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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Como conciliar Mt 10. 21, 22 com Jo 10. 27 - 29



Me fizeram esta pergunta há algum tempo atrás e prontamente respondi que não. Ao dar semelhante resposta tinha em mente aqueles textos em que Cristo e os demais escritores dão aquelas garantias da segurança da salvação (Jo 5. 24ss; 6. 35 - 44; 10. 27 - 29). Face ao meu posicionamento imediatamente ouvi: acredito que aquele que perseverar até o fim será salvo. A resposta talvez seja uma menção aos discursos de Cristo antes da missão dos doze (Mt 10. 21, 22) e do sermão do monte das oliveiras (Mt 24. 12, 13). Minha questão é por que estas duas verdades tem de ser opostas uma à outra? Por que tem de serem vistas como contraditórias quanto foram ditas pelo mesmo Cristo? E como harmonizar ambas?

A primeira observação a ser feita é que não é por ser adepto das doutrinas da reforma protestante que irei menosprezar os apelos da Bíblia em relação à perseverança, mas conforme demonstrarei mais detalhadamente em outras postagens, creio que em função da seriedade do apelo à perseverança, a mesma seja sustentada exclusivamente pelo poder de Deus. Afirmo isto porque a Bíblia diz que os eleitos de Deus são regenerados para uma nova e viva esperança e são sustentados pelo poder de Deus, mais do que isto, são guardados para a salvação que há de se manifestar no dia final (I Pe 1. 2 - 5). E na medida em que se atenta para o contexto dos textos em que a perseverança é exigida percebe-se que não é qualquer tipo de persistência, mas uma paciência tal face às tribulações que somente por meio do poder de Deus a mesma pode ser alcançada. 

A segunda observação é a de que ao contrário do que se ventila por aí nenhum crente, pastor, ou pregador reformado apresenta adesão, ou anuência ao relaxamento com a vida de santidade, igualmente exigida pela Bíblia. Em escrito algum de reformador algum você, caro leitor verá isto. Leia MacArthur, Owen, Stott, Spourgeon e quantos reformados forem, jamais vossa mercê irá ver uma única linha em que se afirme que o crente pode pecar, pelo contrário!

Uma última observação inicial é a de que o modo como a perseverança é pregada pela esmagadora maioria dos crentes desta nação dá a entender que a perseverança exigida por Cristo seja similar ao mito de Sísifo. O que sabemos a respeito deste vem de um ensaio de Camus, que narra a história de um homem que todos os dias levava uma pedra ao cume de um monte e ao chegar lá ela rolava ribanceira abaixo, o que condenava o mesmo a repetir tal ato todos os dias. Quem sabe o que é lutar de verdade contra pecado sabe o que é assim mesmo e se o homem estiver sozinho neste empreitada a guera estará literalmente perdida. 

Sabedor de que os reformadores consideram a totalidade das Escrituras com seriedade, e que este tem de ser o meu comportamento, de que não devo privilegiar um texto em detrimento de outro, como conciliar a fala em que Cristo pede perseverança com a que ele dá garantia da salvação? Primeiro, reconhecendo que ambas não são excludentes, nem ilógicas. Segundo, sabendo que a garantia de segurança de salvação é para a ovelha de Cristo (Jo 10. 27 - 29), para o que ouve a sua palavra e crê na mesma (Jo 5. 24; 6. 35 - 44), e portanto, não se estende a todo crente nominal. Por último, reconhecendo que a perseverança exigida não é qualquer tipo de perseverança, mas a paciência oriunda da tribulação (Tg 1. 2 - 4). 

No contexto deste texto Jesus afirma que os seus discípulos são como ovelhas no meio dos lobos (sobrevivência zero), que eles serão arrastados para a sinagoga, serrão traídos pelos seus familiares, e que serão odiados de todos por amor ao nome dele (Mt 10. 16 - 21). Agora pense comigo: quem por suas próprias forças sobrevive em um ambiente deste? Quem em são consciência mantém sua fé firme em tal situação? E que pode dizer que o faz por sua própria força? A leitura do contexto geral do Evangelho revela que Pedro, o único que ousou dizer que ia com Cristo até a morte o negou, será que isto não deveria acender o alerta dos caros crentes pelagianos da nação brasileira?

Creio que as duas verdades devem de ser mantidas e que a segurança da salvação não deve ser motivo para o relaxamento, pelo contrário! Perseverar é a resposta do cristão que foi alcançado pela graça e olha para o exemplo de Cristo (Hb 12. 1, 2 ). De igual modo creio que as advertências não devem alimentar o legalismo, nem servir de base para um discurso de mérito, muito menos de ameaça para que as pessoas fiquem na Igreja (leia-se instituição) sob jugo de opressão, a perseverança tem de ser no amor e na Palavra, do contrário não serve. 

Abraços fraternos em Cristo Jesus, Pr Marcelo Medeiros. 

A Verdadeira Sabedoria se Manifesta na Prática



O título da presente postagem é bem sugestivo. Ele remete a uma grande verdade, a da indissociabilidade entre sabedoria, conhecimento, e vida prática. Com isto quero dizer que a despeito da falsa dicotomia estabelecida hoje, desde a antiguidade, quem sabe, ou conhece algo o faz em função de uma vivência prática. O presente estudo é uma sequência textual do estudo lançado neste espaço na semana passada [aqui].

Tal como ocorre com a língua, que é ligada ao coração, tal se dá com a sabedoria, ela pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Isto porque o termo חֲכָמִ֥ים [hokmah] tanto pode ser usado para a capacidade de saber e fazer o que é bom quanto para a de praticar o que não é bom. Veja o que Deus fala ao profeta Jeremias a respeito do povo de Israel: O meu povo é tolo, eles não me conhecem. São crianças insensatas que nada compreendem. São hábeis para praticar o mal, mas não sabem fazer o bem (Jr 4. 22 NVI). Isto posto, passo a tecer considerações a respeito da sabedoria no contexto bíblico geral e no de Tiago.

A SABEDORIA NO CONTEXTO EXEGÉTICO

Neste estudo faço uma breve exegese dos conceitos que envolvem a palavra sabedoria. Meu objetivo era demonstrar a elasticidade do conceito, e ao mesmo tempo apontar que independente da mesma, a sabedoria importante para o judeu era a de cunho prático, o que acontece mesmo quando por sabedoria se quer falar de habilidade técnica, como no caso de Bezaleel a Aoliabe, os construtores do utensílio do tabernáculo, o que se pretende aqui é um fim prático.

Em concordância com o que foi dito acima, exponho aqui em breves linhas as conclusões do referido estudo:

  1. A sabedoria é acima de tudo um dom divino, o que fica claro nos textos que falam de Deus capacitando Bezaleel e Aoliabe para a construção dos utensílios do tabernáculo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1).
  2. Em certo sentido somente Deus é sábio, visto que dele se diz: om ele está a sabedoria e a força; conselho e entendimento tem (Jó 12. 13 ACF). 
  3. O emprego do vocábulo חֲכָמִ֥ים [hokmah] engloba a habilidade técnica como no caso dos artífices envolvidos na construção do templo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1). Mas ela não se resume a tal. 
  4. Não é verdade que a sabedoria é o resultado inevitável do decorrer dos anos, e que toda pessoa idosa seja inevitavelmente sábia (Jó 12. 12; 32. 7 - 12). 
  5. Este tipo de sabedoria, a adquirida por meio da experiência prática nem sempre é rechaçada pelas Escrituras. A única exceção é o caso de Jó e de seus amigos, visto que estes achavam que sua sabedoria prática poderia penetrar nos desígnios de Deus (Jó 15. 7 - 12). 
  6. Conforme sabido pelo leitor da Bíblia, a sabedoria dos amigos de Jó foi rechaçada pelo próprio Deus (Jó 42. 7, 8). 
  7. As Escrituras são tratadas como sendo a fonte de sabedoria dos homens de Deus, e isto se pode ver tanto na literatura canônica (Sl 119. 98 - 100), quanto na do segundo cânon (Eclo 24. 22; Bar 4. 1). 
  8. A leitura dos textos paulinos reforçam a noção de que existem dois tipos de sabedoria, uma deste século, e outra que foi reservada exclusivamente aos santos (I Co 2. 6, 7). 
  9. A sabedoria reservada aos santos está oculta em Cristo, o Senhor da Glória (Cl 2. 2, 3, 9). 
  10. Cristo é a sabedoria de Deus (I Co 1. 30, 31), personificada na sabedoria do Antigo Testamento (Pv 1. 20 - 23; 8. 1 -13). 
  11. Esta sabedoria mais profunda, oculta em Cristo, é inevitavelmente humildade, uma vez que por meio da mesma se torna possível conhecer a Deus e gloriar-se nele (Jr 9. 23, 24; I Co 1. 31). 
  12. Daí que a humildade seja a essência da verdadeira sabedoria, visto que a sabedoria encarnada se colocou como exemplo de verdadeira humildade (Mt 11. 29). 
Feitas tais considerações creio ser justo rever a sabedoria no contexto da literatura sapiencial. 

