com Abraão, com Isaque, e com Jacó; E viu Deus os filhos de Israel, e atentou Deus para a sua condição (Ex 2. 23 - 25 ARCF). 
O clamor do povo chega a Deus, mas perceba caro leitor que o texto nos mostra Deus se lembrando da aliança que fizera com os patriarcas, o que remete ao pacto em que Deus renova, particularmente com Abraão, as promessas de uma descendência numerosa e de que a mesma seria peregrina em terra estranha, antes de herdar a terra prometida.
Após quarenta anos de deserto, e de longa experiência como pastor dos rebanhos do seu sogro, Deus chama Moisés no meio da sarça ardente. Uma sarça queimar em pleno deserto não é algo incomum, o extraordinário estava em que a que fora visualizada por Moisés queimava e não se consumia. Ao se aproximar para ver o fenômeno de perto. Deus brada do meio da sarça. É neste contexto que se dá o chamado de Moisés (Ex 3. 1 - 15). Creio que no caso dele tenha sido deste forma, porque ao longo do contexto Moisés demonstra preocupação com a aceitação do povo, visto que já havia lidado com a rejeição. Fato é que mesmo não havendo um padrão único para o chamamento divino, é possível se perceber que todo homem de Deus, recebe sua comissão em meio a uma profunda experiência com Deus.
Diante do chamado divino, Moisés expõe a sua inadequação. Ele pergunta: Quem sou eu para apresentar-me ao faraó e tirar os israelitas do Egito? (Ex 3. 11 NVI). E obtém de Deus a seguinte resposta: Eu estarei com você. Esta é a prova de que sou eu quem o envia: quando você tirar o povo do Egito, vocês prestarão culto a Deus neste monte (Ex 3. 12 NVI). A obra de Deus é feita pelo próprio Deus, é esta a verdade contida na afirmação de Isaías quando ele disse: tudo o que alcançamos, fizeste-o para nós (Is 26. 12 NVI).
A segunda alegação de Moises é a ausência de conhecimento teológico. Embora Deus se manifeste como o Todo poderoso aos patriarcas, ele não fez seu nome conhecidos aos mesmos (Ex 6. 2, 3). a revelação do nome de Deus foi feita à Moisés. E qual é o seu nome? Seu nome é יְהוָ֞ה (YHWH), cuja transliteração pode ser Jeová, Javé, ou Iahweh; mas cujo significado é EU SOU. Aqui se encerra toda a Teologia, tudo o que se pode afirmar a respeito da pessoa de Deus. Ele É.
Esta experiência somada ao preparo intelectual e prático do servo de Deus formaram o tripé da preparação do homem de Deus chamado Moisés. Os sinais que Deus concede à Moisés são muito interessantes, mas sem a presença de Deus eles nada seriam, visto que no inicio de seu ministério, quando este se apresenta para Faraó, os magos repetem os mesmos sinais, indicando que a garantia do ministério é a presença de Deus.
Concluo este trabalho afirmando mais uma vez que o preparo intelectual e espiritual é indispensável para o líder. Mas nenhum preparo dispensa e experiência espiritual, e ao analisarmos a vida de Moisés, percebemos todas estas qualidades presentes. Minha oração é que aqueles que se sentem chamados por Deus busquem o preenchimento de todas estas lacunas, para a Glória de Deus.
 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros.
 

Ele é suficiente


 
Ao verificar o meu facebook fui tocado por esta imagem, digo pela mensagem que a mesma traz. É mais do que fato que as redes sociais são um fenômeno. Pessoas dantes distantes foram aproximadas, pessoas próximas são distanciadas. Se posso me comunicar com o meu irmão (que não vejo deste a morte de minha mãe), por outro lado, dificilmente posso manter um diálogo, ou discussão sadia com pessoas da mesma ordem e fé. É um fato inconteste que redes sociais não produzem nem amigos, nem interlocutores. Na verdade são o instrumento para que as pessoas possam fazer o grua de exposição necessários à sua existência.
Falando de amigos, diz a Filosofia que estes nascem do companheirismo. Companheirismo, palavra que deriva de companhia, cuja origem é o latim cumpanis, que por sua vez significa com este mesmo pão. A palavra indica igualdade. Não me importa aqui especular a respeito da possibilidade de pessoas de profissão e classe social diferente ser, ou não amigos. Não é isto que estou querendo dizer. Quero me ater ao fato de que a amizade nasce da constatação de algum tipo de igualdade, que começa com a atividade no trabalho, na Igreja, na arte, e avança para a subjetividade. Daí que esta palavra, cada vez mais banalizada na verdade represente algo que não faz parte de nossa rotina, que não é corriqueiro. O coleguismo é comum, a amizade não.
Foi por constatar que a amizade á algo tão raro que Milton Nascimento cantou: Amigo é coisa pra se guardar [...] debaixo de sete chaves [...] dentro do coração. Somente guardamos aquilo que é precioso. Estiamos aquilo que é de nosso apreço (lembrando que apreçar, também é conferir valor). Daí uma mensagem que podemos extrair da imagem em epigrafe é que na ordem dos valores, Deus em primeiro lugar, pais e mães em segundo, amigos em terceiro, conhecidos a quem cumprimentamos em quarto, colegas em quinto, afins em redes sociais em sexto, etc... .
Uma última mensagem. Deus nos garante em sua palavra que podemos ter um relacionamento filial com ele, e mais do que isto, uma verdadeira amizade. A Bíblia nos conta a historia de um homem que quando caiu em desgraça alguns dos seus amigos mais chegados se mostraram traiçoeiros. Davi é o nome deste homem, mas ele sabia em todo o momento, que mesmo em seus vales de sombra e de morte poderia contar com a ajuda e o apoio divino, que mesmo quando todos diziam: para este não há mais salvação em Deus, ele poderia afirmar: Mas tu, Senhor, és o escudo que me protege; és a minha glória e me fazes andar de cabeça erguida (Sl 3. 3 NVI), e, Do Senhor vem o livramento. A tua bênção está sobre o teu povo (Sl 3. 8 NVI).
Minha oração nesta ora, é que nos momentos de solidão você seja cada vez mais convencido de que pode contar com o apoio divino, e que ele é o auxílio necessário e absoluto. Na mesma Bíblia lemos: É melhor buscar refúgio no Senhor do que confiar nos homens (Sl 118. 8 NVI). Somente Deus é socorro bem presente na hora da angustia. Deus os abençoe.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros.

