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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Teologia Apologética Pentecostal, uma avaliação inicial

 



Escrevi ontem (dia vinte e sete de Dezembro) neste blog, um artigo a respeito da revista de Escola Bíblica Dominical do próximo trimestre do ano que se avizinha. Por conta das demandas que a mesma suscita resolvi terminar a leitura de Revestidos de Poder e de O Espírito e a Palavra, ambas as obras de autoria de ninguém menos do que Gutierres Fernandes Siqueira. Este é um autodidata e, ao mesmo tempo um dos mais talentosos escritores revelados no meio pentecostal. 

Ambas as obras possuem forte teor teológico e apologético. Ambas reúnem renomados teólogos pentecostais cujos nomes não eram de conhecimento do grande público, até pouco tempo atrás. E a razão de tal desconhecimento é compreensível visto em boa parte são estrangeiros e não tinham suas obras traduzidas para a língua portuguesa até o momento.  Muitas das obras citadas ainda não possuem versão em língua pátria, e talvez sequer venham a possuir. Daí que este mérito tenha de ser dado ao autor, que, ao que parece possui as competências para acessar tais literaturas em língua inglesa. 

Exemplo clássico são as obras de Menzies e Stronsad, que ele frequentemente cita em seus escritos. No último caso uma obra da década de noventa que somente agora veio à tona ao público brasileiro, por conta de sua tradução e lançamento pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Iniciei a leitura deste livro, e já fui cativado pelo mesmo. 

O livro em apreço traduz um esforço de colocar uma nova dimensão do fenômeno do pentecostalismo nos cânones acadêmicos. E conforme pontuado neste artigo aqui, instrumentaliza exegese crítica para fazer aquilo que é evidente a todo exegeta e Teólogo bíblico, a diferença no uso dos termos teológicos que os autores fazem, e que os teólogos precisam levar em conta. 

Até o presente momento, somente em D. A. Carson eu havia visto tal cuidado. Em seu livro Teologia Sistemática, ou Teologia Bíblica, ele ressalta o elemento da diversidade teológica e a necessidade de que a tarefa teológica comece na exegese, avance para a Teologia Bíblica (contemplando as peculiaridades de cada autor), perpasse pela Teologia histórica (que são as discussões ao longo da história e as respostas que a Igreja foi dando em cada momento específico), para então partir para o trabalho de sistematizar os dados da revelação. 

Um exemplo do campo da soteriologia é que ao pretender falar da mesma sob o aspecto bíblico, não posso reunir dados de textos do saltério e dos profetas como se os autores de ambos os documentos estivessem falando da mesma coisa. Em regra quando o termo salvação todavia o termo ישועה yascha nos salmos tem o significado de livramento temporal. Tanto que a NTLH traduz por vitória. 

A grande questão que perpassa a teologia do saltério, é a possibilidade de um justo, ou alguém com quem Deus fez uma aliança vir a sucumbir diante de uma trama arquitetada por um homem ímpio. A vida ideal para o homem que teme a Deus e que se compraz nos seus mandamentos é a vida longeva e uma morte na velhice, cercado de seus filhos e netos (Sl 128). 

Já no profeta Isaías o mesmo termo é empregado pelo autor para significar a restauração de Sião e da nação de Israel. A minha justiça eu a torno próxima, já não está longe, e a minha salvação não será mais retardada; eu darei a Sião a salvação, a Israel darei o meu esplendor (Is 46. 13 TEB). Aqui o que está sendo dito é que Israel terá uma glória similar aos dias de seu apogeu nos reinados de Davi e Salomão. 

Ainda á título de exemplo cabe aqui a citação da NTLH, que traduz o texto citado acima da seguinte forma: Mas eu vou fazer chegar logo a salvação que prometi; ela não vai demorar, e em breve eu conseguirei a vitória. Eu salvarei os moradores de Sião e repartirei com o povo de Israel a minha grandeza. O que se quer deixar claro aqui é que salvação não possui a mesma conotação para determinados autores. 

O caso dos Evangelhos ainda é bem emblemático, a terminologia salvação é usada ali de maneira intercambiável para o livramento dos pecados (Mt 1. 21) e para os inúmeros casos de cura, onde se lê vai, a tua fé te salvou. No campo da Hermenêutica, Guttierres Trabalha muito bem a diferença entre as Pneumatologia Paulina e Lucana. Ele chega a destacar em alguns momentos leituras e autores que apontam para a paulinização do novo Testamento, ao fazerem crer que a única doutrina do Espirito Santo seja de caráter soteriológico.

Tanto Gutierres quanto Stronsad destacam que para Lucas a missão do Espirito consiste na capacitação dos crentes para a proclamação cristã. O Batismo com o Espírito Santo prometido por João Batista é interpretado por Lucas como sendo um revestimento de poder que visa à capacitação do crente para o Testemunho cristão que rompe com as barreiras territoriais (At 1. 4 - 8). 

Isto pode ser aplicado aos crentes da Igreja primitiva, mas também pode se aplicar ao próprio Cristo, a quem Deus ungiu com virtude e com o poder do Espírito a fim de curar e libertar as pessoas que estavam debaixo do jugo do diabo (At 10. 38). Tanto que de acordo com o relato de Lucas, Jesus aplica a si mesmo e à sua missão o texto de Is 61, 1, 2. 

Ainda no tocante à Hermenêutica Pentecostal, creio que inicialmente as incursões de Gutierres Siqueira são mais felizes do que as de David Mesquiati de Oliveira e Kenner Terra, no livro Experiência e Hermenêutica Pentecostal. Creio que a linguagem rebuscada (em razão do teor acadêmico da obra) deu margem para que pessoas "bem" intencionadas acusassem a mesma de ser de cunho liberal (veja aqui), quando nem de longe o é. Com Gutierres não existe o espaço para que tal aconteça, e este é um ponto positivo a ser visto na obra. 

Outra questão, tanto David Mesquiati de Oliveira quanto Kenner Terra, em suas respectivas falas colocam a Hermenêutica da Reforma como algo de valor negativo, ao acusar a mesma de produzir o racionalismo e depois deste o liberalismo Teológico. pior, o método histórico crítico é descrito como não tendo contribuição nenhuma a dar. 

É verdade que os escritores bíblicos não empregavam o método histórico crítico na sua interpretação das Escrituras. Mas é igualmente verdade que sem a exegese crítica dificilmente teríamos uma perspectiva da variedade conceitual dentro das Escrituras. Não dá para marginalizar o método, a despeito dos limites do mesmo no tocante às experiências de poder. 

É estritamente por conta de tais limites que considero válidas as incursões de David Mesquiati de Oliveira e Kenner Terra, no livro Experiência e Hermenêutica Pentecostal. Mas a despeito do meu reconhecimento no tocante à validade das colocações feitas ali, entendo que o tratamento dado por Gutierres Siqueira seja mais propício e equilibrado. 

Diante do exposto, uma questão precisa ser colocada aqui. O entendimento das obras citadas acima demanda conhecimento a análise do contexto polêmico em que tais discussões se dão. De alguns anos para cá as revistas de Escola Bíblica Dominical têm enfatizado exaustivamente aspetos teológicos. O que tem motivado tal ênfase? O surgimento do Calvinismo dentro das Assembleias de Deus. 

Com o advento desta corrente teológica muitas pessoas a associaram a uma outra corrente que não é exclusivamente reformada: o cessacionismo. A descoberta de uma Teologia que trazia uma visão de mundo globalizante e totalizante, como no caso do calvinismo e os arroubos de uma juventude entusiasmada com tais descobertas funcionaram como rastilho de pólvora. 

Não demorou para que surgissem arminianos clássicos defendendo e requerendo a seara assembleiana para si. Um marco foi o lançamento da revista Obreiro cristão com textos e artigos que visavam explicar a Teologia Arminiana. Outro marco foi o lançamento de Mecânica da Salvação, por Silas Daniel, lançamento este feito em meio a um tórrido e brilhante debate com ninguém mais, ninguém menos do que Franklin Ferreira. 

Mas em meio à todo este debate perdeu-se algo importante: o caráter transitório, histórico, cultural e psicológico da tarefa teológica. Do nada Arminianismo e Calvinismo passaram a ter para seus respectivos defensores o status de verdade bíblica, quando na verdade eram e são Teologias produzidas ao longo da História com a finalidade de responder questões e lacunas deixadas pelas práticas de determinadas comunidades de fé. 

Outro aspecto a ser abordado aqui é o caráter apologético do Calvinismo e polemista do Arminianismo. As institutas da religião cristã configuram uma obra apologética no intuito de convencer o rei Francisco da França, a respeito do teor racional da fé protestante. De igual modo a Teologia Arminiana visava responder às questões polêmicas em torno da corrupção radical, da graça irresistível, expiação limitada e demais questões que foram surgindo dentro da reforma. Há um teor polemista-apologético nestas questões. 

Daí que diante de um quadro de ataques á fé, em face das críticas da Sociologia da Religião, da Fenomenologia da Religião e da Filosofia, não é nada absurdo que alguns jovens na ausência de respostas tenham ido beber em águas reformadas, a fim de constituir sua apologética. Foi assim que diante de questões como "casamento entre iguais", e outras bandeiras "progressistas" (atualmente chamadas de socialistas), nomes como Augustus Nicodemos, Jonh MacArthur e afins tenham aparecido. E como eles se posicionam na esfera Teológica? 