A SABEDORIA NO CONTEXTO DA LITERATURA SAPIENCIAL

Sapiencial é por definição aquilo que é relativo à sapiência. Esta por sua vez é sinônima de sabedoria, ou erudição, podendo ser também uma forma de se referir ao Verbo de Deus, Cristo, e por extensão a toda sabedoria divina. Logo, quando falo em literatura sapiencial, me refeito a um tipo de,literatura (já classificada deste modo pelos teólogos biblicistas) que aborda assuntos de sabedoria. 

Em Jó, Provérbios, e Eclesiastes, a sabedoria é algo de cunho prático, que tem o seu começo no temor do Senhor (Yir'ah Yahweh [ יִרְאַ֣ת יְ֭הוָה]), conforme indicado em quase todos os escritos de sabedoria (Jó 28. 28; Sl 111. 10; Pv 1. 7; 9. 10). A finalidade do temor de Deus também é de cunho prático, visto que por meio do mesmo os homens deixam de pecar (Pv 16. 6). 

Por meio da sabedoria,
  1. O jovem escolhe as suas amizades (Pv 1. 11 - 14; 4. 14 - 18)
  2. Evita as mais variadas formas de pecado (Pv 6. 16 - 19)
  3. Os homens evitam o adultério (Pv 6. 23 - 29; 7. 1 - 6)
  4. Os homens são habilitados a reinar (Pv 8. 14 - 16)
  5. Adestra o homem quanto ao que convém que ele fale. O coração do sábio ensina a sua boca, e os seus lábios promovem a instrução (Pv 16. 23 NVI). 
  6. A sabedoria do homem o orienta quanto à aceitação dos mandamentos divinos (Pv 10. 8). 
Este é o discurso visto em Provérbios [aqui]. Já em Eclesiastes a sabedoria tem uma função mais dramática a de ajudar o homem a proceder neste mundo contraditório, de forma a fazer o sábio entender o tempo e o modo (Ec 8. 6). Para o pregador a sabedoria começa com a correta fruição dos dons e dádivas da parte de Deus [aqui]. 

A SABEDORIA NO CONTEXTO DA CARTA DE TIAGO

Com base nas observações que fiz acima posso afirmar que Tiago prima pela sabedoria de cunho prático, visto que para este:
  1. Quem tem falta de sabedoria deve pedir a mesma a Deus (Tg 1. 5, 6)
  2. A sabedoria ajuda o homem no tocante ao comportamento em meio às tribulações (Tg 1. 2 - 4).
  3. Orienta o homem no tocante à sua condição de vaidade (Tg 1. 9, 10). 
  4. Ajuda o homem na identificação da origem das tentações (Tg 13 - 15)
  5. Na prática da palavra de Deus (Pv 1. 22 - 25). 
Estas são as impressões iniciais. Agora resta tecer uma consideração de suma importância. A recomendação pelo discernimento que separa a sabedoria do alto com a sabedoria de cunho animal diabólica e terrena se dão em um contexto em que Tiago fala sobre o cuidado com a língua [aqui] nas linha anteriores, e os desejos que promovem guerra nas linhas seguintes.

Ao falar a respeito da fé que se manifesta por meio de obras (aliás, a única que existe de fato é esta), fiz questão de pontuar que a Bíblia em ponto algum condena as boas obras, visto que estas são, ou pelo menos deveriam de ser a consumação de uma fé autêntica. O problema com as obras é o pecado que se mistura as motivações mais nobres contaminando a ação em si. 

O efeito mais nefasto de uma péssima compreensão do papel das boas obras é a filosofia que faz alguns pensarem que por praticarem certas ações, ou por projetarem certa imagem, ou manterem certa postura terão algum tipo de crédito com. Estas considerações já foram postadas aqui neste blog [aqui]. Creio que algo similar ocorra com a sabedoria. Visto que para Tiago o problema não está no homem ser, ou não sábio, mas em usar tal sabedoria para o mal, ou seja para concretizar os desejos alimentados pelo seu ciúme (Tg 3. 14 - 16). 

A sabedoria que procede do alto é tem como característica maior um modo de vida (αναστροφης  [anastrophes]), marcado por mansidão (πραυτητι [prauteti]). Esta consiste na paciência que permite suportar insultos sem se exasperar (Tg 3. 13). Esta mesma é: 

  1. Pura (αγνη [agnee]); ou seja íntegra moral e espiritual (qualidade ausente nas palavras dos amigos de Jó). 
  2. Pacífica. O termo ειρηνικη (eirenikee), indica a ação de quem promove a paz. Aos que entendem que a promoção da paz implica o abandono da ortodoxia, apenas gostaria de destacar que de acordo com o presente contexto Tiago entende que a ortodoxia é importante. 
  3. Amável, ou moderada, visto que επιεικης (epieikees) fala tanto da moderação no julgar quanto na capacidade de suportar a injustiça e maus tratos sem sentimentos de vingança, mas com uma confiança inabalável em Deus (Fp 4. 5). 
  4. Compreensiva, sendo que o termo ευπειθης (eupeithees) fala de quem se permite ser facilmente persuadido, uma atitude contrária a de quem faz perguntas não pela curiosidade em si, mas porque não está disposto a se deixar ser persuadido. 
  5. Cheia de misericórdia e bons frutos (μεστη ελεους και καρπων [mestee eleous kai karpon]). Basta lembrar que da relação dos frutos do Espírito (Gl 5. 22), Tiago destaca neste contexto a mansidão, a paz e moderação, que se aproxima da longanimidade. 
  6. Imparcial, o termo αδιακριτος [adiakritos] indica uma integridade característica de quem não é dividido. Um sábio não pode ser uma pessoa que ao mesmo tempo em que bendiz a Deus, fala mal do seu próximo (Tg 3. 9, 10). 
  7. A sabedoria do alto possui estrita relação com tudo o que se relaciona com a justiça e a paz. Este é o entendimento de Tiago a respeito do tema. 

Não creio que haja uma sabedoria de matiz celeste que tenha apenas um destes predicados, ao meu ver estas são as marcas distintivas da sabedoria que vem do alto, que Deus concede aos que buscam em oração e meditação das Escrituras. 

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O Cuidado com a Língua



Já escrevi neste espaço a respeito do cuidado necessário com a língua, ao tecer comentários sobre a lição de Escola Bíblica Dominical editada pelas Casas Publicadoras das Assembleias de Deus no Brasil (aqui). No estudo indicado fiz questão de pontuar que o problema da língua não está no órgão em si, mas na natureza pecaminosa do homem, o que faz com que seja tão difícil o domínio da língua. Neste estudo proponho uma reflexão à luz da sabedoria judaica do período inter bíblico, do ensino do Evangelho, e da carta em apreço.

A LÍNGUA NA ÓTICA DA SABEDORIA JUDAICA

No livro de Provérbios encontro a seguinte afirmação: seis coisas detesta Iahweh e sete lhe são abominação (Pv 6. 16 Bíblia de Jerusalém), ao avançar na leitura do texto o que encontro como coisas que Iahweh destesta? Olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente (Pv 6. 17 Bíblia de Jerusalém). O mais triste na Igreja Evangélica Brasileira é a visão limitada da mesma quanto ao pecado, de forma que os vícios e os pecados de natureza sexual são facilmente identificados, mas os referentes à língua, raramente.

Perceba que no texto citado a língua mentirosa é associada aos olhos altivos e a mãos que derramam sangue inocente. A associação entre a altivez e a perversidade de boca se dá quando o indivíduo se acha no direito de determinar sobre a vida de outrem, e isto, sem saber das reais motivações. Mas a a relação língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, é maior indicador de que para se matar alguém, ou ser tão réu quanto um assassino, não é necessário que se cometa homicídio. Jesus falou a este respeito no Evangelho. Para se tornar réu do sinédrio e do fogo do inferno, basta uma palavra ofensiva (Mt 5. 21, 22).

