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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Heróis da dúvida



Nas aulas de Filosofia que ministrei no seminário, me vi diante de uma inconteste verdade, os heróis da fé são assim chamados, não em decorrência de uma fé completamente isenta de dúvidas (algo que cada vez mais me convenço que não existe), mas de uma entrega. Os homens da Bíblia são homens de perguntas de questões, de medo, de desânimo. Caso o leitor tenha dúvida, ou resolva fechar a página, leia a história de Abraão, Moisés, Gideão, João Batista e Paulo (que tratarei em um posto exclusivamente sobre ele), e constate por si só.

Pior, Abraão, por exemplo indagou a Deus a respeito de como ele com seus mais de oitenta anos seria Pai de uma multidão. Moisés, mesmo diante do fenômeno da sarça queria saber como iria falar com o Faraó, o nome, CPF, R.G. de Deus! Gideão diante da saudação do anjo disse que era o menor na sua casa, e que se Deus era com ele onde estavam as maravilhas que lhe foram contadas por seus pais. João, o Batista, que havia visto o Espírito descer sobre Cristo, e possivelmente ouvido a voz de Deus dizendo: este é o meu Filho amado em quem me comprazo, e testemunhado a respeito do Messias, dizendo: este é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, quando na prisão, mandou seus discípulos irem perguntar a Jesus, se ele era o Cristo, ou se havia de esperar outro. Entendeu?

As dúvidas apresentadas por estes homens era existencial, visceral, pessoal. Não estou falando de epistemologia, de enquadramento teológico na cultura atual, mas de quem diante da promessa de Deus olhou para as circunstâncias e ainda assim foi conduzido à suspeição. Abraão superou as suas questões ao dar glória a Deus. Sim, ele foi foi fortalecido em sua fé e deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido  (Rm 4. 20, 21).

Mas para quem acabou de explicar que ele duvidou, como lidar com o texto que afirma que Abraão não duvidou? Na verdade Abraão duvidou, basta ler Gn 15,  todavia, ele não se deixou vencer pela dúvida, e creu contra toda esperança. Ele reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vitalidade (Rm 4. 19). Além do mais, ninguém que é forte sente a necessidade de ser fortalecido (fortalecer é tornar forte). A fé de Abraão consiste não na ausência de dúvida, mas em não permitir que as mesmas enfraqueçam sua fé.

E o que falar de Moisés? Muitas perguntas. Nada contra perguntas. Mas compare Moisés com um trágico como Jó, eu fico com Jó, que diante da tormenta e da teofania calou-se, fez a única coisa que o mortal faz diante do Eterno. Uma sarça que queima no deserto é algo comum (ao menos é o que os autores dizem), mas uma sarça que queima e não se consome tem de ser admirada, contemplada. Deus foi paciente e respondeu as perguntas de Moisés, mas quando ele passou dos limites, o Eterno resolveu com uns gritos com o profeta e resolveu o problema. A essência da fé de Moisés está na obediência deste à voz de Deus, na intimidade que ele desenvolve, no diálogo tete à tete.

Gideão nada tinha de valoroso, mas o anjo encheu a bola dele (deu uma força), depois de várias provas com Deus (ao todo três), ainda assim ele cumpre a ordem de quebrar a estátua durante a noite, tem de ir ao campo dos midianitas para lá ouvir que a vitória seria dele. Ele provou, e foi provado, quando Deus determinou que quebrasse o ídolo e quando teve de (inicialmente) abrir mão do seu exército de trinta e dois mil. A fé de Gideão está em aceitar ser provado por Deus.

João, quando duvida está na prisão. Isto se deu por motivos injustos, o Batista foi preso por agir como profeta e repreender um rei em sua luxúria, e consequentemente perdeu a cabeça, mas antes de sua morte enviou emissários a Cristo, a fim de saber se ele era, ou não o Cristo, ou se teria de esperar outro. A dúvida de João foi tratada por Jesus com sinais, evidências que os seus discípulos teriam de narrar para ele.

De todos estes que mencionei o caso de João é o mais dramático, preso por repreender a luxúria do rei, foi assaltado pelo dúvida. Onde está aquele de quem disse: o machado está posto à raiz da árvores, e toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo (Mt 3. 10), mas no lugar do corte dos maus, o profeta se vê diante do perigo de ter a própria cabeça cortada. Dele João, foi exigido o maior sacrifício, sendo superado somente pelo Filho de Deus. 

Jesus trata a dúvida de João mediante o relato de suas obras. Aquilo que não foi remédio para Gideão, o foi para João. Se Cristo não está cortando as árvores que não produzem fruto bom, ou jogando a palha em fogo que não se apaga, no seu ministério os coxos andam, os cegos recuperam a vista e o Evangelho é pregado aos pobres. 

De Abraão se disse que este foi amigo de Deus, de Moisés, um servo fiel em toda sua casa, de Gideão, que da fraqueza tirou sua força (algo que se pode aplicar aos demais), mas de João o Batista, entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João Batista (Mt 11. 11 ARC). 

Minha conclusão aqui é que a fé não é convicção isenta de dúvida, mas constante entrega e superação da dúvida. Fé é o que faz o homem se aferrar ao que Deus prometeu, como fez Abraão, e saber que ele é poderoso para cumprir. Fé é o desespero de si mesmo (não confiar em suas capacidades como  fez Gideão). Se ao olhar para si, você percebe que não tem fé, faça o que faço diariamente. Ore a Deus pedindo: ajuda-me a vencer a minha incredulidade! (Mc 9. 24 NVI). 

Marcelo Medeiros

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