domingo, 12 de janeiro de 2014

O melhor dos mundos possíveis


Achei muito interessante o trocadilho feito por Zuenir Ventura em sua coluna de sábado no jornal O Globo. Ao pesquisar na internet obtive a informação de que Leibniz acreditava que vivíamos no melhor mundo possível (crença que foi alijada por Voltaire, em seu livro Candido, ou do otimismo [aqui]), mas até aí a questão está na esfera filosófica. Há filósofos que creem que nosso mundo é o melhor possível, e há os que são pessimistas quanto o mesmo. Bem diferente disto é o cinismo típico de nossa classe política, que faz um estadista apelar para este argumento quando de fato as coisas não vão bem.
É com este tom que Zuenir Ventura critica a governadora do estado do Maranhão, que em meio a crise no sistema penitenciário, ao maior índice de miséria de todos os estados nação, disse que o Maranhão vai bem. A imagem acima é uma ironia com a informação de que parte das contas públicas deste estado são resultado da encomenda de toneladas de frutos do mar. Neste caso, o estado é o mais vívido retrato de um país que ambiciona sediar uma copa, mas cujos maiores problemas de cunho social ainda não foram satisfatoriamente resolvidos.
 
Marcelo Medeiros

sábado, 11 de janeiro de 2014

Lanna Holder se une com Rosania Rocha

 
Respeito as leis á parte, e aos direitos individuais, dentre os quais, o da liberdade de expressão, não vejo a união das figuras em tela como um casamento. Casamento, de acordo com o texto preferido desta suposta pastora, é a união entre homem e mulher (padrão claramente estabelecido no livro do Gênesis), e que você pode conferir aqui, aqui, e aqui. Outra questão o gay pode sim ser evangélico, desde que sua sexualidade não seja propagada, e que ele a reconheça como errada e lute contra ela. Na verdade a dificuldade vivida pelo homossexual é a mesma que toda pessoa mente, fofoca, agride, se ira, adultera enfrenta. Uma vez pecador ninguém consegue por suas próprias forças lutar contra isto. Criar uma Igreja Inclusiva demanda que tais aspectos sejam considerados.
Mas a questão que me traz aqui não é a pessoas do novo par homo afetivo do meio gospel, mas uma questão levantada por alguém nas redes sociais. O que Jesus faria, tentaria conquistar com sabedoria, ou abriria mão das pessoas? gostaria de responder esta questão reafirmando uma verdade bíblica de que Cristo veio ao mundo para salvar pecadores, mas vamos analisar este texto na íntegra.
Mas os fariseus e aqueles mestres da lei que eram da mesma facção queixaram-se aos discípulos de Jesus: "Por que vocês comem e bebem com publicanos e ‘pecadores’? "
Jesus lhes respondeu: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento
(Lc 5. 30 - 32 NVI).
Creio que este texto derrube por terra a imagem de um Cristo adocicado que tem sido vendida por aí. É verdade que ele veio para os pecadores e neste intuito se misturou com eles. Mas ele mesmo os chamou ao arrependimento. A palavra grega para arrependimento é μετανοιαν (metanoian), cujo sentido literal é mudança de mente, mas em termos práticos é a demanda de uma nova atitude, por parte do homem, com relação aos seus pecados.
Creio que cenas como a da imagem acima sejam fruto de um evangelho onde arrependimento é um conceito ultrapassado, senão excluído. Agora, opiniões e exegeses bíblicas á parte, creio que não é com hostilidade franca e aberta que algo de útil e proveitoso será feito. Necessário se faz aqui a lembrança das palavras de Paulo, quando este diz que ao servo de Deus não convém contender, mas ser manso e apto para convencer os contradizentes, visto que eles estão sob o poder do diabo (II Tm 2. 24, 25), lembrando que as palavras de Paulo aqui se aplicam a todos os que não entendem o Evangelho. Oremos para que Deus ilumine os olhos de ambas e lhes conceda o arrependimento em Cristo Jesus.
 