Ao lado da ira, o ódio aparece como motivação para o assassinato, e ao voltar o olhar para a sabedoria bíblica leio: a língua mentirosa odeia as suas vítimas e a boca fluente provoca ruínas (Pv 26. 28 Bíblia de Jerusalém). Não foi sem razão que Davi orou a Deus pedindo: livra-me Iahweh, dos lábios mentirosos, da língua traidora (Sl 120. 2 Bíblia de Jerusalém).

Se existem pessoas cujos lábios estão comprometidos com a mentira, e toda sorte de pecados da língua, tal se dá pela natureza depravada do homem. Não é sem razão que Salomão diz: o mau fica atento aos lábios perniciosos, o mentiroso dá ouvidos à língua perversa (Pv 17. 4 Bíblia de Jerusalém). Sem homens que ouçam perfídias não há como fofocas, boatos, e maledicências prosperarem. Mas a má natureza dos homens contribui para que tais avanços ocorram. 

Este mesmo ensino pode ser conferido no Evangelho, e de certa forma nós já indiquei aqui. Nas linas abaixo transcorrerei mais acuradamente sobre a ligação feita por Jesus entre a língua e o coração, por exemplo, e como aquilo que sai do homem o contamina.

O EVANGELHO E O ENSINO A RESPEITO DA LÍNGUA

Já falei acima á respeito da ligação entre a ofensa e a ira, ou mesmo o ódio, e como Jesus condenou severamente tais pecados, também fiz a correlação entre os mesmos e a sabedoria judaica, tudo visando mostrar o quanto o ensino de Cristo se encontra articulado com a concepção autorizada das Escrituras Sagradas. Agora me cabe ressaltar o que Cristo ensinou a respeito da língua em situação específica. Em uma determinada situação Jesus foi acusado pelos fariseus de expulsar demônios por Belzebú. Diante do fato ele respondeu:
Ou declarais que a árvore é boa e seu fruto é bom, ou declarais que a árvore é má e seu fruto é mau. É pelo fruto que se conhece a árvore. Raça de víboras, como podeis falar de coisas boas, se sois maus? Porque a boca fala daquilo que o coração está cheio. O homem bom, do seu bom tesouro tira coisas boas, mas o homem mau do seu mau tesouro tira coisas más. Eu vos digo que toda palavra sem fundamento que os homens disserem, darão conta no dia do julgamento. Pois por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado (Mt 12. 33 - 37 Bíblia de Jerusalém). 
que lições podem ser retiradas do texto em apreço?

  1. A fala humana é comparada com o fruto de uma árvore. Do fruto da sua boca o homem sacia-se do que é bom, e cada qual receberá a recompensa por suas obras (Pv 12. 14 Bíblia de Jerusalém), e: pelo fruto da sua boca o homem se nutre do bem, mas a vida dos traidores é apenas violência (Pv 13. 2 Bíblia de Jerusalém).
  2. A qualidade do homem é vista pela qualidade daquilo que ele fala. Algo confirmado na literatura de Sabedoria, conforme pode ser vista na seguinte fala: a boca do justo é prata escolhida, o coração dos ímpios vale pouco. Os lábios do justo apascentam a muitos, os estultos morrem por falta de juízo (Pv 10. 20, 21 Bíblia de Jerusalém).
  3. Todavia, há homens que conseguem disfarçar a qualidade real de sua natureza por meio de palavras que não expressam sua real condição. Mas há um perfil de homem que ama o mal e odeia os mandamentos divinos, a despeito do quanto o citam de cor. São estes que abrem a boca para o mal e cujos lábios tramam fraude (Sl 50. 19).
  4. Os fariseus se enquadram nesta categoria de homens, jamais falavam segundo a retidão do seu coração.
  5. Ao ofenderem a Cristo, afirmando que o mesmo expulsava demônios por Belzebu, os fariseus revelaram a sua verdadeira natureza, aquilo que de fato estava em seus corações. O fruto mostra o cultivo da árvore, assim a palavra do homem, os pensamentos do seu coração (Eclo 27. 6 Bíblia de Jerusalém), ou como disse o próprio Cristo: porque a boca fala daquilo que o coração está cheio (Mt 12. 34 Bíblia de Jerusalém). 
  6. Jesus disse que o que sai da boca provém do coração, e é isso que torna o homem impuro (Mt 15. 18 TEB), dando a entender que a língua do homem possui poder muito maior no processo de impureza do homem do que lavar, ou deixar de lavar as mãos. 

Este é, em breves palavras o ensino do Espírito Santo e de Cristo a respeito da língua, conforme se vê nos Evangelhos.

A LÍNGUA NA CARTA DE TIAGO
Se alguém se julga religioso, sem refrear a língua, mas enganando-se a si mesmo, vã é a sua religião (Tg 1. 26  Tradução Ecumênica Brasileira). 
O texto em que Tiago faz tal afirmação, se situa em um contexto de cumprimento da Palavra de Deus, no caso a que está sendo ensinada (Tg 1. 19 - 25 [aqui]). Todavia, tanto o cumprimento da Palavra, da essência da lei, quanto das advertências da sabedoria dependem estritamente de uma nova natureza no homem. Tal se dá quando o crente é gerado de novo pala Palavra da Verdade, a fim de vir a ser uma nova criatura (aqui e aqui). SOMENTE HOMENS REGENERADOS PODEM REFREAR SUAS LÍNGUAS.

Segundo Tiago, todos tropeçamos de muitas maneiras. Se alguém não tropeça no falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo (Tg 3. 2 NVI). Esta é uma verdade muito bem colocada pelo próprio Cristo quanto afirmou: não é o que entra na boca do homem que o torna impuro, mas o que sai da boca, eis o que torna o homem impuro (Mt 15. 11 TEB). As razões já foram elencadas supra, mas creio que ser didático repetir que a língua reflete a realidade da natureza pecaminosa. Para Tiago, a língua também é um fogo, um mundo do mal; a língua está instalada entre os nossos membros e mancha o corpo inteiro, abrasa o ciclo da natureza, sendo ela mesma abrasada pela geena (Tg 3. 6, TEB).

Há pessoas cuja linguagem fomenta ainda mais o clima de guerra que possa existir. O patife fomenta a maldade, nos seus lábios há como fogo devorador (Pv 16. 27 TEB). Tenho afirmado ao longo deste estudo que a língua apenas reflete a natureza real dos homens, este é o ensino das Sagradas Escrituras. Tanto que a Bíblia afirma que a boca do justo é prata escolhida, o coração dos ímpios vale pouco. Os lábios do justo apascentam a muitos, os estultos morrem por falta de juízo (Pv 10. 20, 21 Bíblia de Jerusalém).

Tiago coloca para o cristão zeloso um sério problema, ao afirmar: Se alguém não tropeça no falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo (Tg 3. 2 NVI), e: mas a língua, homem algum consegue domá-la, flagelo que não para, cheio de veneno mortal (Tg 3. 8 TEB). Na tradição sapiencial uma menção aos homens  ímpios que premeditam o mal. Segundo Davi, eles afiaram sua língua como a serpente, têm veneno de víbora entre os lábios (Sl 140. 4 [3] TEB). Diante de tal constatação, que cuidado tomar com a língua? Como parar a mesma?

A tradição sapiencial bíblica indaga: Alguém ama a vida? Alguém quer ver dias felizes? Guarda a tua língua do mal e os teus lábios das maledicências (Sl 34. 13, 14 TEB). Mas como evitar o pecado com os lábios? Simplesmente buscando ao Senhor. Davi era alguém tão consciente dos perigos da língua que orou dizendo: que as palavras da minha boca e o murmúrio do meu coração sejam aceitos em tua presença, Senhor, meu rochedo e meu defensor (Sl 19. 15 [14] TEB), ainda em outra ele ora dizendo: Senhor, põe um guarda à minha boca, vigia a porta dos meus lábios (Sl 141. 3 TEB). Esta tem sido a minha oração diária e quero convidar o leitor a que faça a mesma todos os dias.