Willian Lane Craig é um dos apologetas mais inteligentes que tive o privilégio de ler, ao lado dele ponho C. S. Lewis, Francis Albert Shaeffer e Jonh Stott, com sua simplicidade evangelical. Craig destaca que antes de ser um apologeta o cristão precisa de uma incursão na leitura Teológica e Filosófica, aliada à tradição científica. É precisamente neste aspecto que todos nós pecamos. Não importa o quanto tenhamos lido (me incluo aqui), estamos em déficit face às demandas que nos são colocadas. E é aí que a nossa apologética peca. Não é inteligente. Não é dialogal. É sectarista. 

Shaeffer possui um posicionamento ainda mais profundo. Defender a fé cristã é ante de tudo conversar com as pessoas e perceber o motivo mais profundo dos posicionamentos das mesmas para só então começar uma apologética pressuposicionalista. Sem conexão e sem diálogo não há a comunicação do Evangelho. Mas o que isto tudo tem a ver com os livros do Gutierres? 

A apresentação que o referido autor faz do pentecostalismo é muito distante da Sociologia da Religião e da Teologia de cunho acadêmico. É apologética e idealista, mas "respeitosa" para com o contraditório. Isto não quer dizer que não seja limítrofe. Mas que pelo menos não incorre no quixotismo das apologéticas de redes sociais de comunidades calvinistas e arminianas. 

Assim, ao falar da questão da Teologia Gutierres atrela o pentecostalismo ao Arminianismo Clássico. Ele vai além, ao reconhecer que embora possua uma dívida com o movimento de santidade, grande parte dos teólogos pentecostais divergem das posições armínio - wesleyanas. Mas reconhece que a posição em torno da perseverança dos santos não é uma unanimidade entre arminianos, embora pentecostais considerem a possibilidade de apostasia de um converso. 

O problema é que enquanto se gasta energia com tal discussão a antinomia bíblica da matéria é deixada de lado. Já conversei com arminianos que me garantiram que o número de textos bíblicos contendo advertências eram maiores do que os que continham as garantias (como se ser arminiano, ou calvinista fosse questão de estatística). 

Como leitor descobri que advertências e garantias são colocadas uma ao lado da outra, ao menos nos escritos de Paulo e de Pedro. Mas esta é uma temática que demanda um post à parte. Outra questão não pretendo resolver esta questão, por julgar a mesma insolúvel. Não se trata de citar este, ou aquele teólogo e fundamentar a citação com argumentação, ou de trazer, este, ou aquele versículo prova. Há questões psicológicas envolvidas. 

O leitor aqui talvez possa recorrer ao parágrafo em menciono Gálatas. Particularmente percebo que lidar de modo simples com as Escrituras e com a Graça não tem sido algo fácil para o povo. Há uma considerável dependência da moralidade, como se esta, ao invés da graça fosse o meio pelo qual somos educados a renegar as ímpias paixões mundanas. 

Isto dito parto agora para o que considero ser o calcanhar de aquiles do livro: a associação entre pentecostalismo e conservadorismo (mesmo sendo o de cunho teórico). Uma Teologia Pneumatológica e Missiológica tem de levar em conta que o doador do Espírito (tal como a ação deste) não pode ser enquadrado em nenhum espectro teórico do campo político. 

Mas o autor não somente se define como sendo conservador, como cita Roger Scruton e Joseph Ratzinger. Pior, se posiciona contrário até naqueles pontos em que se pode construir um diálogo promissor entre a Teologia Ecológica e a Filosofia Ambiental e do Espaço em Scruton. Não que um Teólogo não tenha o direito de ter suas preferências filosóficas, mas atrelar qualquer uma que seja ao cristianismo (e o pentecostalismo é um ramo deste), é colocar o cristianismo como meio para uma agenda. 

Os livros de Gutierres são anteriores às eleições de dois mil e dezoito. Já naquele momento se desenhava uma "onda conservadora" que atrelou a Igreja a uma politica cujos resultados desastrosos nós ainda não vimos, mas que com certeza veremos. Dentro deste contexto inúmeros memes foram lançados na internet demonizando os ditos "cristãos de Esquerda". 

O quadro é ainda mais grave quando se considera que tudo o que não seja esta direita olavista e quixotista que temos aí é de esquerda. Ao se identificar com a social democracia (um regime liberal), cristãos são chamados de esquerdistas, ou "comunistas". É com este pseudo conservadorismo que o Pentecostalismo tende a se identificar? Complicado. 

Mesmo o conservadorismo de Scruton possui problemas, uma vez que ele é extremamente resistente aos protestos, em todo o mundo. Isto não quer dizer que eu vá a protestos e concorde com práticas de vandalismos. Mas nem por isto deixo de reconhecer a validade dos protestos ecológicos, bem como os do movimento negro "vidas negras importam". 

Alegar que pautas sociais da Teologia de Jürgen Moltmann são modismos é um tanto estranho para quem defende uma abordagem Teológica lucana, que mostra ao lado da ação carismática do Espírito, uma ação social, tanto do Cristo quanto do Espírito. Jesus é ungido pelo Espírito para pregar boas novas aos pobres (Lc 4. 18, 19). 

Na versão lucana do sermão do Monte lemos palavras que possivelmente não encontraremos tão fortes em texto algum, mesmo os de Karl Marx. Jesus disse: felizes, vós, os pobres, o Reino de Deus é vosso. Felizes, vós, os que agora tendes fome, sereis saciados. Felizes, vós, os que agora chorais, haveis de rir (Lc 6. 20 - 21 TEB). 

Lc 6. 20 é uma citação de Mt 5. 3, mas há que se reconhecer que a despeito do uso comum do termo πτωχοι (pthóchoi), o acréscimo da expressão τω πνευματι, traduzida por em espirito, ou de Espírito, indica que a pobreza em Mateus é a de coração, ao passo que em Lucas é a pobreza de bem, e ao longo de seu Evangelho e do livro de Atos é dada considerável atenção. 

No tocante à Teologia Ecológica, ou a do sofrimento não se pode dizer que ambas sejam uma questão de modismo. Na verdade os capítulos iniciais do livro de Gênesis dão ampla base para sólida reflexão. Mas há uma necessidade de pararmos neste ponto. 

Conforme dito no enunciado deste post a pretensão aqui é a de uma avaliação inicial. O esforço de Gutierres em trazer conhecimento a respeito de produções literárias que contemplem o pentecostalismo sob um viés exegético, mas as obras destacadas aqui possuem uma dimensão mais apologética e podem vir a pecar por apresentar um pentecostalismo mais ideal do que real e concreto. 

Falo isto, por entender que tão cara quanto à crença no Batismo com Espírito Santo como meio de capacitação para a proclamação e Testemunho, é crer na validade dos dons espirituais na liturgia e no serviço cristão como um todo. Mas a ocorrência de tais dons não depende apenas de convicção teológica, mas de prática da oração, conjugada ao ensino das Escrituras, principalmente no tocante ao uso dos dons para o serviço. 

Do contrário o que teremos  no lugar do pentecostalismo, é o fenômeno do pós pentecostalismo, já em voga nos dias atuais. O que é isto? Pessoas que congregam em uma Igreja Pentecostal, mas cuja prática não mais o é. E isto, não por conta do calvinismo, mas por conta da questão do tempo. Dons espirituais demandam busca zelosa. Sem a questão do tempo a prática da oração fica comprometida. 

Há que se reconhecer que a Casa Publicadora das Assembleias de Deus publicou obras e mais obras condenando a Teologia da Prosperidade, uma das que adquiri foi Cristianismo em Crise. Mas isto não evitou que a Filosofia ministerial do neopentecostalismo adentrasse as searas pentecostais. Igrejas cuja história é marcadamente pentecostal clássica hoje são adeptas da Filosofia empresarial. Quando isto ocorre o lado pessoal é deixado de lado. 

Marcelo Medeiros, em Cristo. 

domingo, 27 de dezembro de 2020

O Verdadeiro Pentecostalismo

 



Já fiz neste espaço uma série de estudos a respeito dos dons espirituais, bem como a defesa da continuidade dos mesmos. Falei a respeito do propósito dos dons espirituais, do propósito de Deus e do papel do crente em administrar como dispenseiro, os dons que Deus concede, dos dons de profecia, variedade de línguas e interpretação de línguas (elocução verbal), dos dons de revelação (ou revelacionais). 

Como Pentecostal de berço, creio que uma marca distintiva deste movimento seja a crença no Batismo com o Espírito Santo aliado à crença na continuidade dos dons espirituais como meio de edificação e crescimento do corpo de Cristo, que é a Igreja. Ler obras como Revestidos de Poder, O Espírito e a Palavra, e a Teologia Carismática de Lucas foi fundamental para a compreensão da percepção de Lucas do Batismo como revestimento de poder, o mesmo falado por Waynne Grüden e Franklin Ferreira em suas respectivas Teologias Sistemáticas, ou dogmáticas. 

A respeito da continuidade dos dons espirituais, creio que obras como a de Sam Storms e Renato Cunha constituam-se como basilares no tocante a esta doutrina tão pontual para a fé pentecostal. Na lição do próximo trimestre, os estudos estarão cobrindo a pessoa e obra do Espírito Santo, seu papel na obra de redenção (questão bastante abordada nas Teologias de cunho Reformado), seu papel na missão cristã, e a contemporaneidade dos dons espirituais. 

Tais traços poderiam facilmente serem associados à Teologia Carismática de Lucas, mas o autor não se limita a tal. Seguindo a pauta de Gutierres Siqueira em Revestidos de Poder e no O Espírito e a Palavra, Esequias Soares, busca aliar a Teologia Lucana à Teologia paulina, uma vez que aquele autor vindica para o Pentecostalismo uma Teologia mais global, que contemple os múltiplos autores das escrituras e suas Teologias em particular. 