Marcelo Medeiros, Em Cristo

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O livro do Êxodo e o Cativeiro de Israel no Egito


Estou chegando atrasado aos comentários de lições de Escola Bíblica Dominical das Casas Publicadoras das Assembleias de Deus. Mas creio que a despeito do atraso, se faz importante tecer algumas considerações a respeito de questões textuais concernentes à primeira lição, a fim de proporcionar ao leitor elementos que contribuam para edificação e enlevo espiritual dos educandos que frequentam esta tão maravilhosa instituição. Passemos então às considerações.

I) O nome do Livro
Estes pois são os nomes dos filhos de Israel, que entraram no Egito com Jacó; cada um entrou com sua casa (Ex 1. 1 ARCF).

 
Em nossas Bíblias o segundo livro recebe o nome de Êxodo, do grego ἑξοδους. Tal se dá em função dos tradutores da septuaginta terem nomeado o mesmo em função do principal tema, que é a saída do povo de Israel do Egito. Mas em Hebraico o nome do livro é concomitante com as primeiras palavras do mesmo é וְאֵ֗לֶּה שְׁמֹות (wi'lleh Shemott), cuja tradução é estes são os nomes. A seguir o livro de fato nomeia os filhos de Israel no Egito, preparando com isto a mentalidade do leitor para a informação que virá após, o crescimento dos filhos de Israel na terra do Egito.
 
II) Analise literária
 
A forma como o livro começa, fornece ao leitor atento a clara percepção de que na verdade o Êxodo é uma continuação do relato do Gênesis, onde vemos a mesma fórmula do primeiro verso do Êxodo. E estes são os nomes dos filhos de Israel, que vieram ao Egito, Jacó e seus filhos: Rúben, o primogênito de Jacó (Gn 46. 8 ARCF). Aqui também aparece a expressão וְאֵ֗לֶּה שְׁמֹות (wi'lleh Shemott). Não se pode menosprezar a informação de que todas as almas que vieram com Jacó ao Egito, que saíram dos seus lombos, fora as mulheres dos filhos de Jacó, todas foram sessenta e seis almas (Gn 46. 26 ARCF), que foram adicionadas aos filhos de José, e ao próprio José, somando então, junto com Jacó, setenta pessoas. Neste sentido, Êxodo é uma continuação de Genesis.
O livro de Êxodo é um dos mais híbridos (em termos literários) que temos na Bíblia. Nele encontramos: genealogia, narrativas, poesia, cânticos, orações, leis, teologia, ficando ao leitor e ao estudioso a árdua tarefa de escolher um estiolo em que classificar este livro. Os autores clássicos o classificam como História profetizante, ou teológica. Isto fica evidencia do na medida em que ao ler o Gênesis, o leitor atenta para a mensagem profética de Deus para Abraão. Ao renovar a aliança com o patriarca em apreço, Deus lhe diz:
Saibas, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, mas também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza. E tu irás a teus pais em paz; em boa velhice serás sepultado. E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia (Gn 15.13 - 16 ARCF)
De fato a continuidade do Gênesis nos mostra a descendência de Abraão descendo ao Egito com fins de preservação da posteridade (Gn 50. 20 - 23), mas em cada patriarca houve a certeza de que Deus haveria de visitar a geração futura com vistas a livrar a mesma da condição escrava, que é descrita por meio de dois verbos עֲבֹ֖ד (ebadhah), e עָנח ('anah). O primeiro é trabalhar como escravo, e o segundo significa afligir. Logo, a estada do povo de Israel no Egito foi de fato um cativeiro. Contudo, a profecia não termina aí. Deus também fala da libertação, e da saída de Israel com grandes riquezas.
 
III) Contexto histórico
Com fins de preservação da descendência de Israel, José foi vendido como escravo ao Egito. Ele mesmo reconheceu isto em meio a uma conversa com os irmãos, quando afirmou: Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar muita gente com vida (Gn 50. 20 ARCF). O êxodo segue esta narrativa afirmando que Faleceu José, e todos os seus irmãos, e toda aquela geração. E os filhos de Israel frutificaram, aumentaram muito, e multiplicaram-se, e foram fortalecidos grandemente; de maneira que a terra se encheu deles (Ex 1. 6, 7 ARCF). Aqui se descreve um crescimento exponencial, visto que de setenta pessoas eles progrediram para mais de meio milhão.
A opressão do povo começa quando se levanta um novo rei sobre o Egito. O texto afirma: E levantou-se um novo rei sobre o Egito, que não conhecera a José (Ex 1. 8 ARCF) Como este rei não conheceu a José? A hipótese levantada por MacArthur é que este rei era possivelmente um hicso, e por este mesmo motivo não conheceu a José. O verbo hebraico יָדַ֖ע (Yadhah) é muito mais do que conhecimento (no sentido de informação), o verbo significa travar relacionamento, daí que a hipótese de MacArthur faça sim sentido.
Outra tese é a levantada por Werner Keller no clássico "E a Bíblia Tinha Razão". Para este autor, seria inviável um faraó egípcio ceder a um estrangeiro um lugar de honra em sua corte. Daí que ele e os defensores de uma data mais tardia do cativeiro egípcio e do êxodo defendam que o faraó contemporâneo de José tenha sido um hicso, e que no período do cativeiro o Egito os tenha expulsado passando a ver os hebreus como aliados dos invasores estrangeiros.  
Os que advogam uma data mais recente apoiam o pensamento de Werner Keller, ao passo que os que advogam uma data mais remota esposam o pensamento de MacArthur. O que tem de ficar claro é que a expressão לֹֽא־יָדַ֖ע (lo yadah), indica uma falta de familiaridade, que um relacionamento pessoal poderia ter proporcionado,  por parte do faraó com José. A imposição de trabalho foi o método do processo de escravidão.
Mas Deus que jamais esquecera a promessa feita ao seu servo Abraão, foi preparando em meio a este contexto alguém que seria o libertador, digo, o instrumento para a libertação do seu povo, visto que no plano divino constava que a nação de Israel sairia do Egito com grandes riquezas.
 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O Duro preço de ser crente.....