Em Cristo, Marcelo Medeiros

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Selfie No enterro de Eduardo Campos



Soube agora pouco de uma notícia que gerou indignação nas redes sociais. Pessoas fazendo selfie, ou como poderia me expressar em meu português básico, registrando a própria presença no velório de Eduardo Campos (aqui). A atitude abre brechas para todos os tipos de crítica. Egoísmo, invasão de privacidade, vontade aparecer, baixa exposição, afinal, o que teria motivado uma mulher desconhecida a registrar o momento? Não sei. 

O que sei como imigrante digital é que houve um tempo em que a minha geração, por exemplo, passou pelos momentos mais significativos, dramáticos, especiais, mas sem um recurso à mão que permitisse o registro. Hoje em dia todos andam com um recurso digital que os permite fazer um filme, ou documentário se necessário for (falo do celular, principalmente se o mesmo tiver androide), ampliando a necessidade de registro. 

Ao que me parece Eduardo Campos contava com o carinho da população, fato este expresso na expressiva votação que o mesmo recebeu em sua reeleição. Assim, ainda que a elite veja o fato como a mais profunda repulsa (afinal, não é nada chique filmar, ou fotografar um velório, salvo se você for da imprensa), verdade é que a soma da inovação tecnológica, que permite o registro, ao carinho popular fizeram a ocasião. 

Digno de registro é o fato de que as reações à morte são as mais inusitadas o possível. É algo que não há como programar, por exemplo, este site traz um contraste entre as reações de Lula e Marina Silva no velório em questão. Um questão que fica é: até que ponto as lideranças políticas (e aqui falo especificamente do ex-presidente Lula) irão se valer da morte deste jovem e promissor candidato para alavancarem sua própria campanha e quem sabe melhorar a imagem pessoal? 

Não posso aqui tecer julgamento algum nem a respeito de Marina, nem de Lula, e óbvio que menos ainda da desconhecida que tira foto ao lado do caixão. Tudo o que sei é que cada um registou à sua maneira o seu momento no evento. O que fica bem e o que não fica é mera questão de foro íntimo. Uma coisa é certa ao povo restou a saudade e a necessidade de perpetuar um autêntico legado. 

Abraços Marcelo Medeiros. 

Dilma Entrevistada Pelo Jornal Nacional



Como era de se esperar a série de entrevistas com candidatos à Presidência da República exibida pelo Jornal Nacional, trouxe no dia de ontem uma entrevista com a candidata Dilma Rousseff. Conforme pontuado na blogosfera e nas demais mídias a teleconferência foi marcada pela agressividade dos entrevistadores (Willian Bonner e Patrícia Poeta), e pelas respostas evasivas da candidata, conforme visto na resposta que a mesma dá para os problemas de corrupção, saúde, e economia (aqui). 

O calcanhar de Aquiles da candidata em apreço é, sem dúvida, a explosão de escândalos no seu governo e uma ausência de melhorias significativas na saúde e demais serviços, tudo isto, associado aos doze anos de governo do PT. Este nada mais nada menos é do que a continuidade do que já vinha sendo feito no Brasil, o que aponta para a necessidade da construção de novos caminhos, que por sua vez viabilizem e tragam a tão sonhada mudança política. 

Conforme já expressei aqui, não demonizo Dilma, nem o PT a corrupção vista no seu governo é produto da natureza humana, que uma vez de posse do poder o usa em benefício próprio e da ausência de mecanismos legais que travem esta mesma corrupção. Entendo que a volta do PSDB é um mal desnecessário, mas a construção de uma alternativa ao que se vê por aí é mais que urgente e, ao meu ver, após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva se tornou o maior símbolo desta alternativa. 

Forte Abraço, Marcelo Medeiros

sábado, 16 de agosto de 2014

Carta a uma jovem formanda



Rio 16 de Agosto de 2014

Minha cara jovem recém formanda, fico agradecido pelas palavras que você empregou para se referir à minha pessoa, ao afirmar ver em mim uma fonte de inspiração. Não há maior alegria para um pastor mestre, ou para um mestre pastor do que saber que contagia as pessoas com seu exemplo, principalmente se este é positivo. Contudo gostaria de compartilhar em breves linha algo que considero ser o meu maior legado, minha constante inadequação. 

Minha sede e busca contínua por conhecimento se baseia na sensação de que tudo o que sei não é adequado para o desempenho da função que me foi confiada. E meu consolo consiste em saber que é deste sentimento que nascem os verdadeiros e mais profundos aprendizados, e que Deus sempre supre as minhas  inadequações. Mais do que isto, ele é exaltado justamente por meio de minhas fraquezas, inclusive as existenciais. 

Em sua festa de formatura percebi que sua turma leva o nome de um homem de Deus, e herói da fé, Gideão. Ele fez aquilo que era certo, mas por meio inadequados, afinal, em toda história de Israel nunca se ouviu falar de alguém que malhasse o trigo no lagar (tanque de espremer uvas), nem que fosse à uma guerra contra um exército numeroso levando consigo vasos de barro, e trezentos homens. Mas em cada etapa do processo, percebe-se que Deus ia guiando e conduzindo as coisas. 

Tenho visto que o bom da aquisição de conhecimentos é o senso de ignorância que em mim aumenta à cada novo conhecimento adquirido. Me convenço à cada dia que tudo o que sei, é que nada sei, e Paulo estava certo quando disse: se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber (I Co 8. 2 ACF). E cada vez que me faço conhecedor de que nada sei, me abro para que a minha mente se encha mais e mais da plenitude de Cristo e que em minha ignorância e inadequação, eu seja um instrumento de Deus como Gideão o foi. 

Quando isto acontecer contigo, e vai acontecer, saiba que aí sim, o conhecimento estará sendo adquirido de uma forma que nestes quatro anos não havia sido. Que Deus em Cristo Jesus te abençoe mais e mais, com uma fome e sede de justiça cada vez maior, pois os que a possuem serão fartos. Cresça na graça e no conhecimento de Cristo Jesus. 

Marcelo Medeiros

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A Fé se Manifesta em Obras



O autor da Carta aos Hebreus aparentemente define fé como: o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das que não se veem (Hb 11. 1 ARC), ou como traduz a ARA: ora a fé é a certeza das coisas que não se veem, e a convicção de fatos que se não veem (Hb 11. 1 ARA). Mas na medida em que se avança na leitura do texto, torna-se mais e mais perceptível a ideia de que a intenção do autor não foi a de definir fé, mas sim de indicar com a mesma age.

Parto deste princípio porque creio que para falar de interação entre fé e obras, seja necessário um sólida conceituação do que vem a ser a fé, do papel das obras na vida cristã, etc... . O assunto é mais do que atual pela questão apologética (visto que é necessária a remoção da suposta contradição entre Tiago e Paulo), sim. Mas creio que o pelagianismo, esta heresia que tem cercado a Igreja Evangélica Brasileira, seja um mal ainda maior.

FÉ NA BÍBLIA

Não existe no Antigo Testamento uma palavra cujo conceito se aproxima do de fé. A palavra mais próxima, אֱמוּנָתֹ֥ו (emunah [fidelidade]),é igualmente usada para confiança e segurança despertadas pela fidelidade divina quanto ao cumprimento de suas promessas. É no Novo Testamento que ideia ganha maior corpo, por meio do termo πιστις (pistis), cujo emprego pode englobar:

  1. Uma firme persuasão, quanto a uma verdade, ou o conteúdo de alguma afirmativa. É o caso, por exemplo de Paulo, que tinha convicção de que após sua morte receberia um novo corpo (II Co 5. 7, 8). 
  2. Boa fé, fidelidade, sinceridade. Manter a boa fé requer firme convicção a respeito da fidelidade divina (I Tm 1. 19; 2. 7; II Tm 2. 22). Fidelidade é fruto do Espírito (Gl 5. 22; Ap 2. 19; 13. 10). 
  3. Um modo de se apropriar aquilo Deus em Cristo reservou ao homem. É neste sentido, creio eu, que a fé é entendida pelo autor da carta aos Hebreus, quando este afirma: a fé é um modo de possuir, desde agora o que se espera, um meio de conhecer realidades que não se veem (Hb 11. 1 TEB). 
  4. Demonstrada acima de tudo na oração com base na vontade de Deus, que como tal, é feita sem duvidar (Mt 17. 20; 21.21; Mc 11. 22). 
  5. A confiança que os enfermos depositaram em Cristo (Mt 8. 10; 9. 2, 22, 29; 15. 28; Mc 10. 52). 
  6. As doutrinas do Evangelho, que serem fonte de fé (Rm 10. 17), são confundidas com a própria fé. Assim, quando se dizia que os sacerdotes, ou os gentios obedeciam a fé, quer se dizer que obedeciam ao Evangelho (At 6. 7; Rm 1. 5). A abertura da fé aos gentios equivale à pregação (At 14. 27). 
  7. A fé salvadora, ou salvífica, conforme encontrada nos textos de Paulo (Rm 3. 22, 25 - 28, 30, 31). Por meio da fé do Evangelho é imputada ao homem a justiça de Deus (Rm 1. 17; 5. 1, 2; 9. 30, 32; 10. 4). 
Antes de prosseguir com o estudo em apreço, pretendo deixar claro aqui minha anuência às sábias palavras de Ed René Kivitz, quando este afirma que ao contrário do que se pensa, a fé não é algo que leva o ser humano a mexer com Deus, mas que move o ser humano em direção a algo. Em outras palavra, a fé conduz o homem à prática, à ação. Isto é algo que aparece tanto em Paulo quanto em Tiago. 

