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quarta-feira, 7 de julho de 2021

A campanha do burguer king e a militância evangélica

 


Está ficando cada vez mais difícil ser evangélico neste país. Existe liberdade religiosa na letra da lei? Sim. Existe liberdade individual? Óbvio! Onde então estará a dificuldade. Em tese o problema não é o Estado, mas a percepção falha que nós (e nisto me incluo) evangélicos temos do Evangelho, ao ponto de enxergarmos ameaça em todo movimento social. 

Desde o final da década de oitenta e início da de noventa tem ocorrido neste país a politização do Evangelho. Não que eu ignore que a religião é um fenômeno da pólis (cidade em grego), e que a mesma foi um dos primeiros modos de explicação da vida e que seja uma tendência que se recorra à esta toda vez que nos encontramos diante de fenômenos para os quais não possuímos explicações. 

A questão é que ao falarmos da politização do Evangelho, há que se considerar um fator primordial, o de que tentar enquadrar o mesmo em uma política partidária equivale ao colocar vinho novo em odre velho, ou remendo novo em tecido velho. Em ambos os casos as estruturas se rompem e o conteúdo que deveria de ser preservado se perde. 

Jesus usou esta parábola ou similitude para ensinar algo a respeito do Evangelho. E a lição que fica é de que o Evangelho não cabia na política dos fariseus, nem na dos zelotes, nem na dos essênios, nem na dos herodianos. Não dá para dizer que Jesus era conservador, ou progressista, e não há como adequar o Evangelho às estruturas de esquerda, ou de direita, à política econômica capitalista, ou socialista, sem que com isto se mutile as boas novas. 

Além da politização do Evangelho, ocorreu a moralização do mesmo. Morais históricas foram sendo incorporadas ao mesmo, ao ponto de serem confundidos. Qualquer questionamento moral é lido como um ataque ao Evangelho, este é o caso da polêmica envolvendo a campanha do Burguer King contra a homofobia. 

Pessoalmente me manifestei aqui a respeito do assunto. Entendo o mundo a partir de uma cosmovisão cristã, bíblica e evangélica. Mas entendo que vivo em uma sociedade que não necessariamente pensa da mesma forma que eu. Mais do que isto, entendo que não é a minha obrigação forçar as pessoas a pensarem como eu, seja pelo aparato político, seja pelo ideológico.  

Minha obrigação como cidadão é respeitar as leis, mesmo que aparentemente injustas, e lutar por mais direitos para mim e para demais cidadãos. Como cristão minha obrigação é a de ser um imitador de Cristo (o que  nem de longe significa adotar uma postura suicida ao ponto de provocar a própria morte até porque nem de longe foi isto que Jesus fez). 

É como imitador de Cristo que atuo como evangelista e pregador. Abordo este assunto agora por conta da constatação de que Jesus jamais atuou em ambientes plenamente favoráveis a ele. Mais do que isto a leitura do Evangelho aponta para um Jesus que sabia criar conexão com os grupos diversos. Fariseus, samaritanos, soldados estrangeiros e a lista não para.  

Mesmo não se definindo como zelote, fariseu, herodiano, Jesus lidou com todos estes grupos. E o ponto que permite Jesus e cada cristão e evangélico lidar é o ponto da encarnação. Fato é que Jesus soube lidar com as mazelas dos  movimentos de sua época por conta de ser luz. Na mesma medida a Igreja é chamada a ser luz e sal da terra. 

O que quero colocar aqui é pontuar que não cabe ao cristão boicotar o Burguer King por conta da campanha pró LGBTQI+. A missão é ser sal e luz. Em outras palavras influenciar por meio das obras e da clareza (que é indicador de conhecimento). Ensinar e pregar são a missão da Igreja, e é pela pregação associada ao comportamento e ao caráter que esta exerce sua influência. 

Não é o comercial do Burguer King que coloca as crianças em perigo. É a falta de ensino e instrução. No Antigo Testamento era tarefa dos pais ensinar aos filhos. Com a ascensão do judaísmo os mestres das sinagogas assumem tais funções, mas há elementos de que a educação continua no lar. Mas tem de ter educação para que as pessoas sejam iluminadas. 

O desafio aqui não é criar crianças fundamentalistas, extremistas, mas sim uma geração de cristãos que consiga viver com a negação, com o outro, e capaz de enfrentar um ambiente hostil amando que está promovendo a hostilidade. É disto que se fala no contexto do Ensino do monte quando se fala de "amar aos inimigos". 

Mais do que isto, amar quem se opõe a nós é a condição para a concretização da filiação divina (Mt 5. 42 - 48). A lógica é bem simples, Deus não olha para  ninguém ao mandar a chuva e o sol. Ele dispensa ambos para bons e maus e para justos e injustos. Agora que tal contextualizarmos este texto para o momento atual? Como ele ficaria?

Deus tem um padrão de comportamento, e ele exige, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, de seu povo um padrão similar. Contudo, no tocante aos bens temporais, ele dispensa sol e chuva independente de o indivíduo atender, ou não as exigências. De igual modo o povo que se diz "cristão", ou "evangélico" deveria entender que mesmo não concordando com o modo de vida dos LGBTQI+, deve atender as reivindicações e demandas justas desta população. 

Isto significa aplicar aos gays, lésbicas, bissexuais, trans e cisgêneros a versão evangélica do imperativo categórico que na versão transformadora é traduzido assim: em todas as coisas, façam aos outros o que vocês desejam, que lhes façam, e acrescenta: essa é a essência de tudo que ensinam a lei e os profetas (Mt 7. 12 NVT). Em outras palavras: Façam aos outros o que vocês desejam que eles lhes façam (Lc 6. 31 NVT). 

Amor não tem a ver com o sentimento que a pessoa desperta em nós. Amor tem a ver com aquilo que fazemos uns aos outros. Que tal amar, ao invés de promover campanhas de boicote? Que dar a capa e a túnica? Já andamos duas milhas? É isto que tem de ser visto antes de tudo, porque esta é a essência do Evangelho. 

Marcelo Medeiros. 

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