Tenho refletido e muito nestes dias. Uma das conclusões a que cheguei, é a respeito da beleza paradoxal do Evangelho. Considere, por exemplo, o assunto salvação. A Bíblia diz que somos salvos pela graça e reforça a ideia com a mensagem de que nada poderíamos fazer para sermos remidos de nossa vã maneira de pensar. Mas como observou muito bem Norman L. Geisler, a salvação é pela graça, mas pode custar a própria vida. Isto fica evidenciado nas parábolas de Cristo a respeito da renúncia cristã. Tanto o que encontra a pérola, quando o que descobre um campo com um grande tesouro escondido precisam vender tudo o que possuem (Mt 13. 44, 45). No mesmo texto em que ele (Jesus) recomenda aos seus discípulos a darem, de graça, o que de graça receberam, ele os adverte de que serão odiados pelos seus familiares, por causa do nome dele, e que deveriam andar no mundo tal como ovelhas em meio aos lobos (Mt 10 16ss). É neste sentido que Jesus traz fogo e espada á terra, pois quem quisesse seguir a Cristo deveria estar disposto a ser odiado pelos seus. Eu prometo ao leitor que voltarei a este assunto neste espaço. Mas peço a permissão para despertar a atenção para um outro fator.
As verdades acima descritas descrevem a realidade de ser crente nos dias de Cristo e dos apóstolos. Nos dias atuais além do que descrevemos acima teríamos de colocar outros fatores. Ser cristão, seguidor de Cristo, imitador do mestre nos dias atuais é estar preparado para a cruz, pior para a agonia do Getsêmani. Foi o momento em que Cristo se sentiu sozinho em oração, e pior, não teve sequer o apoio dos homens que horas antes buscou consolar e confortar (segundo as palavras de João). Na verdade, nem entre os nossos encontramos apoio. E por quê? Em razão da mercantilização do Evangelho.
Na medida em a concepção orgânica de Igreja foi cedendo lugar á noção institucional (isto é um fenômeno histórico não se espante), e a mensagem evangélica da renúncia foi abandonada em prol de pregações confortantes, com ênfase no aspecto humano, no crescimento financeiro das pessoas, os paradigmas mudaram. Ser próspero não é apenas um desejo das pessoas, mas uma obrigação. Aqui se faz necessário que eu manifeste QUE NAO TENHO NADA CONTRA A FRUIÇÃO DE BENS DE CONSUMO, DESDE QUE A MESMA SEJA BENÇÃO PARA OUTROS (aqui). A vida é curta e o conselho do pregador é que cada um busque desfrutar da mesma de forma sábia possível. Mas uma cultura hipócrita tem se instalado no social, e temo que a mesma se instale no ambiente cristão. Trata-se na necessidade de se fazer representar para os outros.
Pascal falava que não nos contentamos com aquilo que somos em nós mesmos, mas que procuramos sempre nos projetar na mente das pessoas. E isto, ao ponto de, em termos uma qualidade qualquer desejamos que os demais o saibam. Não se trata de uma especificidade minha, ou sua, mas de uma esquema compensatório, afinal, todos somos miseráveis, e procuramos compensar com inteligência, estudo, dinheiro, boa forma, coisas que em si não são erradas, mas que se tornam ídolos na medida em que passam a ocupar o centro de nossa vida.
Aqui ficamos diante de duas opções: pagar o preço pela manutenção das aparências, ou pagar o preço discipulado, por ser semelhante a Cristo. É caro desfilar com roupas novas, com o carro do último tipo, bancar a aparência de piedade, de liberalidade, de ética e de religiosidade. É igualmente dispendioso ser cristão, sentir que está remando contra a maré, em uma canoa furada, ser solitário (não por algumas horas como Cristo foi, mas ás vezes por uma vida). A diferença entre uma forma e outra, é o retorno. No primeiro caso ganha-se o mundo e perde-se a vida. No segundo, perde-se a vida, para ganhar a verdadeira vida.
 
Marcelo Medeiros, em Cristo.