Pela fé Abel ofereceu melhor sacrifício do que Caim. Mas quando se observa o contexto de Gênesis, por exemplo, torna-se perceptível que a aceitação de um e rejeição de outro estava ligado ao que eles praticavam (Gn 4. 6, 7). Esta interpretação aqui oferecida não se dá em um vácuo hermenêutico, pelo contrário, é confirmada pela própria Bíblia quando João afirma: não como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más e as de seu irmão justas (I Jo 3. 12 ACF). 

Em outras palavras o sacrifício mais excelente de Abel começou na qualidade da oferta, mas com a vida do ofertante. O autor sacro aos Hebreus colocou isto de uma forma diferente, ao afirmar que pela fé os antigos alcançaram testemunho (Hb 11. 2 ACF). O testemunho de Abel foi seu maior ato de fé, e o processo de exegese feito aqui demonstra que nele se evidencia a profunda conexão entre fé e ação. Esta é a essência da fé bíblica. Agora convém falar das obras. 

OBRAS NA PERSPECTIVA BÍBLICA

O que a Bíblia diz a respeito das boas obras? Em primeiríssimo lugar, as Escrituras foram legadas ao povo de Deus com a estrita finalidade de instruir e educar o homem de Deus em toda a boa obra (II Tm 3. 16, 17). Em segundo lugar, mesmo afirmando que a salvação é exclusivamente pela graça de Deus, e independente de obras (Ef 2. 8, 9), a mesma Bíblia diz no mesmo contexto que os crentes, ou salvos, foram criados em Cristo Jesus para as boas que Deus já antes preparara para que nela andássemos (Ef 2. 10 Bíblia de Jerusalém). Aqui se faz necessária uma explicação. 

Quando Paulo afirma a salvação pela graça independente de obras de justiça, sejam quais forem (Ef 2. 8, 9), há que se atentar para o contexto, que descreve o homem sem Deus como morto em seus delitos e pecados, vivendo de acordo com o espírito que opera nos filhos da desobediência, satisfazendo as vontades da carne e o seus impulsos (Ef 2. 1 - 4). Faço aqui uma pausa para lembrar que a carne não pode obedecer a lei de Deus (Rm 8. 5 - 8). Sim, os que estão na carne não podem agradar a Deus (Rm 8. 8 Bíblia de Jerusalém). 

Para que o crente pratique as boas obras descritas no texto, necessário se faz com que Deus faça dele uma nova criatura em Cristo (ποιημα κτισθεντες εν χριστω [poieema kthistentes en Christon]). A habilitação do homem para fazer as boas obras é em si, uma obra de Deus. A teologia chama esta obra de regeneração. Sei que até agora esteou transitando dentro do pensamento paulino, mas o que Tiago tem a dizer a este respeito? 

Em primeiro lugar, conforme visto neste espaço, Tiago sabe que o homem natural é atraído como um animal por seus desejos, de forma a vir a pecar (ver gerados pela palavra da verdade aqui), e afirma que o homem tem de ser praticante da palavra (ver a parte em que falo da religião pura e imaculada aqui); mas note, que antes desta célebre escritor falar da prática da Palavra e da verdadeira religião ele afirma: Por sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que as primícias dentre as suas criaturas (Tg 1. 18 Bíblia de Jerusalém). 

Em outras palavras, em Cristo, o homem foi gerado pela Palavra da Verdade para para praticar a Palavra (Tg 1. 18 - 25). Este contexto tem de ser levado em conta pelo intérprete bíblico, a fim de que toda dúvida seja jogada por terra. Querendo ou não os teólogos liberais, há mais semelhança entre Paulo e Tiago do que imagina toda vã teologia acadêmica. 

Mas somente as Escrituras habilitam o crente a praticar as boas obras requeridas por Deus. Primeiro, por serem a fonte de regeneração (Tg 1. 18; I Pe 1. 22 - 23), segundo por indicarem a glória de Deus como propósito fundamental para a prática das mesmas (Mt 5. 16), e por último por apontarem que somente por Deus e por Cristo é que tais podem ser praticadas. 

Esta verdade aparece já no Antigo Testamento quando Isaías afirma: Iahweh tu nos asseguras a paz; na verdade todas as nossas obras tu as realizas por nós (Is 26. 12 Bíblia de Jerusalém). Jesus mesmo disse aos seus discípulos: permanecei em mim, e eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque sem mim, nada podeis fazer (Jo 15. 4, 5 Bíblia de Jerusalém). 

O mesmo pode ser dito de Paulo, que preocupado com o progresso dos irmãos de Filipo desejou aos mesmos que que o amor deles crescessem mais e mais. Como? Em conhecimento e em sensibilidade, a fim de que os mesmos pudessem discernir o que é importante e fossem puros e irreprováveis no dia de Cristo, na maturidade do fruto da justiça, que vem por Jesus Cristo e para a glória e o louvor de Deus (Fp 1. 9 - 11 Bíblia de Jerusalém). Mas Paulo fez esta oração sabendo que o querer e o efetuar estão em Deus (Fp 2. 13). 

Não há em Tiago o espaço para uma oposição entre fé e obras e nem para uma especulação de um suposta salvação pelas obras. Afirmo isto por uma simples razão: a essência da fé é um desesperar de si mesmo, e um depositar da confiança humana no agir de Deus. Esta mensagem aparece quanto o autor faz menção aos exemplo de fé e obras do Antigo Testamento, a saber: Abraão e Raabe. Ambos demonstraram confiança no Deus de Israel e se apoiaram na mesma para agir como agiram.

Minha conclusão a respeito deste assunto é que a Bíblia em momento algum condena as boas obras. Pelo contrário incentiva a prática das mesmas, desde que com a motivação correta, a glória de Deus e de Cristo (Mt 5. 16), e que jamais as mesma sejam usadas como uma forma de marketing pessoal. Isto se dá quando a motivação para as boas obras é ser visto pelos homens.

Um outro problema abordado nas Escrituras é a confiança nas boas obras como se estas fossem um tipo de crédito entre o homem e Deus. A matriz cultural deste pensamento é a justiça diretiva do judaísmo pré cristão. Uma justiça, cuja base é o desempenho do homem no cumprimento da lei, como se cada mandamento cumprido fosse uma moeda de negociação entre o homem e Deus. Em um primeiro momento Davi parece acreditar neste tipo de Justiça (Sl 18. 18 - 27), mas somente até experimentar o poder desolador do pecado e orar pedindo compadece-te de mim ó Senhor (Sl 51). Para mais sobre o assunto, ver aqui.

FÉ E OBRAS NO CONTEXTO DA CARTA DE TIAGO

Antes de um exame a respeito da vida destes dois ícones, gostaria de ressaltar o contexto em que Tiago fala, que por sua vez segue a seguinte ordem:
  1. Geração pela Palavra da Verdade (Tg 1. 16 - 18)
  2. Chamado à prática da Palavra de Deus (Tg 1. 19 - 25)
  3. Indicação da religião pura (Tg 1. 26, 27)
  4. Condenação à fé em Cristo, quando supostamente exercida em acepção de pessoas (Tg 2. 1 - 13). 

