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sábado, 22 de novembro de 2014

Pecadores de Direito, mas não de Fato?



Esta pergunta é uma ironia com algo que tenho identificado como a filosofia de vida do homem moderno. O homem moderno pode invejar, roubar, matar, caluniar, depreciar, enganar, ser hipócrita, mas jamais pode ser chamado de pecador. Ofensivo? Talvez, mas é um fato pontuado por Pascal, para quem o maior desejo humano é o de ser o objeto do amor e da estima dos homens, mas igualmente percebe que seus defeitos não merecem deles senão repulsa e desprezo. Não é difícil concluir que esta é a lógica que rege a hipocrisia (base da moral pública), que por sua vez se sustenta sobre a distorção da necessidade de aceitação. Mas é justamente neste ponto que o homem comete o maior de todos os pecados. 

Paul Claudel afirma que 
o maior pecado é perder o senso de pecado. Se o pecado é mera aberração provocada pela opressão de estruturas sociais, circunstâncias, ambiente, temperamento, compulsões e educação, admitimos a condição pecaminosa do ser humano, mas negamos que somos pecadores. Vemo-nos como pessoas essencialmente boas, benevolentes com problemas e neuroses simples, herança comum à humanidade. Racionalizamos e minimizamos nossa terrível capacidade de acomodação diante do mal e, assim, rejeitamos tudo o que não é bom a nosso respeito.
A fala de Claudel aponta para um mecanismo ainda mais perverso do que o descrito por Pascal. Aqui o ser humano é descrito como alguém que cria uma estrutura psíquica, teórica com fins a justificação dos seus erros mais grotescos. Mas a despeito de todo este trabalho, a acomodação do homem diante do mal é o maior testemunho do seu pecado. Para Brennan Manning, 
A Essência do pecado reside no fato de sermos autocentrados demais, o que nos leva a negar a nossa contingência radical e deslocada da soberania de Deus [....] A fascinação por poder, prestígio e posses justifica nossa necessidade por afirmação agressiva, independentemente do prejuízo que possamos causar aos outros. O impostor insiste que perseguir o número Um é a única postura sensata num mundo e que se vive na base do "cada um por si". 
O que Pascal identifica como sendo amor-próprio, Manning e Stott chamam de autocentricidade (fenômeno pelo qual colocamos o "eu" no centro). Paul Tournier é quem descreve como esta funciona em termos práticos, visto que para este, o pecado se mistura mesmo às mais nobres motivações e obras humanas. O resultado? Obras de caridade e de justiça são feitas com fins à afirmação e aprovação pessoal, ao invés do alívio dos necessitados. No lugar do amor acolhedor, apenas o julgamento bem ao espírito dos amigos de Jó, que suportaram a dor e o sofrimento do patriarca, mas não a queixa do mesmo. 
A maldade que opera em nós consiste na dedicação incessante ao próprio "eu", naquilo que Moore chama de "inescapável narcisismo da consciência". Ali está a fonte da crueldade, da possessividade, da inveja e de toda a espécie de maldade. Se evitarmos falar do egoísmo e tentarmos justificar a maldade que em nós, só conseguimos fingir que somos pecadores e portanto fingir que fomos perdoados. Uma espiritualidade fingida, baseada em falsa alegria, produz o que a psiquiatria moderna chama de de personalidade bordeline, em que as aparências tomam o lugar da realidade. 
A maior da depravações é a que vem revestida da santidade religiosa, é assim que vejo, e tenho comigo C. S. Lewis, que soube expressar este conceito com a fábula satírica Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, principalmente no capítulo que descreve um brinde no inferno. Ali se lamenta o fato de que os homens se tornaram insípidos e de que já não se fazem mais pecadores como Hitler, e tantos homens cruéis da história, mas se brinda o vinho fariseu, indicando com isto que os maiores pecados nascem do campo da religiosidade. 

O problema é que Tillich deixou claro que a religiosidade não se restringe aos ritos desta, ou daquela religião, mas como aquilo que toma o homem de forma incondicional, abrangendo a arte, a pesquisa científica, a atuação ética, ou politica. Visto por este prisma feministas, simpatizante e militantes LGBT's, socialistas, capitalista e militantes partidários podem ser religiosos e com isto sérios candidatos às críticas acima. 

Se você duvida, experimente discordar, ao se envolver em uma discussão com um deles e verás o quanto eles se aproximam do mais extremado fundamentalismo, mas esta sequer é a parte mais interessante. O mais curioso é que todos são vítimas do preconceito, da misoginia, do herança patriarcal da sociedade. Não quero dizer que tais males não existem, mas que eles não podem ser combatidos sem que se admita que o homem é pecador. No mundo moderno a fala de Jeremias - de que te queixas ó vivente, queixa-te de teus próprios pecados - de forma alguma é bem recebida. O culpado é o outro, nunca a gente. 

O resultado é que para o homem moderno julgar, marginalizar, explorar, culpar, enganar, invejar, reagir de forma agressiva, é um bônus, ao qual tem o direito de desfrutar sem o ônus de uma consciência culpada e muito menos de alguém que lhe aponte do dedo, ou que mexa na ferida aberta. O diagnóstico de Pascal é mais verdadeiro do que nunca. O homem não passa de disfarce mentira e hipocrisia, tanto diante de si mesmo como diante dos outros. Não quer que lhe digam verdades e impede-se de dizê-las aos demais; e todos estes objetivos tão alheios à justiça e à razão, tem raízes naturais em seu coração

É curioso que tal se dê justamente no momento em que mais se clama por liberdade, algo que na perspectiva cristã é inviável sem a verdade, e que é justamente a verdade a respeito de cada um de nós que tem sido tão evitada por todos. Daí a escravidão do homem no tocante ao reconhecimento público, e à opinião alheia. O homem quero direito de pecar (tão necessário à projeção que faz de si mesmo na mente de outros), mas não o ônus de ser pecador. Forte abraço. 

Marcelo Medeiros
 

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