Morrre Nelson Ned


Uma das maiores vozes que ouvi em minha vida. É assim que conceituo um mineiro de Ubá, que tem por nome Nelson Ned D'Ávila Pinto. A ausência de desenvolvimento levou a família a buscar a ajuda médica, o que trouxe a constatação de um diagnostico complicado a displasia espôndilo-epifisária, cujo resultado era sua baixa estatura. O desenvolvimento de sua carreira pode ser visto aqui. Seu maior sucesso secular foi a música "tudo passará", cuja inspiração foi tributada aos seus amores durante a vida. No meio evangélico fez muito sucesso com um Long Play (LP, ou antigo bolachão), que tinha a canção Só Jesus como uma das Faixas, infelizmente não mencionado na maioria das reportagens sobre a morte deste maravilhoso cantor.
Pequeno em estatura, mas gigante na voz, é assim que ele é lembrado em razão da surpresa que sempre causava, e isto, ao ponto de ser chamado de O pequeno Gigante da canção romântica (aqui). Nelson Ned foi sucesso em razão do exemplo de vida, como profissional. Viveu em um momento em que o discurso de inclusão, e o politicamente correto não estavam ainda em voga, o que nos leva a concluir que ele enfrentou, muito preconceito ao longo de sua vida, mas que nunca se prostrou diante de nenhuma dificuldade sofrida.
Ned vinha passando por problemas de saúde desde 2003, em decorrência de um acidente vascular cerebral (aqui), que o levou a ficar sob cuidados constantes da família. Uma geração vai, a outra vem, do pó viemos e ao pó tornaremos, mas neste vai e vem, e neste fazer-se pó deixamos as nossas marcas em algumas pessoas. Sem entrar no mérito da vida pessoal do cantor, da qual ele mesmo falou sucessivas vezes em programas de TV, Nelson Ned deixou marcas em muitas pessoas com os hits que ele interpretou. Na minha vida a marca é a canção que diz:
quando todas as portas do mundo estiverem fechadas, e você perceber que as verdades estão todas erradas, Quando você não tiver no mundo, nem mais um amigo, Não tiver mais ninguém ao seu lado que lhe dê abrigo...... Só Jesus, Só Jesus, Só Jesus lhe dará a salvação......, Só Jesus, Só Jesus, Só Jesus lhe dará a salvação
Salomão diz que é melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração (Ec 7. 2 ). Noticias como estas tem o mesmo efeito pedagógico, creio eu. E uma das coisas às quais temos de aplicar o nosso coração é o que fazemos com a nossa vida e com as oportunidades que a mesma nos franqueia.
 
Marcelo Medeiros, Em Cristo, aqueles que nos dá salvação quando todas as portas do mundo se fecham.
 

sábado, 4 de janeiro de 2014

A Parábola do Rico e do Lázaro




Um dos gêneros literários que encontramos nas Escrituras Sagradas é a parábola. O nome vem do grego παραβολην (parabolee), cujo sentido básico é o de comparação. É uma forma de ensinar que lança mãos às símiles. Fatos da vida cotidiana são usados por Cristo para ilustrar e transmitir ensinamentos. Fee e Sttuartt a definem como sendo uma história contada com fim de pegar (leia-se envolver), o ouvinte.

Dentro deste gênero temos uma parábola que é alvo de extremas controvérsias, a do Rico e do Lázaro. Primeiramente, Dake afirma em sua Bíblia de Estudo que o verbo haver, que aparece nas versões de Bíblias, é indicador de que a história contada por Cristo é real, do contrário, a mesma seria uma mentira, artificio do qual Cristo jamais se valeu. É fácil concordar que Cristo jamais se valeu de artifícios. Difícil é entender que a historia narrada seja uma descrição da vida futura, como querem os teólogos que seguem a linha dispensacionalista de Dake, e grande parte dos teólogos brasileiros.

O estudo deste texto é importante dentro do estudo geral da Escatologia, assunto sobre o qual falei abertamente neste espaço, aqui, aqui, e aqui. Creio que para entender o estudo anterior a este seja de vital importância tecer algumas considerações sobre este texto. Para tal necessário se faz observar o respectivo texto, e gostaria de ler o mesmo com o leitor do post. 
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho fino e vivia no luxo todos os dias. Diante do seu portão fora deixado um mendigo chamado Lázaro, coberto de chagas; este ansiava comer o que caía da mesa do rico. Em vez disso, os cães vinham lamber as suas feridas. "Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado.
No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado. Então, chamou-o: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo’. "Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembre-se de que durante a sua vida você recebeu coisas boas, enquanto que Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você está em sofrimento. E além disso, entre vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que desejam passar do nosso lado para o seu, ou do seu lado para o nosso, não conseguem’. "Ele respondeu: ‘Então eu lhe suplico, pai: manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento’. "Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. " ‘Não, pai Abraão’, disse ele, ‘mas se alguém dentre os mortos fosse até eles, eles se arrependeriam’. "Abraão respondeu: ‘Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos’ (Lc 16. 19 - 31 NVI). 
  