Gostaria de chamar a atenção para os versos finais em que o irmão do Senhor pede: assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade. Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa do juízo (Tg 2. 12, 13 ACF). É esta fala que antecede a pergunta retórica a respeito da relação entre fé e caridade e obras.

A caridade vazia de obras é nula, não é sem razão que João pede: não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade (I Jo 3. 18). Nos escritos paulinos, fé, esperança e amor constituem uma tríade que vei a ser conhecida como a das virtudes teologais (Rm 5. 1 - 5; I Co 13. 13), e o fator mais revelador de todos, a afirmação de que a fé opera por meio do amor. 

Porque nós pelo Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça. Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor (Gl 5. 5, 6 ACF).  Fé e amor operam de modo conjunto, daí que mais que normal que para exemplificar a operosidade da fé, Tiago tenha recorrido ao exemplo de caridade conforme se vê em Tg 2. 14 - 17. 

ABRAÃO E RAABE, EXEMPLOS DE FÉ E OBRAS

Assim também a fé, se não tiver obras está completamente morta. De fato alguém poderá objetar-lhe tu tens a fé e eu tenho as obras. Mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas obras (Tg 2. 17, 18 Bíblia de Jerusalém). O que Tiago ensina neste texto? Que não existe fé separada de obras. Este ensino pode ser observado na Carta aos Hebreus, especificamente na lista dos heróis da fé, uma vez que a cada vez que o autor diz: pela fé, vem um verbo denotado a ação dos mesmos.

Tiago a fim de demonstrar esta verdade de forma mais prática e concisa recorre ao exemplo de Abraão e Raabe. Vou começar com o exemplo do patriarca de Israel e pai na fé dos cristãos. Não foi pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado ao oferecer seu filho Isaque sobre o altar? Já vês que a fé concorreu para as suas obras e assim a fé se realizou plenamente. E assim cumpriu a Escritura que diz: Abraão creu em Deus e isto lhe foi imputado como justiça (Tg 2. 21 - 23 Bíblia de Jerusalém). Algumas observações precisam ser feitas aqui:
  1. Em primeiro lugar a imputação de justiça a Abraão se deu quando este ainda não tinha filho algum, e ao ouvir do próprio Deus que teria uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu, creu (Gn 15. 1 - 6). 
  2. Diante do exposto seria um problema se Tiago afirmasse que a oferta, ou apresentação de Isaque sobre o altar foi o motivo da justificação de Abraão, mas não é isto que se lê no texto. Tiago na verdade está fazendo duas afirmativas bem significativas. 
  3. Que a fé (já demonstrada na anuência ao projeto de Deus para a sua vida) de Abraão atingiu sua plenitude quando este ofereceu (na verdade o verbo ανενεγκας [anenégkas] é melhor traduzido por apresentar, o que ressalta a obediência do patriarca) Isaque sobre o altar. 
  4. Que este ato foi o cumprimento da declaração escriturística de que o patriarca crera na palavra de Deus e isto lhe foi imputado como justiça. 
  5. Há uma sinergia entre fé e obras, que permite que a fé seja consumada. 
  6. A obra que Tiago toma como exemplo, é em si, um ato de fé da parte do patriarca, que tinha despedido seu filho Ismael e tinha exclusivamente em Deus a esperança do cumprimento da promessa. 
  7. O que Tiago pretende demonstrar aqui é que fé e obras andam juntas. 
Esta é a visão de fé que Tiago tem. Agora convém analisar o exemplo de Raabe. O que tenho a dizer a respeito dela é muito simples: as obras da fé que esta mulher demonstrou são fruto de uma consciência da superioridade do Deus de Israel. Tiago indaga: Raabe, a prostituta, não foi justificada pelas obras quando acolheu os mensageiros e os fez voltar por outro caminho? Com efeito assim como o corpo sem o sopro de vida é morto, assim também é morta a fé sem obras (Tg 2. 25, 26 Bíblia de Jerusalém).

No lugar de entender precipitadamente que as obras de uma meretriz pagã foram a fonte de sua justificação, ou que um judeu do século primeiro entenderia assim, prefiro a compreensão de que de nada adiantaria àquela mulher sentir o mesmo tremor que os demais cidadãos de Jericó sentiram, e ter a mesma atitude deles. Este tipo de fé é similar ao corpo sem fôlego de vida, algo morto em essência.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

A Morte de Eduardo Campos



Como disse, e com muita propriedade, Eliseu em seu blog, o inacreditável se confirmou, a morte de Eduardo Henrique Accioly Campos, de 49 anos, era economista, ex-governador de Pernambuco, presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSC), e candidato à presidência da República pelo mesmo partido (aqui). Os detalhes você pode conferir no link que postei. 

Meu post se presta a lamentar e deixar as condolências à família do político por tão irreparável perda. E, em tempo apontar que a privação não se resume à esfera familiar, mas a toda uma legião de fãs (admiradores do candidato) e eleitores que se veem privados de uma alternativa à viciosa polarização entre PT e PSDB. Agora resta aos mesmos Marina, e a esperança de que não se repita com ela o mesmo episódio da reprovação do registro de seu partido. 

Uma lição a ser tirada é a imprevisibilidade da vida. O homem pode até fazer planos, mas a resposta de lábios vem de Deus (Pv 16. 1, 2). À longo prazo Eduardo Campos seria um candidato forte de uma nação que quem sabe, fosse bem mais amadurecida politicamente, mas as expectativas foram duramente frustradas. Agora é pedir a Deus a graça para que ele nos dê outros eduardos, e a sabedoria para que o povo possa reconhecer Eduardos. Quanto a Marina, sucesso em sua caminhada. 

Marcelo Medeiros, com muita dor no coração. 

sábado, 9 de agosto de 2014

A Verdadeira Fé Não Faz Acepção de Pessoas



Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2. 1 ACF). O termo acepção, pode ser definido como a interpretação e significados que se confere a uma palavra, ou coisa, e no sentido pessoal, a preferência pessoal decorrente da classe social, qualidade, ou títulos que a mesma possua. Este sentimento não é nada compatível com a fé em Cristo, que de acordo com Tiago se fez pobre, a fim de fazer com que os pobres deste mundo se tornem ricos na fé (II Co 8. 9; Tg 2. 5). 

A despeito da incompatibilidade entre a acepção de pessoas e a fé em Cristo, fato é que não é em vão que o texto se faz presente nas Escrituras. É de significativa importância que a recomendação venha após a fala a respeito da geração pela palavra, e ao apelo à prática da mesma (Tg 1. 16 - 25). De igual importância é o fato de que imediatamente após as recomendações contra a discriminação de pessoas venha a afirmação de que a fé sem obras é morta. Creio que um entendimento maior do assunto será possível mediante uma breve exegese. 

UMA EXEGESE DO TEXTO

Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2. 1 ACF). 

O termo grego προσωποληψιαις (prosoopoleepsiais), cujo sentido é o de receber à face, ou em razão da aparência, é associado a εχετε (echete), usualmente empregado para expressar algum tipo de prática. Daí que o texto em apreço possa ser entendido da seguinte forma: não deve ser um hábito do crente exercer a sua vida piedosa e, ao mesmo tempo praticar a acepção de pessoas. 

Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje, E atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado (Tg 2. 2, 3 NVI). 

No texto, tal como traduzido em idioma vernacular a impressão que se tem é a de que o homem traga um único anel, coisa que era comum aos homens da época. Daí que a distinção entre pobre e rico seja visualizada aqui somente por meio da comparação entre o anel e as vestes imundas do mendicante. Mas na verdade do termo χρυσοδακτυλιος (chrysodaktylios), indica um homem com anéis de ouro, ao invés de apenas um, coisa comum naquele tempo. Aqui, as jóias, junto com as vestiemtnas são indicadores de riqueza e opulência. 

Outro termo que merece devida consideração é επιβλεψητε (epiblepseete), que em nossas bíblias é traduzido por atentar, prestar atenção, mas que na verdade indica consideração, ou respeito. A mensagem inicial de Tiago é de não se deve considerar, ou respeitar alguém tomando como parâmetro as vestes ou a ornamentação da pessoa. 

não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados? (Tg 2. 4 NVI). 