Daí que da lição cinco até a dez a Teologia em apreço seja de caráter mais paulino do que lucano. O fruto do Espírito, a crucificação do "eu", a questão da santificação, da ordem no culto e do comprometimento com a palavra passam a ser as ênfases autorais. Da lição dez em diate há destaque à atualidade da cura, que é um dos centros de debates na atualidade. Da lição onze em diante percebe-se a ênfase missiológica. Isto porque uma das justificativas dos grandes avivamentos dos séculos passados foi o despertamento para o caráter urgente das missões, face a iminência da vinda de Cristo. 

Conclui-se que o "verdadeiro pentecostalismo", que se opõe àquele que é caricaturado nas descrições de "Crentes Reformados", ou assumidamente "cessacionistas", ou ainda na percepção dos irmãos do "reteté da glória de Jeová", uma pneumatologia sólida (que por sua vez está ligada a uma Cristologia consistente, visto que Cristo é quem batiza com o Espírito Santo), com poder para o testemunho aliado a uma vida de frutificação espiritual e de santificação, senso de missão (pregação do Evangelho e discipulado), e a Vinda de Cristo. Todos estes elementos orientados pela questão da Hermenêutica Pentecostal. 

A Hermenêutica Pentecostal traz um importante elemento da crítica textual, que é a questão da diversidade de autores e das ênfases que cada um dá a um aspecto da Teologia. Daí a diferença entre a pneumatologia de Lucas e a de Paulo, que usam o termo "cheios do Espírito", com ênfases diferentes. O mesmo se dá com relação ao termo "Batismo com, ou no Espírito Santo". O ser cheio do Espírito em Lucas, tanto no Evangelho, quanto no livro de Atos, tem a ver com a missão. 

Daí que Batismo com o Espirito Santo não é ostentação "pentecostal", ou "gospel" (se quiser), mas um dom concedido aos santos visando o serviço na proclamação do Evangelho, face ao senso de urgência diante da Vinda do Senhor (At 1. 4 - 11). Mas sem frutificação espiritual, e sem santificação até que ponto, nosso testemunho possui valor, por mais poderoso que seja? Daí a contemplação da Teologia Paulina, embora a lucana dê respostas, no campo social. 

Aqui convém ressaltar que nem a Igreja e nem os apóstolos são conduzidos ao sinédrio por conta de questões morais, ou comportamentais. São divergências teológicas seguidas de acusações infundadas apos um impasse. É deste modo que Estevão é condenado à pena capital por lapidação (apedrejamento), e temos aí Saulo, consentindo em sua morte (At 8. 1). 

Face ao comportamento basilar da Igreja de Atos, que levou Jonh Stott a escrever um livro por título "Sinais de uma Igreja Viva", os autores da lição desenvolvem questões pertinentes à Teologia Paulina. Aqui cabem algumas afirmações. A lição a respeito do fruto do Espírito tem como base um texto que foi escrito a uma igreja que não tinha problemas com imoralidade. 

Os crentes da Galácia não são os crentes de Corinto. O problema destes é uma série de erros no tocante ao Evangelho e ao ministério dos apóstolos (I Co 1 - 4), e uma certa leniência com casos de imoralidade na comunidade (I Co 5 - 7). Não é o caso dos crentes da Galácia. Eles possuíam uma moralidade tão extremada que foram facilmente seduzidos por um tipo de "legalismo", ou de associação entre Evangelho e Circuncisão. 

O fruto do Espírito aqui é colocado em um contexto de suficiência da graça de Deus. Espírito aqui é aliado à fé, à graça de Deus e ao Evangelho pregado por Paulo. Isto fica claro na medida em que Paulo indaga aos seus leitores: só peço que me esclareçais uma coisa: será e,m virtude da prática da lei que recebestes o Espírito, ou por terdes escutado a mensagem da fé? (Gl 3. 2 TEB). 

A esta pergunta sucede a seguinte: aquele que vos concede o Espírito e opera milagres entre vós, acaso o faz em virtude da prática da lei, ou porque escutastes a mensagem da fé? (Gl 3. 5 TEB). o que está acontecendo aqui? Paulo tem de lembrar aos crentes que a experiência de salvação destes decorre da resposta à pregação do Evangelho. Havia um apego à lei como elemento complementar ao Evangelho e Paulo teve de quebrar com esta ideia. 

É dito insistentemente que a pneumatologia de Paulo tem ênfase soteriológica, ao passo que a de Lucas tem sua dimensão focada no carisma e na missão. Todavia, ao pregar a mensagem do Evangelho, Paulo reconhece a sua dependência do Espírito de Deus, tanto na execução da missão, quanto na obtenção dos resultados (I Co 2. 1 - 5; 4. 20; I Ts 1. 5). 

Por último, há que se falar no senso de urgência da missão em razão da promessa da Vinda de Cristo. não há pentecostal que não mantenha esta promessa diante de seus olhos. Mas as correntes conspiracionistas que têm sido adicionadas à Escatologia Evangélica se parecem mais com um episódio de Além da Imaginação do que com a Bem-Aventurada esperança bíblica. 

Marcelo Medeiros, em Cristo Jesus. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

E a Hidroxicloroquina Hein?!



Para os que tem acompanhado as discussões pertinentes ao COVID-19, e aos efeitos da pandemia em nível global, é possível perceber a recorrência de um remédio: a hidroxicloroquina. É fato de que não há comprovações científicas a respeito do funcionamento da mesma. E também é fato que a mesma tem sido utilizada no tratamento do COVID - 19. 

No meio desta discussão surgem questões como os efeitos colaterais, a eficácia da mesma no tratamento do COVID - 19, dos testes em laboratório, da uso científico, ou não do remédio. Para mim, tais questões são facilmente entendidas quando se faz um exercício instigante: a leitura da bula. Na maioria dos remédios a bula é a portadora das informações que trazem as indicações e contraindicações do remédio. Leu a Bula? Entendeu o que ela diz? Pronto, encerrada a discussão. 

Nas redes sociais tenho visto depoimentos e mais depoimentos de pessoas que usam a hidroxicloroquina de forma bem sucedida nas fases iniciais de tratamento, assim como tenho visto especialistas afirmando que o remédio pode até funcionar, mas que tal funcionamento é uma espécie de placebo. Resumindo: não há comprovações científicas. 

Não entro nesta discussão, por não ser cientista, embora saiba como a ciência funciona, por conta do Estudo da Filosofia da Ciência, e óbvio da Metodologia da Ciência. A despeito da guinada quântica, ciência ainda é algo que se faz, através de observação, experimentação, repetição. Após um período, os resultados do processo são publicados e a publicação submetida à crítica da comunidade científica, que consiste em constante processo de revisão. 

Em debates nas redes sociais uma questão que sobressai é o modo como as pessoas lidam com ciência. Em regra ignora-se o caráter transitório da ciência, e a diferença da mesma em relação ao dogma, ou seja, a própria comunidade científica reconhece que a ciência é passível de erro, e mais, que tem de ser justamente para que não seja dogmatizada. 

Esta fala é necessária para a compreensão de um fator que tem dominado as discussões: o pensamento mágico religioso. O que quero dizer com isto? Independente dos relatórios de funcionamento da hidroxicloroquina no tratamento de COVID-19, o cientista sempre irá se perguntar pela validade universal do tratamento, o que demanda a experimentação, e a repetição da mesma, bem como a observação dos casos bem sucedidos dos experimentos, e dos insucessos. 

De igual modo o Teólogo honesto. Ele sabe quem nem todo cajado de pastor se transforma em uma serpente. Que nem todo líder tem o poder de abir um mar, ou um Rio para que o povo possa passar. Mas o pensamento mágico-religioso não faz estas e outras distinções. À semelhança do registrado em I Sm 4 o portador de pensamento mágico entende que a Arca é um elemento mágico e que o uso da mesma sempre funciona. 

Na sequência da história bíblica, o povo é derrotado, a arca é tomada, colocada no templo de Dagom, e o povo filisteu é julgado por Deus por profanar a Arca. Mas a historia aqui é empregada de forma didática para que se compreenda a lógica do pensamento mágico religioso. Se alguns elementos tivessem o poder de cura, ou de alteração do modo de funcionamento da natureza, seria fácil aos leprosos contemporâneos de Eliseu serem curados da lepra. Bastaria mergulhar no Rio Jordão e serem curados. 

Mas como disse Jesus em seu sermão ministerial inaugural haviam muitos leprosos em Israel  na época de Eliseu, mas a nenhum deles foi enviado senão a Naamã, o sírio. O que quero colocar aqui é que o pensamento mágico religioso é uma desgraça tanto do ponto de vista científico, quanto do teológico. Mas também é uma desgraça do pensamento politico. 

Pandemias como a atual demandam ações políticas. O que quero dizer é que os problemas decorrentes do COVID-19, não se restringem às questões médico-hospitalares. Estas se resolvem dentro de hospitais. O isolamento social e a destinação dos recursos de Estado para manutenção da população em isolamento, a construção de hospitais de campanha para atendimento da população, a contratação de profissionais para tratamento, de respiradores e tudo mais é ação politica. 

O cidadão cujo pensamento é cativo da lógica mágico-religiosa tende a entender que hidroxicloroquina resolve todos os problemas, inclusive os econômicos, e torna o isolamento, a ajuda social para que o isolamento ocorra, a construção de hospitais de campanha, inteiramente dispensáveis. Este tipo de lógica dispensa a racionalidade necessária à política. Assim, um remédio para tratamento de malária passa a ser usado para tudo o mais, e não adianta falar de Ciência. 