I) Considerações

Face ao que lemos passo às considerações:
  1.   Os que desejam ver nesta história uma descrição natural se esquecem de que à luz do ensino geral das Escrituras a pobreza em si não é uma condição para a salvação, tal como a riqueza não é para a perdição.
  2. A fala de Abraão (Filho, lembre-se de que durante a sua vida você recebeu coisas boas, enquanto que Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você está em sofrimento), é no mínimo intrigante, visto que face a omissão de qualquer confissão de fé, ou ato de bondade por parte de Lázaro, ela colocaria o acesso à salvação como algo ligado à condição sócio econômica do individuo.
  3. Esta mesma frase, se interpretada fora do contexto geral do ensino de Cristo, pode colocar o Evangelho nos mesmo nível das religiões cármicas. A salvação é fruto exclusivamente da graça, nada tendo a ver com a condição social do indivíduo.
  4. De igual modo ninguém é condenado simplesmente pelo fato de ser rico e desfrutar em vida de tal riqueza.
  5. Ainda temos de considerar que, à luz do ensino bíblico, mesmo um rico que doe os seus bens aos pobres não tem pela simples doação a garantia de vida eterna, uma vez que Paulo mesmo afirmou: Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me vale (I Co 13. 3 NVI).
  6. A visão do mundo futuro esposada pelo autor do texto (diga-se de passagem peculiar ao Evangelista Lucas), reflete e muito a visão grega, e do judaísmo do Novo Testamento. Para ambos os grupos, o inferno, ou melhor, o αδης (hades) era uma região para onde se dirigiam todos os mortos indistintamente. Os de vida moral mais elevada iam para os Elíseos, ao passo que os de conduta perversa recebiam sua punição em um local do mesmo hades, o ταρταρω (tártaroo). A diferença é que no presente texto o Elíseos é chamado de seio de Abraão.
  7. É claro que neste, tal como ocorre em inúmeros casos, palavras gregas são empregadas para expressar conceitos judaicos, e falaremos mais a respeito disto, visto que se interpretarmos αδης no sentido judaico veremos que temos ainda menos razoes para acreditar que o texto em apreço é um texto descritivo.
  8. O pedido do rico para que Lázaro seja enviado á sua antiga casa, a fim de pregar para os seus irmãos, para que os mesmos não tivessem o mesmo fim, reflete a crença mística do judaísmo tardio de que importantes personagens do Antigo Testamento voltariam.
  9. Note que o diálogo se dá entre o rico e Abraão. Se este texto descreve uma história verídica, ou uma realidade objetiva como Dake deseja, devo crer que Abraão é um tipo de guardião, ou gerente do paraíso celeste?
Minha conclusão é de que se o texto for interpretado literalmente estabelece uma série de contradições com o ensino geral do Evangelho. O que me leva a apelar ao contexto da parábola.
II) O Contexto gramatical da parábola

Durante as aulas de hermenêutica no seminário, sucessivas vezes ouvi a frase: texto sem contexto é pretexto para heresia. O ensino implícito ao adagio mais do que popular entre os Evangélicos é o de que se quisermos estabelecer o fiel sentido de um texto, temos de analisar o seu contexto imediato. Isto fica ainda mais fácil quando a discussão se dá entre pessoas que creem na inspiração da Bíblia. Tal crença permite a conclusão mais do que obvia de que os textos não foram inseridos aleatoriamente nos contextos, mas com um proposito supremo.

O contexto em que tal história se insere é o da parábola do administrador infiel. A lição que Cristo quer passar ali é a seguinte:
usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que, quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas. "Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito. Assim, se vocês não forem dignos de confiança em lidar com as riquezas deste mundo ímpio, quem lhes confiará as verdadeiras riquezas? E se vocês não forem dignos de confiança em relação ao que é dos outros, quem lhes dará o que é de vocês? "Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará ao outro, ou se dedicará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro". (Lc 16. 9 - 13 NVI). 
Simples assim. Este ensino possui ampla base e ordem nas Escrituras. Fato é que as riquezas devem ser usadas para a aquisição maior de amigos, a fim de que quando estas faltarem os amigos valham aos seus antigos ajudadores. Este é o uso da mordomia para aquisição e fortalecimento de relacionamentos autênticos.
Mas a história do administrador infiel trouxe reação negativa por parte dos fariseus, uma vez que os mesmos eram avarentos (Lc 16. 14), e Jesus reage afirmando:
Ele lhes disse: "Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus". "A Lei e os Profetas profetizaram até João. Desse tempo em diante estão sendo pregadas as boas novas do Reino de Deus, e todos tentam forçar sua entrada nele. É mais fácil o céu e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço. "Quem se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher estará cometendo adultério, e o homem que se casar com uma mulher divorciada do seu marido estará cometendo adultério" (Lc 16. 15 - 18 NVI). 
Gostaria de observar que:
  1. Jesus condena a hipocrisia e a avareza dos fariseus.
  2. Ao mesmo tempo em que tece severa crítica aos seus interlocutores, ele apela à autoridade da lei, o que não é novidade em seus embates com os mesmos.  
  3. Jesus afirma a sua autoridade como proclamador do Reino de Deus.
  4. A história contada por Jesus, a respeito de um rico, que se vestia de finas vestes, e um mendigo, que desejava se alimentar com as sobras do rico, é a continuação da fala que destaquei supra. Tudo leva a entender que ao mencionar a história, Jesus queria afetar aos fariseus.
Texto e contexto! Simples assim!
  1. A mensagem da lei e dos profetas tinha em seu conteúdo a justiça social, o que era ignorado pelos fariseus (Mt 23. 23).
  2. As boas novas do Reino trazem um conteúdo voltado para os pobres (Mt 11. 5).
  3. Tal como a lei, as palavras de Jesus possuem valor permanente (Mt 24. 34).
  4. Deus não levará em conta o casuísmo farisaico ao lidar com os homens no juízo.
É sob este prisma que o real sentido da história do rico e do Lázaro emerge do contexto bíblico.

II) O contexto teológico da parábola

Já foi comprovado, no presente estudo, que a história do Rico e do Lázaro foi uma resposta de Jesus aos fariseus, face à clara rejeição dos mesmos quanto ao ensino de Cristo no tocante ao uso das riquezas. Algo muito comum, da parte Jesus, é o recurso de se valer de imagens do cotidiano cultural do público para se fazer entendido. Neste caso, Cristo se vale da compreensão do judaísmo rabínico a respeito da vida após morte.