O termo διεκριθητε (diekrithee) vem do verbo διακρινομαι (diakrinomai), e indica um tipo de divisão interna a respeito de um assunto, ou melhor a mais flagrante incompatibilidade com a fé professada, uma vez que Cristo se fez pobre para enriquecer o pobres na fé. Já κριται διαλογισμων πονηρων (kritai dialogismoon poneeroon), em que equivale κριται a juízes, διαλογισμων à raciocínios, e πονηρων a mau. Daí a possibilidade da seguinte tradução: juízes de raciocínios ruins, ou juízes tomados de maus pensamentos.

O fato é que a discriminação é uma forma de julgamento a partir de critérios nada corretos e louváveis, daí a necessidade de constante racionalização, uma vez que mesmo sendo preconceituoso, ser humano algum está preparado para ser visto, ou ver a si mesmo, como tal. A teologia da prosperidade, ou a teologia moral de causa e efeito são duas formas de racionalização do problema aqui destacado. Um exemplo deste tipo de pensamento pode ser visto nos amigos de Jó, hoje representados nos que entendem que toda tragédia tem sua explicação em algum tipo de desobediência, ou pecado.

Ouçam, meus amados irmãos: não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos em fé e herdarem o Reino que ele prometeu aos que o amam? (Tg 2. 5 NVI). 

A primeira questão necessária a ser colocada e esclarecida aqui é que a riqueza, de forma alguma constitui-se como impedimento ao Reino de Deus. O problema do jovem rico, por exemplo não era sua riqueza, mas a sua auto suficiência exemplificada na figura do camelo (Lc 18. 25). Mais curioso, é que quando perguntado a respeito da observância aos mandamentos, o jovem responde: Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade (Lc 18. 21 ACF), este é o ponto em que se revela a auto suficiência do jovem, achar que cumpre a lei, e que pode fazer algo para herdar a vida eterna. 

Zaqueu já é um exemplo de rico que vai na direção contrária à do jovem piedoso. Ele não tem a mínima pretensão com relação a Jesus, é este quem para debaixo do pé de um figueira brava e convida o coletor de impostos a que o receba em casa. O que reforça ainda mais que a raiz do problema é a auto suficiência. 

Logo, a pobreza, ou indigência da qual a Bíblia fala, ao afirmar que os pobres são chamados para o Reino de Deus e de Cristo (Mt 5. 3; 11. 5), é na verdade um sentimento de profunda dependência de Deus. πτωχον (ptoochon) é um termo que expressa o pedinte, aquele que depende de outros para sua subsistência (aqui). O pobre em Israel era aquele que não possuindo terra para trabalhar vivia em total estado de indigência, podendo vir a mendigar. Fato é que o pobre do contexto bíblico é bem diferente do pobre do contexto social atual. 

Chamamos de pobre quem não possui bens, posses, ou pelos parcos recursos não pode prover sua subsistência. Mas o pobre da Bíblia é literalmente o indigente. Um termo grego que se alinha com este é πτωχοι (ptoochói).  Ele igualmente indica os que não podem se sustentar e dependem de ajuda alheia (aqui). É a esta figura que Tiago se refere neste texto. Ele se difere do homem com poucas posses, o ταπεινος [tapeinos], do qual o irmão do Senhor fala (aqui). 

O senso de dependência faz com que o πτωχοι (ptoochói) seja o escolhido por Deus a fim de vir a ser herdeiro do Reino e rico na fé em Cristo. Isto faz com que todas as margens possíveis para a prática da discriminação sejam lançadas por terra. Sob esta ótica evangélica, que a questão da pobreza e da riqueza precisam de serem vistas. 

A ACEPÇÃO DE PESSOAS NA BÍBLIA 

Na medida em que se aprofunda na leitura do texto maior se torna a percepção de que Tiago está referendando seu ensino tanto a lei, quanto à sabedoria judaica. Isto se torna claro na medida em que o irmão do Senhor afirma: Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem fazeis. Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redarguidos pela lei como transgressores (Tg 2. 8, 9 ACF). O que leva à pergunta: de qual parte da lei Tiago está falando?
"Não cometam injustiça num julgamento; não favoreçam os pobres, nem procurem agradar os grandes, mas julguem o seu próximo com justiça. "Não espalhem calúnias entre o seu povo. "Não se levantem contra a vida do seu próximo. Eu sou o Senhor. "Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa dele, não sofram as conseqüências de um pecado. "Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor (Lv 19. 15 - 18 NVI). 
Em termos legais, a acepção de pessoas consiste em favorecer ao pobre, pela simples fato de o mesmo ser pobre, ou na tentativa de agradar o grande. Uma recomendação: não sejam parciais no julgamento! Atendam tanto o pequeno como o grande. Não se deixem intimidar por ninguém, pois o veredicto pertence a Deus. Tragam-me os casos mais difíceis e eu os ouvirei (Dt 1. 17). Quem disser ao ímpio: "Você é justo", será amaldiçoado pelos povos e sofrerá a indignação das nações. Mas os que condenam o culpado terão vida agradável; receberão grandes bênçãos (Pv 23. 24, 25)

Agir com acepção de pessoas consiste em não permitir que a condição pessoal altere a percepção particular a respeito desta, ou daquela pessoa, e pior, uma injustiça seja feita. O texto supra traz uma realidade sem precedentes: o mandamento de amar ao próximo é aglutinado à recomendação de  não se fazer acepção de pessoas. O verdadeiro praticante da Palavra não age de tal forma.
Se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: "Ame o seu próximo como a si mesmo", estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores. Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente. pois aquele que disse: "Não adulterarás", também disse: "Não matarás". Se você não comete adultério, mas comete assassinato, torna-se transgressor da Lei. Falem e ajam como quem vai ser julgado pela lei da liberdade; porque será exercido juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso. A misericórdia triunfa sobre o juízo! (Tg 2. 8 - 13 NVI). 
O que se lê aqui?

  1. Que a acepção de pessoas é uma flagrante contradição com a lei, que determina que se ame ao próximo como a si mesmo.  
  2. Que os que praticam a acepção de pessoas, (e diga-se de passagem na sociedade atual poucos são os que não julgam tomando a aparência como critério);  cometem pecado. 
  3. A expressão ελεγχομενοι (elegchoomenoi), na verdade indica convencimento de culpa, ou seja os que fazem acepção de pessoas tornam-se culpados perante a lei. 
  4. O pecado da acepção de pessoas é tão grava quanto o adultério e o homicídio (que são mencionados aqui à título de exemplo, e com vistas ao reforço da mensagem). 
  5. O comportamento cristão precisa refletir a mensagem do Evangelho em sua pureza e inteireza. Se Deus escolheu os pobres deste mundo (II Co 8. 9), não há motivo para discriminação do mesmo em contexto eclesiástico. 
  6. A acepção de pessoas é uma prática que destoa da misericórdia, mais especificamente da prática (ποιησαντι [poieesanti]). 
  7. O termo ποιησαντι tem estrita relação com o mesmo que Tiago emprega para a prática da Palavra de Deus ποιηται (poieetai). 
  8. Praticar a palavra é viver uma vida em que o julgamento se exerce não pela aparência, mas de acordo com a reta justiça (Jo 7. 24), e em que o discernimento se dá orientado pelo Espírito de Deus, visto que cristãos, em tese, possuem a mente de Cristo (I Co 2. 14, 15). 
À título de aplicação prática,o que se pode dizer? O momento atual pode ser avaliado da seguinte forma: tem sido comum que a acepção condenada por Deus, via carta de Tiago seja uma prática cada vez mais constante, por parte da sociedade e da Igreja também (falo sem me referir à denominação alguma especificamente). 

Como ministro chamado à ministrar, percebo que não basta uma roupa normal, limpa. Cada vez mais pregadores se mostram extravagantes, e por quê? Porque a geração atual o é! É como se a roupa, ao invés dos sinais, da vida, do sofrimento, fossem as credenciais atuais, e de fato o são. Encerro orando para que estas palavras não tão agradáveis, que marcam o fim deste post sejam fonte de inspiração para que tais práticas sejam, no mínimo criticadas e repensadas. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Protestantismo Perde a Hegemonia nos EUA



Não é de hoje a associação que se faz entre crescimento econômico e secularismo, quem prestou atenção nas aulas de Sociologia no Ensino Médio, ou na graduação sabe do que estou falando. Ainda que sob ênfases distintas os pensadores, usualmente considerados como pais da sociologia, levantaram hipóteses a respeito do enfraquecimento da mesma, decorrente da prosperidade e do acesso à educação. Os Estados Unidos parecem ser a única exceção, daí, um desafio constate aos sociólogos e demais teóricos estudiosos do fenômeno. Pareciam.