A Ciência é um conhecimento pragmático e relativo. Em outras palavras, demanda que funcione. Enquanto funciona se mantém de pé. Este é o teor de relatividade da Ciência. Enquanto não se descobriu a técnica de preservação do alimento pelo gelo, o sal funcionou. Após a descoberta do gelo como preservador de alimento advinha quem tem a primazia? Dúvida? Onde você coloca aquela peça de carne que comprou, no mercado, ou no congelador? Isto é ciência. 

Mas para mentes pequenas a relatividade da ciência não está neste aspecto, mas em uma espécie de guerra de discursos, tais como o dos médicos que defendem o uso da hidroxicloroquina versus os que não defendem o uso da mesma nos tratamentos. Não! Embora a ilustríssima senhora ministra Damares Alves tenha dito algo parecido, a verdade é que a ciência não é relativa neste aspecto. Um veneno não deixa de ser um veneno por conta da narrativa de outra pessoa, assim como a terra não deixou de ser esférica por conta da pura simples narrativa de quem é contrário à ideia. 

Mas aqui chegamos ao ponto que pretendo discutir depois: a pós verdade. Ciência não é um tipo de conhecimento que nasce da noite para o dia.É necessário muito tempo para que a ciência dê respostas a um problema. A velocidade de demandas que a sociedade do conhecimento, ou da informação, trazem para o ser humana, a velocidade de mudanças impede a assimilação da lógico racional e facilitam a atração ao non sense

É este tipo de lógica que me permite entender, e defender que o uso da hidroxicloroquina resolve problemas mais adversos, mesmo que meu entendimento não tenha amplo apoio na ciência (leia-se respaldo da comunidade científica), mas é a resposta mais rápida, e o pensamento mágico me permite ver assim. 

Marcelo Medeiros. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A Respeito da Expressão "Gado"



Quem acompanha o debate político nas redes sociais pode perceber o predomínio do mimimi nas mesmas. Algo totalmente previsível quando a argumentação racional sai de campo e entra a passionalidade, o ódio, e outros derivativos da irracionalidade animal. "Irracionalidade" aqui não possui sentido da Filosofia posterior ao iluminismo, ou daquele movimento de reação à Modernidade. Não. Irracionalidade aqui tem a ver com aquela dimensão do aparelho psíquico que na perspectiva freudiana  equivale à parte do Ice-Berg que fica sumersa nas águas. Mas este é um outro assunto. 

Quando a argumentação racional perde para a passionalidade e para a mentalidade de torcida, ou para o pensamento mágico religioso, o fluxo lógico racional se perde e os insultos começam a ganhar. Em um livro por título o ódio de todos contra todos Leandro Karnal expõe o assunto com muita propriedade. Já ouvi em rede social frases do tipo: "mas ele é ateu", ou "ele é de esquerda", e "mas você só lê autores de Esquerda?". 

Há alguns anos era comum chamar um oponente no debate de "fascista", ou de "nazista". Agora ganham lugar as expressões "gado" e "jumento". Antes de passar para tais expressões cabe aqui explicar que a essência do "fascismo" consiste em através da pressão do grupo levar o outro a pensar da forma que o grupo "pensa". Algo que o filme A onda, em Alemão Die Welle, explica de forma bem didática. 

Neste um professor recebe a incumbência de fazer um trabalho com a turma sobre a forma de governo chamada de autocracia, ou ditadura. A dinâmica é que as pessoas se comportem como se vivessem em uma. Para surpresa do expectador os alunos gostam e excluem do grupo todos os que não se adequam Às regras do grupo. O filme serve como ilustração de como toda forma de governo totalitário funciona, respondendo às necessidades psicológicas do grupo. O mesmo aplica-se ao fascismo. 

As formas atuais de Fascismo não permitem que um membro de determinado grupo pense de forma diferente. Esta é a lógica dos memes que afirmam que cristãos não podem ser socialistas, de esquerda, progressistas e coisas do tipo. Tais além de desonestos trazem uma mensagem implícita de que cristão tem de ser conservador e de direita. O que quer que tais termos signifiquem. Afinal, não custa nada afirmar que todos eles estão deturpados na atualidade. 

Num ambiente político em que João Dória é considerado um político comunista e que jornais como Estadão, Folha de São Paulo (vulgarmente chamado pelos eleitores do atual governo de Foice de São Paulo, em clara alusão aos símbolos da bandeira Russa), além do grupo Globo, são chamados de socialistas e comunistas percebe-se que a confusão, ou a desonestidade intelectual, se não ambas já se instalaram. 

Aqui cabe lembrar da fala de Karnal, que compara as discussões políticas atuais com as guerras de torcidas organizadas. O que impera não é a lembrança do legado deste, ou daquele clube, dos jogadores que foram cedidos para seleção entre outras coisas. O que vale é o deboche, a lacração. Mas o que isto tem a ver com a expressão GADO? Assim como a expressão fascista ela tem sua devida explicação. Mas Antes de uma abordagem filosófica, convém fazer uma abordagem em língua portuguesa. 

Existe uma figura de linguagem chamada metáfora é uma figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas. Ninguém devidamente instruído, ou em são consciência entende como literal a expressão Ana é uma flor. Logo se percebe a metáfora. 

Os poetas usam e abusam deste tipo de recurso, inclusive na Bíblia. É neste sentido que Deus é chamado de Rocha (Sl 18. 1), de luz (Sl 27. 1, 2), de Sol e de Escudo (Sl 84. 11), e que os povo dele é chamado de rebanho e ovelha do pastoreio (Sl 100. 3). Esta expressão, não parece ofensiva a crente algum, mas ela foi ofensiva a um filósofo do século dezenove, por nome Nietzsche, mas desconheço qualquer crente que se sinta ofendido com ela. 

João Batista chamou os fariseus de raça de víboras (Mt 3. 8) e Jesus chamou Herodes de raposa (Lc 13. 32). No primeiro caso a ideia era a de comparar as víboras fugindo do sol quente com os fariseus que intentavam fugir da ira que estava por vir. O segundo caso era Jesus afirmando a astúcia de Herodes como líder político. 

Para Nietzsche o cristianismo na versões católicas e protestantes anularam a individuação humana. A moral cristã se transformou em elemento de anulação de toda excelência, entre elas a capacidade de ser indivíduo. O filósofo em apreço acerta quando ressalta a característica frágil das ovelhas. Não é sem razão que o povo de Israel, quando comparado com os filisteus (que já dominavam o Bronze), são equiparados às ovelhas, e seu Deus a um pastor. 

A questão é que quando os Textos bíblicos são escritos não havia um conceito claro de individualidade. Mesmo as figuras expoentes na Bíblia, como Abraão, Moisés e Davi, funcionam na literatura em apreço como arquétipos da nação, não são heróis como os das tragédias gregas e nem estes são indivíduos no sentido  estrito da palavra, são modelos também. 

Mas Nietzsche está escrevendo no ápice da modernidade e já lida com a questão do indivíduo. Ele observa que aquilo que é excelente não anda em bandos. Existem coletivos de Estrelas de um grau não tão elevado, mas não existem coletivos de sóis (embora o sol seja um tipo de estrela), existem alcateias de lobos, matilhas de cães, mas águias não andam em bandos (percepção que o filósofo em, apreço estende a todos os predadores). 

Para melhor entendimento da metáfora de Nietzsche é necessário considerar o contexto do nascimento das grandes nações, ou seja, da civilização. Em alguns aspectos a civilização anula o sujeito, esta aliada Às pressões que determinados grupos fazem sobre indivíduos a fim de que tudo fique planificado, igualado. 

Há também que se considerar que Nietzsche está falando da perspectiva da filosofia existencial, onde as especificidades do indivíduo são consideradas. Aplicando a fala do filósofo em apreço, gado, ou rebanho são termos equivalentes para sujeitos que de forma consciente, ou inconsciente anulam sua individualidade para serem aceitos no grupo. 

Um clássico exemplo pode advir de um filme chamado Encontrando Forrester, em que um jovem com altas habilidades chamado Jamal Wallace finge não ser tão inteligente quanto é para o grupo pelo qual pretende ser aceito. sucessivas vezes fui chamado de louco em razão de simplesmente andar com um livro debaixo do braço, ou mesmo por me propor a falar, abordar e discutir os assuntos com base bibliográfica. São pressões do grupo. De igual modo fui alvo de deboche por ser negro e favelado e querer ser músico profissional. Aqui se faz necessário retornar à metáfora do Nietzsche. 

Lobos devem andar como lobos e ter todos os gestos dos lobos para serem plenamente aceitos no grupo. O mesmo ocorre com todos os animais que andam em bandos, tais como as zebras, por exemplo. Quaisquer atitudes que elevem o indivíduo acima do grupo causam profunda estranheza. Isto somado à questão da metáfora já seria suficiente para entender. Mas voltemos à expressão gado no contexto político. 

Gado aqui representa aquele indivíduo incapaz de dar respostas de teor individual, próprio aos desafios do ambiente. Gado é quem responde ao toque do berrante, ou ao primeiro tiro sai em estouro. Em outras palavras a expressão é adequada aos que respondem de forma instintiva aos estímulos. Gado é quem ouve a palavra comunismo, ou socialismo, e responde com repulsa, sem exame criterioso dos conceitos, afinal, o que importa é responder ao berrante do gabinete do ódio. 

Mas calma, existe o gado de esquerda também. O que o brasileiro não entende é que aos políticos brasileiros não interessa o eleitor crítico (aquele que mesmo em uma eleição, optando por este ou aquele partido não esta disposto a passar o restante do período de governo como cabo eleitoral, antes é o primeiro a criticar o próprio governo que o elegeu, pois ele não é propriedade de ninguém). 