Na medida em que lemos os textos sapienciais, percebemos que a vida após morte era um mistério para o judaísmo anterior ao exílio. A palavra grega αδης (hades), foi amplamente empregada pelos tradutores da Bíblia hebraica para se referirem ao שְׁאֹ֑ול (Sheol), que por sua vez é descrito com sendo a terra de sombras e densas trevas, para a terra tenebrosa como a noite, terra de trevas e de caos, onde até mesmo a luz é trevas (Jó 10. 21, 22 NVI). Em seu grito de dor Jó concebe o שְׁאֹ֑ול como sendo um lugar onde todos se igualam, e igualmente encontram repouso, veja: 
Agora eu bem poderia estar deitado em paz e achar repouso junto aos reis e conselheiros da terra, que construíram para si lugares que agora jazem em ruínas, com governantes que possuíam ouro, que enchiam suas casas de prata. Por que não me sepultaram como criança abortada, como um bebê que nunca viu a luz do dia? Ali os ímpios já não se agitam, e ali os cansados permanecem em repouso; os prisioneiros também desfrutam sossego, já não ouvem mais os gritos do feitor de escravos. Os simples e os poderosos ali estão, e o escravo está livre de seu senhor (Jó 3. 13 - 19 NVI). 
Este pensamento tem o seu eco nos salmos onde vemos os salmistas afirmando: Quem morreu não se lembra de ti. Entre os mortos, quem te louvará? (Sl 6. 5 NVI). Ao receber livramento o Rei Ezequias entoou o seguinte louvor: pois a sepultura não pode louvar-te, a morte não pode cantar o teu louvor. Aqueles que descem à cova não podem esperar pela tua fidelidade (Is 38. 18 NVI). Ainda mais contundente é a forma com a qual se descreve o inferno neste texto:
Acaso mostras as tuas maravilhas aos mortos? Acaso os mortos se levantam e te louvam? Será que o teu amor é anunciado no túmulo, e a tua fidelidade, no Abismo da Morte? Acaso são conhecidas as tuas maravilhas na região das trevas, e os teus feitos de justiça, na terra do esquecimento? (Sl 88. 10 - 12 NVI).
Nestes textos o inferno, ou שְׁאֹ֑ול (Sheol) é descrito como:
  1. um lugar onde todos os seres humanos descansam, independente de sua condição moral,
  2. O mundo dos mortos,
  3. O abismo da morte,
  4. região de trevas e,
  5. Terra dos esquecimento, um lugar onde Deus não é louvado.
Com isto podemos afirmar, junto com Marvin Richardson Vincent e Hans Bietenhard que foi pela da visão grega e persa, que por sua vez desembocou na literatura apocalíptica que o rabinismo desenvolveu um pensamento elaborado sobre a vida no além. Fora das incursões especulativas dos textos poéticos não temos nada de concreto no Antigo Testamento a respeito da vida após a morte. É destas constatações que concluo que ao responder aos fariseus sobre a questão do emprego do dinheiro como meio para se alcançar um fim maior, que Jesus proferiu uma história nos moldes do pensamento da época.

O Novo Testamento também não é prodigo em informações a respeito da vida após a morte. Paulo fala em duas ocasiões em estar com Cristo (Fp 1. 23; II Co 4. 14 - 5. 10), e ao meu ver tal concepção, a despeito das influencias de pensamento do rabinismo, se coaduna com a cosmovisão poética e profética. Na medida em que o tempo se passou, e com a revelação progressiva, a ressurreição foi ganhando espaço no pensamento judaico (Is 26. 19; Dn 12. 2), o mundo dos mortos foi sendo visto como algo tão temporário que sequer merecia atenção.

O mesmo ocorre com Paulo quando este fala de estar com Cristo. Sua perspectiva não é a vida em um ambiente edílico e condição de uma alma, ou espirito desencarnado, mas dealguém que terá o seu corpo mortal transformado na imagem do corpo de Cristo (II Co 5. 1, 2; Fp 3. 20, 21). Enquanto tal promessa não se concretiza, ele estará com Cristo, e nem a vida, nem a morte podem interromper tal comunhão, que ele já desfruta com o Senhor (Rm 8. 35 - 39). Há que se lembrar que o alvo supremo de Paulo não é ser despido, mas revestido, e voltaremos a este assunto neste blog.

Fato, é que das duas maiores mentes reveladas no Novo Testamento, nem Paulo, e muito menos Jesus deram sobejas, ou parcas informações a respeito da vida após a morte, do paraíso, ou do inferno. Creio que boa parte de nossa cultura e pensamento a respeito destes assuntos se baseia mais em informações oriundas da cultura pagã. Jesus, ao menos ousou se dirigir aos fariseus nos termos desta cultura, mas Paulo só fez uma afirmação a respeito do paraíso, que as coisas que ele vira lá, eram ilícitas de se contar aos homens, dada a inefabilidade de tais realidades.

III) Observações exegéticas sobre a parábola

Ao fazer uma exegese do texto em si obtemos alguns elementos que nos permitem uma exegese mais apurada. Os versos iniciais contrastam o estilo de vida de dois homens socialmente díspares. De um lado temos um homem rico e do outro um pobre, na verdade um mendigo. O termo grego πτωχος (ptoochos) era usado para expressar toda forma de carência, e foi usado por Cristo, na primeira bem aventurança,  para se referir aos que possuem noção de sua pobreza e indigência espiritual. Sendo que neste último caso πτωχοι τω πνευματι (ptoochoi too pneumati), ocorre em uma forma diferente, mas retendo o mesmo sentido.