Pesquisa realizada pelo instituto Pew, apontou, pela primeira vez na história que americanos que se dizem ligados à religião protestante estão abaixo da porcentagem dos cinquenta por cento. De acordo com a matéria (aqui), este fenômeno vem acompanhado do aumento dos agnósticos (termo que não deve ser necessariamente compreendido no sentido estrito da palavra), uma vez que, ao que parece pesquisadores, e os que assim se definem apenas se veem como pessoas que não são ligadas a religião alguma. 

Um dos pesquisadores arrisca que parte do ocorrido se deve à diminuição do estigma de não pertencer a nenhuma comunidade religiosa. Ao meu ver a cultura americana, é cada vez mais oposta tanto ao evangelho, quanto ao protestantismo. Mas creio que o fato se dá em razão de um crescente anti clericalismo, associado ao relativismo moderno, ao declínio o evangelicalismo, e sobretudo ao processo de mercantilização da fé. A respeito deste último, a oferta aumentou, mas a procura, ao que parece tem diminuído por lá. O aspecto positivo? Onde abunda o secularismo abunda a genuína fé, que por sua vez pode realmente contagiar as pessoas que querem, mas por dúvidas reais não conseguem obedecer ao Evangelho. 

Marcelo Medeiros

sábado, 2 de agosto de 2014

O Reino de Deus no Sermão do Monte



Este estudo é o seguimento de uma série a respeito do sermão do monte, ou ensino da montanha,cujos ensaios iniciais já constam aqui no blog (aqui e aqui). Os mesmos fazem parte de um projeto que consiste no resgate da leitura da Bíblia na prática do discipulado. Não os escrevo para que sejam uma cartilha a ser seguida pelos discipuladores, mas um referencial exegético com vistas à orientação na verdade. Sim, acredito na verdade e em uma interpretação bíblica correta. Neste estudo abordarei o tema referente ao Reino de Deus. 

Um conceito chave para a compreensão do Sermão da Montanha é a expressão Reino dos céus, empregada exclusivamente por Mateus, ou Reino de Deus, conforme se vê nos sinóticos. Mas o que é este reino? Reino dos céus, ou Reino de Deus é o centro das expectativas judaicas do século primeiro. No período de Cristo era a esperança de uma irrupção divina no tempo com vistas à subversão de todos os reinos do mundo e instauração de uma monarquia divina sobre toda a terra, sendo que Israel teria privilégios em razão da aliança. 

O que se percebe aqui é que conforme dito por Fee e Stuartt, o Novo Testamento, e particularmente os Evangelhos são de natureza estritamente escatológica. Peço ao leitor, que por favor não confunda com a escatologia sistemática da atualidade, uma vez que nenhuma destas especulações permeavam a cabeça do judeu do primeiro século. Quando falo de escatologia, emprego aqui à expressão εσχατη ημερα (eschatee hemera), ou seja a consciência de que se está vivendo os últimos dias. 

Esta ideia de se estar vivendo no último momento permeava a mente do judeu e bom seria se permeasse a mente dos crentes da atualidade. Na perspectiva judaica, a manifestação do reino incluía o juízo sobre as nações que haviam oprimido a Israel. João Batista muda esta perspectiva ao chamar o povo ao arrependimento. O termo μετανοιας (metanóia), indica uma nova percepção a respeito de vida e pecados. Tanto João quanto o Jesus colocam o mesmo como condição imprescindível para a entrada no Reino de Deus (Mt 3. 2; Mc 1. 15), visto que o juízo agora é para o impenitente, o que inclui os grupos mais religiosos do povo de Israel. 

O arrependimento não é algo que se prende à esfera subjetiva do indivíduo, antes é dinâmico e produz frutos (Lc 3. 10 - 14). É aqui que o discurso de juízo se torna necessário, uma vez que o mesmo Cristo, salvador é também aquele cuja pá está na sua mão: limpará a sua eira e recolherá o seu trigo no celeiro; mas quanto à palha queimará num fogo inextinguível (Mt 3. 12 Bíblia de Jerusalém). Esta mesma imagem retorna nas parábolas do Reino registradas no Evangelho de Mateus (Mt 13. 40 - 42). 

Jesus também proclama o Reino dos céus e faz sinais e prodígios como indicadores da proximidade do mesmo. Mais do que facilitar a vida das pessoas, as curas relatadas no Evangelho erma sinais de que a era messiânica já havia chegado (Is 35. 1 - 8; Mt 10. 7, 8; 11. 1 -5). Estes textos indicam que antes de se tornar uma realidade universal, o reino tem sua dimensão existencial, subjetiva, individual, pessoal, uma vez que o arrependimento, a conversão e a própria salvação possuem tais características. Agora que já foi explicado o que é o reino de Deus e a condição para a entrada no mesmo é necessário que se fale do Reino no contexto do sermão em apreço. 

No ensino do monte, o Reino de Deus é promessa ao pobre (entenda este termo como uma referência ao que sabe de sua miséria espiritual e que depende exclusivamente de Deus [aqui]), para o manso e para os perseguidos pela causa da justiça, sendo que neste contexto não se trata de três classes distintas de crentes, mas de pessoas que possuem tais qualidades (Mt 5. 3, 5, 10 - 12). 

O reino de Deus possui uma nova ordem hierárquica, visto que Jesus veio trazer uma compreensão mais plena da lei, os que cumprem o que Cristo ensinou no ensino do monte serão os maiores no Reino de Deus, ao passo que os que não cumprem e ainda ensinam os discípulos a não cumprirem serão os menores no Reino (Mt 5. 18, 19). Com isto Jesus ensina que a verdadeira grandeza não está no poder,ou na margem de influência política, social, ou religiosa que se possa ter aqui, mas em uma pureza interior, no domínio de si mesmo diante de situações de ira, no amor ministrado aos inimigos, na piedade que se vive nos aposentos da casa. 

No Reino de Deus o verdadeiro homem grande não é o que faz mídia pessoal, o que apresenta desenvolvimento, uma imagem de conquistador, ou algum tipo de poder, mas o que contém suas paixões, que modera a palavra a fim de não ofender o próximo, o que se mortifica ao pecado, o que trata aos inimigos com a mesma compaixão e imparcialidade que o Pai celestial trata os homens bons e aos maus. Isto inclui o entendimento de que a vingança e a retaliação pessoal cabem exclusivamente a Deus (Rm 12. 17, 19). 

O primeiro pedido da oração dominical, ou do Pai Nosso é pela vinda do Reino (Mt 6. 10) e de certa forma ele é a antecipação do ensino a respeito da vida presente e de como esta deve de ser vivida: sem ansiedades e preocupações com o que comida, vestimenta e tudo o mais (Mt 6. 25 - 33). A vida do Reino é uma vida de bem aventurança no aqui e agora. não quero dizer que cristão algum deixará de passar por provação, pelo simples fato de ser filho do rei, mas que tanto o perseguido pela causa da justiça, da verdade, e do Evangelho, é um bem aventurado no sentido clássico e original da palavra, uma vez que μακαριοι (makarioi), indica alguém que é livre de cuidados e de preocupação. 

Jesus encerra seu mais impactante ensino com as seguintes palavras: Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7. 21 Bíblia de Jerusalém). A vontade de Deus a respeito do caráter do cristão está claramente revelada no sermão que foi vislumbrado aqui. Mas há pessoas que preferem viver uma vida voltada para a construção de um personagem a ser visto pelos outros, um estereótipo, que vida de regra nada tem a ver com o conteúdo deste ensino de Cristo. 

Jesus disse aos seus discípulos: com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus (Mt 5. 20). De nada adianta o desempenho na construção de um arquétipo nas mentes dos outros, quando a despeito da função eclesiástica que se desenvolve, se passa tempo pensando em como prejudicar o outro, e fazer tantas coisas que a Igreja do tempo atual sequer especula como pecado, mas é. Ultrapassar a justiça dos escribas e fariseus consiste em amar o inimigo, mortificar o corpo ao pecado (algo ensinado por todo crente reformado) e entender que a essência da lei se alcança na vida pelo Espírito de Deus. 

Forte Abraço, Marcelo Medeiros. 
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