O indivíduo é aquele que não se permite nem ser propriedade de outrem e menos ainda ser usado. Neste momento alguém que chegou até esta parte do texto, pode dizer que ainda assim é ofensivo chamar alguém de GADO. Aqui devo dizer que os nervos da nossa nação estão tão aflorados que em um debate solicitar que a pessoa leia, e que se informe a respeito do que se propõe a debater já é ofensivo. 

Mas a imagem deste post já é emblemática. O Gado de direita e de esquerda tem assumido a sua posição como gado. Isto é interessante sob alguns aspectos. O primeiro é que já estão entendendo e assumindo a metáfora. O segundo é que uma vez assumida a metáfora, o mimimi cessa, visto que a pessoa vestiu a carapuça. Por ultimo a desonestidade fica evidenciada. 

Marcelo Medeiros. 

terça-feira, 28 de julho de 2020

O Covid e o Presidente





Há alguns dias veio a público a notícia de que o presidente da República federativa do Brasil havia contraído o COVID-19.  A notícia despertou duas reações antagônicas de um lado, o simpatizantes do atual chefe de Estado desejando as melhoras e de outro os militantes contrários desejando boa sorte ao vírus. Não tardou para que aparecesse na rede social (o Facebook) militantes pró governo se lembrando da moral cristã (outrora esquecida), para condenar os que (sendo ou não cristãos), estavam torcendo pelo vírus.

Analisar tal situação do ponto de vista filosófico demanda tempo, e paciência. Tempo por conta da leitura necessária para entender a questão da bio e necropolítica. Paciência para explicar algo que demanda racionalidade e senso filosófico, para pessoas inteiramente dominadas pela passionalidade e pelo personalismo. Mas o que busco analisar aqui é algo bem mais simples: a incoerência Evangélica, ou a incoerência política dos evangélicos.

Evangélico é todo aquele que acredita e busca pautar a vida pelo Evangelho. na verdade norteia a sua ética pelos valores do Evangelho. Quais Valores são estes? Justiça, Mansidão, Juízo, Misericórdia, Espírito Pacificador, Disposição em Sofrer pela causa da Justiça, Amor, etc... Um bom resumo da ética do Evangelho (se é que se possa falar nisto), é a regra de ouro: tudo quanto quiserdes que os homens vos façam fazei primeiramente a eles, por que nisto consistem toda lei e os profetas (Mt 7. 12), simples né?! Diante disto façamos um breve exercício.

Como gostaria que as pessoas agissem comigo diante do meu luto? Acredito que todos gostariam de ver solidariedade para com seu luto pessoal. Duvido muito que frases do tipo: "fazer o que? um dia todos iremos morrer", ou um "e daí?" não são as que esperamos que nos sejam ditas e nem as que diríamos aos enlutados com os quais demonstraríamos o mínimo de empatia. Falo aqui como cristão.

Não sem razão a Bíblia manda chorar com os que choram, e se alegrar com os que se alegram. E por quais razões o faz? No intuito de que aprendamos a empatia. O problema é que estranhamente este e todos os demais exemplos foram esquecidos por nós evangélicos e elegemos alguém cuja fala contraria tais valores. Não bastando isto, quando vieram as falas que demonstravam clara indiferença para com a os mortos e as famílias enlutadas, alguns setores justificaram tais falas.

Estranhamente diante da doença do presidente ungido sobejaram os pedidos de oração. Os mesmos pedidos ausentes quando se tratou das mais de setenta mil família enlutadas por conta da pandemia. Pesquisei o assunto na internet e confesso que me deparei com alguns sites de Igrejas com suas campanhas de oração em prol de famílias enlutadas, e me comovi com tal exemplo de solidariedade. Mas vi pouco em minha rede social.

Como cristão reconheço o meu dever de orar por todos os homens (I Tm 2. 1, 2). E sei que minhas preferências político partidárias não devem interferir nisto. Na verdade quanto maior minha aversão pelo objeto de minha intercessão mais filho de Deus sou quando oro por eles e o faço desejando o bem dos mesmos (Mt 5. 43 - 48). Mas não posso deixar de achar estranho o discurso dúbio de quem dizia ser o COVID um juízo de Deus por causa da imoralidade deste mundo (algo comprovadamente errado diante da morte de muitos crentes e servos de Deus), pedir oração porque aquele político de sua preferência, o "defensor da moral e da família" foi infectado.

Mais estranho ainda é a contradição entre ser cristão evangélico e contrário aos direitos humanos (algo que advém da visão cristã de mundo, e que foi apropriado pelo humanismo secular), sob o argumento de que bandido quando morre colhe o que plantou. Mas quando vê seu político de estimação sendo hostilizado se esquece de que o mesmo hostilizou e desejou a morte de seus adversários políticos. Pior, sequer suportam que tal seja trazido à memória! Exigem que não cristãos amem seus adversários, quando não têm o mínimo medo de expor seu ódio aos candidatos "de esquerda" nas redes sociais. 

Tais questões apenas comprovam que o COVID-19 manifesta aquilo que há de melhor, e o que há de pior em nós, e neste caso tem manifesto muito do que há de pior. A contradição, a incoerência, o vitimismo, a atração pelo non sense (neste caso o manifesto pelo gosto por teorias da conspiração, principalmente as narrativas em que a eleição do atual chefe de Estado da República é vista como uma estratégia para barrar o comunismo, seja lá o que isto signifique na atualidade). 

Marcelo Medeiros. 

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Crise Ética, ou Eticorragia



O título do presente post remete-nos a um capítulo de um dos livros mais despretensiosos, de autoria de um dos escritores mais desprovido de quaisquer pretensões, que tenha visto ao longo da vida. O primeiro livro dele foi o Icabode - da mente de Cristo à secularização de mente - onde o autor fala a respeito de como o processo de modernização alterou a cosmovisão e mentalidade cristãs. Ao prefaciar o Excelentíssimos Senhores o autor afirmou que não contava com o sucesso do primeiro livro, por conta do volume de páginas do mesmo.

Na perspectiva do autor em apreço e na minha (também sou autor), livros volumosos desestimulam uma geração que se vê diante da possibilidade de uma gama volumosa de informações, bem mais fáceis de serem digeridas do que a leitura de livros críticos e volumosos. Mas o livro teve lá a sua acolhida e diante de tal a Ultimato, resolveu publicar mais um título do referido autor.

Ao que me parece Excelentíssimos Senhores é uma apanhado de artigos de autoria do Rúbem Amorese para a revista Ultimato. Alguns destes são um retorno às temáticas já tratadas no livro Icabode, sendo que de forma resumida. Eticorragia é o termo que Amorese emprega para o declínio ético na sociedade moderna em decorrência de uma crise de reflexão, de intelectualidade.

Aquilo que chamamos de moral é um conjunto de costumes e práticas, que visam tornar a vida em sociedade viável. Ela nos é imposta de forma coercitiva? Os que respondem afirmativamente o fazem acertadamente, primando por aqueles aspectos em que a nossa moral vai de encontro com os nossos desejos. Mas a moral entra em nossa mente por meio de histórias que nossos pais, mestres, padres, pastores nos contam, cujas lições podem ser aceitas, ou rejeitadas parcialmente, ou na íntegra.

Já a Ética é a reflexão que o dia-a-dia impõe ao ser humano. Ser Ético é ser capaz de refletir e dar respostas aos dilemas que a vida propõe. É neste contexto que surge a discussão a respeito de temas como aborto, clonagem, meio-ambiente, economia, saúde, afinal, por que o Estado deve desenvolver políticas públicas? Por que o estado deve dar o máximo de liberdade ao indivíduo? A questão aqui não é meramente econômica, conforme se possa pensar. Não! A Economia hoje é vista como uma ciência cuja finalidade é o domínio do funcionamento dos mecanismos de mercado. (Não quero dizer que todos os economistas a vejam assim, mas que esta é a percepção generalizante, e errônea).

Os primeiros economistas, dentre os quais Adam Smith e Karl Marx não eram estes técnicos cujo pensamento é voltado ao funcionamento do mercado financeiro. Eles também eram Filósofos Morais, ou moralistas. Este é outro termo que se perdeu ao longo do tempo. Um moralista hoje é visto como uma pessoa que busca impor sua moral aos demais. Nos idos dos séculos XVIII e XIX este termo era aplicado à pessoas como Blaise Pascal que analisavam as entranhas da alma humana. Mas é hora de voltar à Ética.

Amorese identifica uma crise Ética. O primeiro exemplo dele é o caso do antigo programa Você Decide, cujo título o autor vê como sugestivo. A sugestão do nome dá a entender em uma época marcada por uma subjetividade extrema, o homem possa passar por cima de todo e qualquer legado moral e fazer escolhas tendo como norte apenas seus desejos e sua vontade. Preste atenção porque discussões à parte este é o grande legado do autor para a discussão atual.

Para C. S. Lewis um erro recorrente dos moralistas na atualidade é a crença de que tal como ocorre em uma loja, mercado, ou shopping onde o sujeito (de fora) escolhe a peça, ou o produto que lhe agrada, tem - se a impressão de que na moral algo similar possa ocorrer. Mas ninguém se coloca em um vácuo moral para poder escolher uma moral. Já estamos em uma moralidade e é a partir da moralidade que recebemos através das histórias que nos foram contadas que escolhemos o que tem de permanecer e o que podemos descartar.

Em Cristianismo Puro e Simples Lewis fala que todos tem a noção do que é certo e do que é errado e que diante da transgressão da regra, ou norma, ninguém questiona, ou questionava a norma em si, mas todos procuram justificar porque no caso deles esta não se aplica, ou porque podem ser uma exceção. Pelo menos na época dele era assim. O chamado você decide (a partir de sua subjetividade) não existe. Nossa decisão não faz com que o errado se torne errado, porque nos o escolhemos. e é aí que mais uma vez a fala de Amorese é primorosa.