Digno de nota é a ocorrência do nome Lázaro, que em grego é λαζαρος, mas que Vincent entende como sendo uma forma abreviada do nome Eleazar, cujo sentido é Deus é meu socorro. Por mais que se tente ver aqui indícios de que tal texto não se trata de uma parábola, quando se interpreta os elementos que compõem a história, torna-se perceptível que se trata de uma peça literária, cujos elementos apontam para o contexto global do ensino de Cristo, conforme dissemos supra.

Foi aos pobres que Cristo anunciou o Evangelho. Não que isto fosse condição para a salvação, mas que na teologia bíblica geral o pobre desde cedo foi associado com o humilde, ou com o manso. Merece destaque o termo עֲנָוִ֗ ('anaw), a raiz do termo hebraico עֲנִיֶּ֛ ('ani), cujo sentido é do pobreza (Dt 15. 11). O pobre em Israel era aquele que não possuindo terra para trabalhar vivia em total estado de indigência, podendo vir a mendigar. Fato é que o pobre do contexto bíblico é bem diferente do pobre do contexto social atual (ver aqui).

No contexto geral do Evangelho de Lucas não há espaço para a crença errônea de que somente os pobres, no sentido econômico do termo, herdam o Reino de Deus. Um fato preponderante é a conversão de Zaqueu, cujo desprendimento de suas riquezas e posses é o maior sinal de sua salvação (Lc 19. 8 - 10). E uma peculiaridade neste evangelista é a colocação da historia de Zaqueu após o relato do encontro de Jesus com o jovem rico.

A partir de tais observações, sou levado a crer que os homens descritos por Cristo na parábola do Rico e de Lázaro, na verdade soa símbolos de dois perfis de pessoas. Aqueles que buscam a suficiência nos bens desta vida, e como recompensa vão para o hades, e os que buscam seu socorro exclusivamente em Deus. Cabem aqui algumas observações a respeito do paraíso, ou do céu conforme descrito na parábola (que fazem questão de que não seja uma parábola, mas uma história descritiva).

Observe, meu caro leitor que o paraíso é descrito como seio de Abraão, curioso não é? Isto talvez ocorra em função da fusão conceitual que se fez no período interbíblico entre os conceitos de Éden, paraíso e seio de Abraão, mas cabe ressaltar aqui que o encostar no seio é um ato de intimidade e proximidade extremas. Assim, Jesus coloca aquele, que aos olhos do povo e dos fariseus era visto como desprezado, o mendigo Lázaro, próximo a Abraão, ao passo que a riqueza e a tão desejada prosperidade, estão no inferno. Já observamos que no contexto gramatical da parábola, Cristo está dando uma resposta aos fariseus, que são descritos como avarentos e como pessoas que gostam de se trajar com pompa. Curiosamente, é desta forma que o rico é descrito. São fatores como este que me fazem crer que os mesmos fariseus que debochavam de Cristo, foram pegos pela história contada.

O céu não pode ser resumido a um lugar de compensação aos que sofreram nesta vida, embora a mensagem das Escrituras mostrem que os perseguidos por causa da justiça haverão de herdar o Reino de Deus e de Cristo, e que terão seus olhos enxugados de toda a lágrima (Is 35. 10; 60. 20; 65. 19; Ap 21. 4). Convém ressaltar que estas coisas somente serão possíveis pelo fato de que Deus será tudo em todos. em outras palavras, o paraíso, o céu, é a presença de Deus, coisa que a história omite.

Mais forte ainda é o pedido do rico que envie Lázaro aos seus familiares a fim de que o mesmo os advirta, para que aqueles não tenham o mesmo destino que o rico teve. E a resposta do pai Abraão (que diga-se de passagem, não viveu para conhecer Moisés, nem sua atividade como legislador), é que os parentes do rico têm Moisés e os profetas, se quiserem que os ouçam, e que em não ouvir a nenhum dos dois não ouvirão também que volte dos mortos.
  
IV) O que a parábola realmente diz
Falamos supra que nem a riqueza, nem a pobreza constituíam condições para que o homem fosse salvo, ou perdido, mas á luz do ensino do Evangelho de Cristo, a consciência, por parte do homem de sua pobreza espiritual e consequentemente de sua dependência de Deus são fatores condicionantes de acesso ao reino. Lázaro é a representação dos que dependem exclusivamente de Deus, ao passo que o rico representa o autossuficiente, que em razão de sua suficiência própria se exclui do Reino.

Diante do exposto, as riquezas da injustiça, sim toda riqueza, na verdade é injusta, e por este motivo, devem ser empregadas no alívio das dificuldades alheias. A doutrina que Cristo traz não é dele, mas tem sua fonte na própria lei e nos profetas (Dt 15. 11ss; Is 58). Os que agem em conformidade com tais preceitos são os verdadeiros filhos de Abraão (Lc 3. 8 - 11), e como tais legítimos herdeiros do Reino (Lc 13. 25 - 30). As nossas obras não nos salvam, mas evidenciam que a salvação chegou em nossa vida.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros
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