O episódio ao qual o autor se refere é o alguém que acha uma mala com uma quantia exorbitante de dinheiro e o apresentador joga para o público a decisão a respeito do devolver, ou não a quantia. A decisão majoritária do público é pela não devolução. Ali fica desenhada a mentalidade de uma considerável parcela da nossa população. Ao rever o livro não consegui identificar as possíveis razões que as pessoas tenham apresentado para a exceção da regra.

Um outro exemplo, ao qual ele frequentemente apela para demonstrar a crise ética é a questão do aborto, digo da defesa apaixonada dos defensores da causa. Já pontuei aqui que não sou favorável à prática do aborto e pontuei a necessidade de desumanização do feto a fim de que a ação possa ser tomada sem muitos dilemas.

Do ponto de vista Teológico e Filosófico a decisão não é nada fácil. Jó desejou ter sido abortado quando se viu diante da perda de todos os seus bens e o Pregador afirma em Eclesiastes que é melhor ser um aborto do que viver e não gozar o bem nesta terra. Em ambos os casos a vida se mensura pelo bem que se vive.

A moral cristã, como toda moral, vê as coisas a partir do sexo pré conjugal, ou do mau uso de métodos contraceptivos, ou até da falta de planejamento familiar. Do ponto de vista ético e reflexivo a questão não é nada fácil de se resolver. Uma mãe que tem de abortar  e passa por seus dilemas interiores vive a realidade da crise ética. Todavia crise aqui nada tem a ver com o modo como Amorese concebe. Aqui a crise é um processo que leva à decisão. O uso que o autor faz de crise é de uma conjuntura difícil sob uma dada perspectiva (que no caso do presente post é a Ética).

A crise no sentido do autor dá-se por conta de uma cultura hedonista, que privilegia o prazer em detrimento de qualquer forma de sofrimento. É este tipo de percepção que faz com que qualquer decisão a ser tomada seja em prol da facilidade. Se queremos emagrecer, não se faz necessária a disciplina alimentar acompanhada de exercícios. Queremos conhecimento, não é necessário estudo e leitura, bastam alguns cliques no doutor Google e a informação está toda pronta ali.

Tanto o emagrecimento saudável quanto o Estudo demandam disciplina. em ambos ocorre algo que C. S. Lewis compara a uma caminhada no deserto escaldante e ao momento em que as areias quentes entram na sola do pé. Toda caminhada proporciona seu prazer, mas junto do prazer vem os inconvenientes. A cultura atual não suporta mais isto.

Em áureas épocas o enriquecimento era fruto da disciplina em trabalhar aliada à frugalidade e a ascese de bens mundanos. Foi esta a análise que Weber fez a respeito da contribuição do puritanismo americano para fomentação do capitalismo. Dizem os comentaristas que ele igualmente previu o enfraquecimento da religião em razão da equação riqueza, busca por prazeres.

Mas o protestantismo que produz a Ética do Trabalho nos países europeus e na América, não desembarcou aqui. Aqui é a terra que tudo produz, tudo dá, o paraíso na terra, o lugar em que o esforço é dispensável. Não estou dizendo com isto que acredito no discurso da meritocracia, mas que igualmente desacredito da ideia de que as coisas caiam do alto aqui, no Brasil, de que todo sejam potenciais ganhadores da loteria. 


Somos herdeiros de uma ética frágil, que de alguma forma permite a luta contra o aborto, e a total indiferença ao número de crianças abandonadas. Pior, não se desenvolve sequer um trabalho robusto, e socialmente relevante de apoio às mães que passam por uma situação concreta de perigo. Voltando ao autor, em apreço, me pergunto quais seriam as reações de Rúbem Amorese, diante das publicações cristãs em rede social?


Ao que parece quando achamos uma carteira, ou alguma coisa de valor, que pertença a outrem, e não devolvemos cometemos crime de apropriação indébita, um ilícito já presente no código penal. No caso do programa ocorreu uma anuência para com um crime. Mas o problema é de natureza criminal somente? Óbvio que não! Mas algo similar acontece hoje no debate a respeito das Fakenews. 

Não houve a criminalização de ilícitos cometidos na internet, e este tem sido o principal argumento no qual os defensores do atual governo se apegam para justificar as ações daquilo que tem sido chamado de milícia digital. Os crimes de injúria, calúnia e difamação já são previstos no código penal. Mas quando se volta à proposta do autor é possível uma percepção maior da temática. 

Ela não pode ser vista unicamente a partir do ponto de vista técnico, no caso o do Direito. Ações políticas precisam ser vistas do ponto mais plural e multidisciplinar possível. No Campo da Moral, as considerações mais viáveis são as da Filosofia, e por que não da Teologia? Algo pode não ser crime, mas ser imoral (algumas leis o são, outras além de imorais ainda são injustas). Fakenews não é crime tipificado no código penal, mas é moral? Lógico que não! É imoral em excesso. 

Agora entra a minha percepção pessoal, particular. O senso ético e moral antecedem a criação de leis. A despeito de alguns dicionários associarem a religião à moral (algo que já aparece em August Comte), acredito na existência de algo chamado Tao, uma espécie de fio condutor moral que guia as mais variadas formulações morais. 

Lewis assume o posicionamento de que este Tao antecede ao próprio cristianismo. Mas isto nos interessa? Sim, porque tanto crentes quanto não crentes respondem a uma moral, ou uma espécie de apelo moral. Que apelo é este? Falar a verdade de coração, não difamar, não espalhar notícias falsas, ser solidário. 

Para Caio Fábio o Evangelho não é Ético e menos ainda moral. Ele desenvolve a ideia no livro Sem Barganhas com Deus. Ele dá como exemplo as escolhas divinas, desde um Abrão que não tinha lá aqueles amores pela verdade até um Judas (que sabidamente era o diabo, além das mais variadas falhas de caráter). Mas o próprio Caio reconhece que existem consequências éticas que o Evangelho traz. 

Jesus resume a Ética da lei e dos profetas nos mandamentos de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo (Mt 22. 38, 39), e a consequência do amar a Deus e ao próximo é traduzida na regra de ouro: tudo o que vocês querem que os outros façam a vocês, façam também vocês a eles; porque esta é a Lei e os Profetas (Mt 7. 12). 

Sob a ótica do Evangelho o exercício ético consiste em se colocar no lugar do outro e uma vez colocado no lugar do outro perguntar: como gostaria que agissem comigo se tivesse no lugar de quem indo para a Igreja é assaltado, espancado, ou perde a mala de dinheiro, ou sendo uma adolescente, engravidou? É este exercício que a Ética do Evangelho nos convida. 

De igual modo o imperativo categórico com o seu age de tal forma que a tua ação se torne uma máxima universal. Em que consiste o Imperativo Categórico? Num exercício de imaginação. Qual? Este: o modo como trato uma pessoa que precisa de minha ajuda, a adolescente que engravidou, ou o sujeito que perdeu uma carteira, ou algum outro bem, pode ser universalizado?

Imaginem uma sociedade em que todos possam espalhar mentiras a respeito das outras, levar os pertences dos outros, ser indiferentes uns para com os outros, uma sociedade em que não existam bons samaritanos, ou parteiras que descumpram as ordens e os projetos eugênicos do soberano. Imaginou? 

Marcelo Medeiros. 

sábado, 13 de junho de 2020

Um protesto tipicamente protestante



Há alguns anos atrás comecei a acompanhar pela TV o programa do Pastor Antônio Carlos Costa. Neste o referido ministro presbiteriano fazia constantes exposições de textos bíblicos, começando com a Carta aos Romanos, seguindo pela confissão de Fé de Westminster, ao Evangelho de Marcos. A imagem que ficou foi a de expositor bíblico e defensor da fé protestante. 

Descobri posteriormente que este é doutor em Teologia Sistemática com especialização em Martin Lloydd - Jones. Em Antônio Carlos Costa a ortodoxia fez seu encontro com a ortopraxia, em outras palavras pensamento correto e prática correta se encontram. Simples assim. A ONG rio de paz é um marco na aplicação de ministérios de misericórdia (termo empregado por Tim Keller, um dos mais atuais e influentes nomes da proposta). Tanto que um dos seus livros é o Convulsão Protestante, que narra a Teologia e prática cristãs se expressando em ações sociais. 

Este pastor fez protestos (ver aqui) contra o alto índice de policiais mortos no Rio de Janeiro em 2018. Anterior a este ocorreu um em 2014 (ver aqui). Outras ações poderiam se alistadas aqui para apontar que na luta pela justiça não há lado, que não o da justiça, cuja realização se torna inviável sem o elemento da paz. Esta explicação seria inteiramente desnecessária não fosse a amnésia histórica da qual nosso povo tem sofrido. É neste ambiente que se fortalece cada vez mais o cultivo de guerra cultural. 

O momento atual lembra muito bem a narrativa de George Orwell (1984), onde a população estava em contante guerra, ora com a Eurásia, ora com a Lestásia. O inimigo era criação do governo para manter o povo em constante distração, para manter e justificar o Culto ao Grande Irmão. O ambiente atual do Brasil é similar. 

Foi criado um inimigo: o Comunismo. Um conceito que foi simplificado, e à semelhança do que faz o ministério da Verdade no romance de George Orwell, a palavra foi simplificada a amplificada ao mesmo tempo. Com isto a sociedade comunista deixa de ser uma sociedade sem classes, uma síntese da sociedade industrial com as comunidades tribais para ser toda e qualquer forma de opinião contrária à proposta do neoliberalismo agressivo de Guedes. 

Dentro deste arcabouço, João Dória, Rodrigo Maia e Wilson Witzel são comunistas, quando na verdade sequer são sociais democratas, também tidos como comunistas. Qualquer um o é, inclusive quem protesta, quem expressa indignação diante da morte de mais de 41. 000 pessoas, quem defende o isolamento social é um preguiçoso (imagem atrelada ao Socialismo, que na percepção simplista é sinônimo de Comunismo). 

Antônio Carlos Costa é um pastor cujas palavras e reflexões, resguardas as devidas proporções, são embasadas e refletem a mais profunda coerência com o espírito da reforma protestante, que tem como produto de seu espírito uma Teologia Pública (que parte de uma temática pública e socialmente relevante). Mas no ambiente atual ele tem sido chamado de comunista, petista, eleitor do PT, lulista, e coisas afins, basta entrar na página dele no Facebook, ou no instagram para ver. 

É o efeito da polarização politica e do embate com viés emocionais. É assim que alguém entre em um protesto promovido pela ONG Rio de Paz e comete ato de vandalismo contra a manifestação e por tabela aos mortos e enlutados em razão da pandemia, frequentemente negada pelos apoiadores do atual governo. 

É necessário que se produza uma realidade alternativa ao número de mortos. E esta passa pela negação da pandemia, pela apresentação de fórmulas mágicas onde a hidroxicloroquina e a ivermectina são a solução para o problema dantes negado. Mortos? Sempre tivemos, é o nosso fim e ponto. Com isto a capacidade de se solidarizar com os que perdem seus filhos, como no caso do pai que recolocou as cruzes no lugar. 

Neste momento uma ideia me ocorre. Um número elevado de mortos retira das pessoas a capacidade de se solidarizar. É como se ocorresse uma naturalização de mortes de jovens, crianças, adolescentes. Antes de ocorrer com as vitimas do COVID-19, tal processo ocorreu com a morte de policiais. Sim, vidas e pessoas foram institucionalizadas e reificadas. O pai, a mãe, o trabalhador que ia para a frente de combate deixou de ser uma pessoa para ser um número. 

No caso das vítimas do COVID-19, o processo é o seguinte: as vítimas deixam de ser pessoas para serem, ou se tornarem números inflados pelos governadores para poderem fraudar os cofres públicos e minar a economia. Esta ideia é recorrente nas redes sociais (ver aqui, aqui e aqui). Mesmo não sendo esta a intenção do Pastor Antônio Carlos Costa o protesto dele fere este tipo de negacionismo. 

Graças à Deus, o conflito que se instaurou ali no protesto não resultou em conflitos maiores. Vi uma live do Antônio Carlos Costa em que ele afirma ter orientado os voluntários que ali estavam para que não reagissem a quaisquer agressões. Eles eram esperadas? Claro que sim, basta ver a página do referido Pastor no Facebook e constatar a agressividade gratuita que o mesmo sofre, por parte da militância pró governo. Honestamente não sei onde isto irá parar, mas oro a Deus para que ele intervenha, porque a sandice está nos ganhando. 

Marcelo Medeiros

Uma Palavra a Respeito da Teocracia



Há algum tempo atrás compartilhei em minha rede um texto a respeito da possibilidade de corrupção de toda forma de governo humano, mais ainda, o texto na verdade aborda o caráter corruptor do poder. Este é o sentido do texto compartilhado, cujo conteúdo segue abaixo transcrito.
Quanto mais altas as pretensões do poder, mais intrometido, desumano e opressivo ele será. Teocracia é o pior de todos os governos possíveis. Todo poder político é, na melhor das hipóteses, um mal necessário, mas é menos mal quando suas sanções são mais modestas e comuns, quando afirma que não é mais útil e conveniente e coloca para si mesmo objetivos estritamente limitados. Qualquer coisa transcendental ou espiritual, ou mesmo qualquer coisa muito fortemente ética em suas pretensões é perigosa e encoraja-o a se intrometer em nossa vida privada (....). Assim a doutrina renascentista do direito divino é para mim uma corrupção da monarquia (....) os misticismos raciais, da nacionalidade. E a teocracia, eu admito, e até insisto é a pior de todas. (C. S. Lewis, Lírios que apodrecem, in: A Última Noite na Terra, pág. 53). 
Em contexto amplo o texto não é uma crítica à teocracia em si, mas às pretensões de toda forma de poder, inclusive a democracia. Não tardou para que algumas pessoas entrassem em meu perfil contestando a citação, pelas razões mais diversas e na maioria das vezes, para não dizer em todas, equivocadas. Evitei ali falar a respeito do que seja uma Teocracia e corrigir o erro, mas me valerei deste espaço para tal.

Em primeiro lugar, existe a falsa ideia de que a Teocracia seja um governo exercido de forma direta por Deus, neste caso o Deus judaico cristão. Na verdade a maioria dos soberanos da antiguidade viam a si mesmos como deuses. Este é o caso, por exemplo do Faraó. Na modernidade existe um caso curioso de uma possível Teocracia, que é o do Tibet. Caso este tenha sua independência reconhecida, seu representante político máximo, o Dalai Lama, é reconhecidamente um deus.

Em segundo lugar analisando alguns textos bíblicos é possível perceber que desde a queda o deus bíblico, judaico-cristão jamais exerceu seu governo de forma direta, e isto por uma razão extremamente básica os homens em geral não suportam lidar com as manifestações teofânicas. Os textos bíblicos abaixo transcritos  esclarecem melhor a questão.
E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte fumegando; e o povo, vendo isso retirou-se e pôs-se de longe. E disseram a Moisés: Fala tu conosco, e ouviremos: e não fale Deus conosco, para que não morramos. E disse Moisés ao povo: Não temais, Deus veio para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de vós, a fim de que não pequeis. E o povo estava em pé de longe. Moisés, porém, se chegou à escuridão, onde Deus estava. Então disse o Senhor a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: Vós tendes visto que, dos céus, eu falei convosco (Ex 20. 18 - 22 ACF). 
Deus se revela em meio a uma tempestade mas o povo não suporta ouvir Deus e pede que um representante o faça, é assim que nasce a instituição dos profetas. Mas em uma Teocracia, é, ou seria mais do que comum que o Deus Todo Poderoso, Onisciente e Onipresente, descesse e se manifestasse diretamente aos seus súditos. E o que vemos no texto acima transcrito é que os súditos deste não suportam a sua manifestação gloriosa. 

Na verdade este não é um primeiro texto em que se afirma esta inviabilidade de uma Teocracia direta. Tal afirmação pode ser vista já no relato do que conhecemos, desde Paulo e Agostinho como sendo a Queda. 
Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e esconderam-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me. E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? (Gn 3. 7 - 11 ACF). 
Há muito que ser dito e desenvolvido por meio da citação acima. Na concepção judaica os capítulos iniciais do livro de Gênesis não são literais, são arquetípicos, uma espécie de modelo da história de Israel. A criação é símbolo da criação de Israel, a luz simboliza a Torá, a árvore da vida é a própria sabedoria. Diante de tais elementos, é possível que aquilo que conhecemos ser a queda seja a recusa em ouvir a voz de Deus no monte. 

O fato inconteste é que o povo pede a Deus um representante, e Moisés se torna o modelo deste tipo de representante. 
O Senhor teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis; Conforme a tudo o que pediste ao Senhor teu Deus em Horebe, no dia da assembléia, dizendo: Não ouvirei mais a voz do Senhor teu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra. Então o Senhor me disse: Falaram bem naquilo que disseram. Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. E será que qualquer que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, eu o requererei dele. Porém o profeta que tiver a presunção de falar alguma palavra em meu nome, que eu não lhe tenha mandado falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta morrerá. E, se disseres no teu coração: Como conhecerei a palavra que o Senhor não falou? Quando o profeta falar em nome do Senhor, e essa palavra não se cumprir, nem suceder assim; esta é palavra que o Senhor não falou; com soberba a falou aquele profeta; não tenhas temor dele (Dt 18. 15 - 22 ACF). 
Terceiro, o Deus bíblico é aquele que detém todo o poder. Ser um representante dele significa lidar com a forma mais elevada de poder e estar sujeito às piores formas de corrupção. É da corrupção e da decadência decorrentes das formas mais elevadas de poder que nascem adivinhos, necromantes e feiticeiros da antiguidade. Todos falam em nome de um pode superior, na verdade divino. Daí a necessidade de sólidos critérios para que se discirnam quem é quem.

É seguramente neste contexto que a fala de John Emerich Edward Dalberg-Acton, ou Lord Acton, a respeito do poder, quando este afirmou corretamente que: o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Esta regra é visível nas Escrituras Sagradas, onde o poder de alguma forma afeta negativamente os homens. 

Afeta Moisés que após descer do Monte tem seu rosto resplandecente ao ponto do povo não conseguir olhar para ele. A experiência era algo do tipo contemplar o sol em sua magnitude. Diante de tal o povo cobre o rosto de Moisés para não ter de ver tamanho peso de Glória (Ex 34. 29 - 34). Paulo apóstolo afirma que esta glória era transitória e que o véu foi mantido para que os israelitas não percebessem a transitoriedade da mesma (II Co 3. 12 - 15). E aqui temos a primeira corrupção da teocracia. 

Exemplos não faltam Gideão após dar livramento ao povo de Israel, rejeita ser o rei do mesmo, mas faz para si uma estola sacerdotal e deixa mais de setenta filhos gerados com as muitas mulheres que teve ao longo da vida. Samuel não foi um juiz que amou o poder e as benesses resultantes do mesmo, mas seus filhos se corromperam. Aqui, percebe-se que quando o poder não corrompe o líder em si, corrompe seus descendentes. 

Saul, o primeiro rei de Israel, segundo a vontade do povo, cedo demonstrou apego ao poder. Davi não teve apego algum ao poder, seus interesses são notadamente espirituais, mas se corrompeu pelo direito do rei e foi além. Salomão se corrompeu em meio a tudo o que Deus lhe concedeu. Uzias se corrompeu ao exceder os limites de sua função como rei, e a História não para por aqui. 

Quarto, bem cedo a espiritualidade foi vista como a melhor forma de legitimação do poder temporal. O caso mais flagrante deste tipo de autenticação é o de Saul. Ele foi rejeitado por Deus por conta de extrapolar os limites de sua função real. Ao contrário do que ocorre na cultura cananéia, em Israel é importante a separação da figura do rei da do sacerdote. Saul não espera a chegada de Samuel e oferece os sacrifícios. No lugar de aprovação, seus sacrifícios terminam por lhe assegurar a rejeição. 

Diante de tal, ele pede que Samuel o acompanhe junto ao povo. A figura de um profeta dá legitimidade ao reinado, afinal, estes, e não o Rei, são os porta vozes de Deus. Eles trazem a manifesta vontade de Deus e garantem, ou afirmam, que acima dos governos humanos está o divino, e a palavra dos mesmos condena, ou isenta e legitima o Rei. Não sem razão, Davi, Salomão (mesmo com sua flagrante corrupção), Josafá, Uzias, Ezequias, Josias mantém profetas em sua corte. 

O mesmo se dá em relação ao rei Acabe. Ele aborrece a Micaías, o profeta do Senhor, mas mantém os profetas de Baal e de Asera em Israel. Com que intuito? Garantir a legitimidade da religião, ou do poder espiritual, ao poder temporal. É neste hiato que os espaços dos falsos profetas é garantido. Nossa tendência é a de ler as narrativas sobre a vida de homens como Elias e Elizeu e ver neles modelos de sucesso e aceitação popular. Nada mais distante da verdade. 

O verdadeiro profeta (a despeito dos milagres que faz e apresenta), é um marginal. Não por conta da lei, em si, mas por conta da percepção popular. Elias era tido como agitador de Israel. Somente o piedoso Ezequias deu ouvidos ao profeta Isaías, e há quem garanta que o mesmo morreu durante o reinado de Manassés (o mais ímpio dos reis em Israel). Jeremias e Ezequiel não tiveram a mesma sorte. Eles não se dispuseram às estruturas do poder. 

Esta busca por legitimidade religiosa é vista no Apocalipse através da figura da Besta que emerge da Terra e da que emerge do mar. Esta última simboliza o poder terreno, político, ao passo que a primeira simboliza o poder espiritual, tanto que tem aparência de cordeiro, mas voz de dragão, indicando com isto, que a despeito da aparência que possua ela representa satanás. É deste que vem a legitimação do Império romano. 

O Novo Testamento é explícito ao colocar o Mundo como palco de dominação e atuação do Diabo. A ele foi dado os reinos deste mundo (Mt 4. 7 - 10), e ele os dá a quem a quiser e estiver disposto a lhe render adoração. Ele é o príncipe deste mundo (Jo 12. 31; 14. 30; 16. 11; I Jo 5. 19), é também do deus deste século (II Co 4. 4). Tais expressões apontam para a inviabilidade do projeto de uma Teocracia, seja evangélica, muçulmana, reformada, protestante, ou o que quer que seja. 

Quinto, entender o governo de Deus é entender que ele se concretiza na sujeição do povo à lei (no caso do povo de Israel), ou à percepção desta por parte de Jesus Cristo no sermão da Montanha (Mt 5 - 7). O discurso de Samuel na posse do rei Saul aponta para o fato de que Deus não tem compromisso com forma alguma de governo. Escrevi a este respeito em minha apostila de livros históricos I. Neste trabalho resumido fiz citação a Breugmann e articulei com o texto abaixo transcrito. 
E todo o povo disse a Samuel: Roga pelos teus servos ao Senhor teu Deus, para que não venhamos a morrer; porque a todos os nossos pecados temos acrescentado este mal, de pedirmos para nós um rei. Então disse Samuel ao povo: Não temais; vós tendes cometido todo este mal; porém não vos desvieis de seguir ao Senhor, mas servi ao Senhor com todo o vosso coração. E não vos desvieis; pois seguiríeis as vaidades, que nada aproveitam, e tampouco vos livrarão, porque vaidades são. Pois o Senhor, por causa do seu grande nome, não desamparará o seu povo; porque aprouve ao Senhor fazer-vos o seu povo. E quanto a mim, longe de mim que eu peque contra o Senhor, deixando de orar por vós; antes vos ensinarei o caminho bom e direito. Tão-somente temei ao Senhor, e servi-o fielmente com todo o vosso coração; porque vede quão grandiosas coisas vos fez. Porém, se perseverardes em fazer mal, perecereis, assim vós como o vosso rei (I Sm 12. 17 - 25 ACF). 
O que fica claro com esta citação? Fica explícito aqui que para Deus o que importa é que o povo tema ao Senhor, e o sirva com fidelidade e de todo o coração e lembre-se daquilo que Deus faz e continua fazendo. Observando o texto percebe-se que:

  1. o povo reconhece que erra ao escolher um rei. É um pecado a mais face aos anteriormente cometidos.  
  2. Samuel reafirma que o povo agiu mal, mas que o mal pode ser amenizado se, e tão somente se, o povo persistir em seguir a Deus. 
  3. A despeito do erro contumaz e rebelde do povo, Deus é seu Dono e Amo, se o povo reconhecer isto, tudo irá bem. 
  4. O povo jamais deverá se render ao culto às imagens de escultura, este é um dos cernes da aliança. 
  5. Ao lado da figura do rei permanece a figura do sacerdote, cuja função consiste em ensinar e interceder a Deus pelo povo. 
  6. Em face da rebeldia e da rejeição dos termos da Aliança, o que o povo experimenta? Rejeição e Castigo, com, ou sem Rei.
  7. Daí que a monarquia não seja uma garantia de que as coisas irão bem. Somente a obediência à lei garante isto. 
Algo similar acontece no Novo Testamento. Deus reina através de sua lei, neste caso aquilo que Tiago chama de lei da liberdade (Tg 2. 13). Jesus assimilou em parte a ética dos profetas mediada no tripé justiça, misericórdia e juízo (Mq 6. 8; Am 5. 24; Is 1. 17; Mt 23. 23, 24). Este tripé foi resumido na seguinte fórmula: tratai os outros como quereis que vos tratem. Nisso consistem a lei e os profetas (Mt 7. 12). 

Ter o Reino de Deus e participar deste consiste em atender ao apelo de amar ao próximo como a si mesmo, e a Deus sobre todas as coisas (Mt 22. 36 - 39), e de ser instrumento de Justiça e misericórdia juntamente (Mt 5. 6, 7), a fim de promover a paz (Mt 5. 9). A justiça do Reino nada tem a ver com a justiça forense, ela é mais próxima à justiça dos profetas e demanda interioridade e exterioridade. Isto é a concretização do Reino em termos práticos. 

Sexto, este Reino é só é acessível aos que são regenerados, ou nascidos de novo. Por quê? Somente estes podem de fato obedecer às leis do antigo pacto. Textos como Dt 30. 6; Jr 4. 4; 31. 31 - 35; Ez 36. 25 - 27) indicam a necessidade de uma transformação interior a fim de que o homem possa cumprir a lei. Paulo reforça esta ideia de que o homem na sua natureza, não pode ser fiel cumpridor da lei. 
Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; Para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito para as coisas do Espírito. Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser. Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus (Rm 8. 1 - 8 ACF). 
A leitura deste texto derruba por terra toda pretensão da Teonomia e dos projetos de Teocracia Evangélica. Aqui se diz com clareza que fora da vida do Espírito a lei de Deus não pode ser cumprida. Não há possibilidade de uma moral cristã ser imposta a uma sociedade que não tenha uma disposição interna para tal. 

Por quais motivos as leis mais razoáveis são frequentemente quebradas, direitos humanos mais fundamentais são violados, regras e regulamentos são subvertidos? A explicação cristã e teológica é que falta a ação do Espírito de Deus para conduzir o ser humano à obediência ao mandamento. Na percepção humanística é falta de adesão interior à norma. Este é um problema real. Na percepção humanística, pode ser resolvido via educação, na cristã é via conversão. Em ambos os casos é possível ver um fio condutor, o da adesão interior. 

Sétimo, costuma-se confundir a ação providente de Deus, ou as intervenções miraculosas como demonstrações do governo de Deus. Assim, alguém pode perguntar: mas a Igreja não é teocrática? Em nenhuma Teologia Sistemática veremos tal afirmação. A História da Igreja, a começar pelo livro de Atos nos traz registros em que sorte são tiradas para ajudar na escolha de Matias. Tiago, possivelmente o irmão de Jesus traz uma palavra decisiva para a aceitação dos gentios na comunidade cristã. Como ele faz isto? Por meio de uma interpretação bíblica de um texto de Amós a decisão é tomada. No concílio anterior, a decisão foi tomada a partir da experiência de Pedro na Casa de Cornélio. 

A Igreja de Corinto é uma Igreja notadamente cheia de dons espirituais. Contudo, o que se vê na igreja é dissensão, partidarismo e personalismo. Deus governa esta Igreja? Não! Por quê? Deus é Deus de paz e não de confusão, em todas as Igrejas de Deus (I Co 14. 33 citação livre). O tamanho do presente post indica que uma análise acurada do assunto em tela é profundo. Mas fica aqui o post como indicador de reflexão no assunto.

Marcelo Medeiros. 
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