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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Verdadeira Sabedoria se Manifesta na Prática



O título da presente postagem é bem sugestivo. Ele remete a uma grande verdade, a da indissociabilidade entre sabedoria, conhecimento, e vida prática. Com isto quero dizer que a despeito da falsa dicotomia estabelecida hoje, desde a antiguidade, quem sabe, ou conhece algo o faz em função de uma vivência prática. O presente estudo é uma sequência textual do estudo lançado neste espaço na semana passada [aqui].

Tal como ocorre com a língua, que é ligada ao coração, tal se dá com a sabedoria, ela pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Isto porque o termo חֲכָמִ֥ים [hokmah] tanto pode ser usado para a capacidade de saber e fazer o que é bom quanto para a de praticar o que não é bom. Veja o que Deus fala ao profeta Jeremias a respeito do povo de Israel: O meu povo é tolo, eles não me conhecem. São crianças insensatas que nada compreendem. São hábeis para praticar o mal, mas não sabem fazer o bem (Jr 4. 22 NVI). Isto posto, passo a tecer considerações a respeito da sabedoria no contexto bíblico geral e no de Tiago.

A SABEDORIA NO CONTEXTO EXEGÉTICO

Neste estudo faço uma breve exegese dos conceitos que envolvem a palavra sabedoria. Meu objetivo era demonstrar a elasticidade do conceito, e ao mesmo tempo apontar que independente da mesma, a sabedoria importante para o judeu era a de cunho prático, o que acontece mesmo quando por sabedoria se quer falar de habilidade técnica, como no caso de Bezaleel a Aoliabe, os construtores do utensílio do tabernáculo, o que se pretende aqui é um fim prático.

Em concordância com o que foi dito acima, exponho aqui em breves linhas as conclusões do referido estudo:

  1. A sabedoria é acima de tudo um dom divino, o que fica claro nos textos que falam de Deus capacitando Bezaleel e Aoliabe para a construção dos utensílios do tabernáculo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1).
  2. Em certo sentido somente Deus é sábio, visto que dele se diz: om ele está a sabedoria e a força; conselho e entendimento tem (Jó 12. 13 ACF). 
  3. O emprego do vocábulo חֲכָמִ֥ים [hokmah] engloba a habilidade técnica como no caso dos artífices envolvidos na construção do templo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1). Mas ela não se resume a tal. 
  4. Não é verdade que a sabedoria é o resultado inevitável do decorrer dos anos, e que toda pessoa idosa seja inevitavelmente sábia (Jó 12. 12; 32. 7 - 12). 
  5. Este tipo de sabedoria, a adquirida por meio da experiência prática nem sempre é rechaçada pelas Escrituras. A única exceção é o caso de Jó e de seus amigos, visto que estes achavam que sua sabedoria prática poderia penetrar nos desígnios de Deus (Jó 15. 7 - 12). 
  6. Conforme sabido pelo leitor da Bíblia, a sabedoria dos amigos de Jó foi rechaçada pelo próprio Deus (Jó 42. 7, 8). 
  7. As Escrituras são tratadas como sendo a fonte de sabedoria dos homens de Deus, e isto se pode ver tanto na literatura canônica (Sl 119. 98 - 100), quanto na do segundo cânon (Eclo 24. 22; Bar 4. 1). 
  8. A leitura dos textos paulinos reforçam a noção de que existem dois tipos de sabedoria, uma deste século, e outra que foi reservada exclusivamente aos santos (I Co 2. 6, 7). 
  9. A sabedoria reservada aos santos está oculta em Cristo, o Senhor da Glória (Cl 2. 2, 3, 9). 
  10. Cristo é a sabedoria de Deus (I Co 1. 30, 31), personificada na sabedoria do Antigo Testamento (Pv 1. 20 - 23; 8. 1 -13). 
  11. Esta sabedoria mais profunda, oculta em Cristo, é inevitavelmente humildade, uma vez que por meio da mesma se torna possível conhecer a Deus e gloriar-se nele (Jr 9. 23, 24; I Co 1. 31). 
  12. Daí que a humildade seja a essência da verdadeira sabedoria, visto que a sabedoria encarnada se colocou como exemplo de verdadeira humildade (Mt 11. 29). 
Feitas tais considerações creio ser justo rever a sabedoria no contexto da literatura sapiencial. 

A SABEDORIA NO CONTEXTO DA LITERATURA SAPIENCIAL

Sapiencial é por definição aquilo que é relativo à sapiência. Esta por sua vez é sinônima de sabedoria, ou erudição, podendo ser também uma forma de se referir ao Verbo de Deus, Cristo, e por extensão a toda sabedoria divina. Logo, quando falo em literatura sapiencial, me refeito a um tipo de,literatura (já classificada deste modo pelos teólogos biblicistas) que aborda assuntos de sabedoria. 

Em Jó, Provérbios, e Eclesiastes, a sabedoria é algo de cunho prático, que tem o seu começo no temor do Senhor (Yir'ah Yahweh [ יִרְאַ֣ת יְ֭הוָה]), conforme indicado em quase todos os escritos de sabedoria (Jó 28. 28; Sl 111. 10; Pv 1. 7; 9. 10). A finalidade do temor de Deus também é de cunho prático, visto que por meio do mesmo os homens deixam de pecar (Pv 16. 6). 

Por meio da sabedoria,
  1. O jovem escolhe as suas amizades (Pv 1. 11 - 14; 4. 14 - 18)
  2. Evita as mais variadas formas de pecado (Pv 6. 16 - 19)
  3. Os homens evitam o adultério (Pv 6. 23 - 29; 7. 1 - 6)
  4. Os homens são habilitados a reinar (Pv 8. 14 - 16)
  5. Adestra o homem quanto ao que convém que ele fale. O coração do sábio ensina a sua boca, e os seus lábios promovem a instrução (Pv 16. 23 NVI). 
  6. A sabedoria do homem o orienta quanto à aceitação dos mandamentos divinos (Pv 10. 8). 
Este é o discurso visto em Provérbios [aqui]. Já em Eclesiastes a sabedoria tem uma função mais dramática a de ajudar o homem a proceder neste mundo contraditório, de forma a fazer o sábio entender o tempo e o modo (Ec 8. 6). Para o pregador a sabedoria começa com a correta fruição dos dons e dádivas da parte de Deus [aqui]. 

A SABEDORIA NO CONTEXTO DA CARTA DE TIAGO

Com base nas observações que fiz acima posso afirmar que Tiago prima pela sabedoria de cunho prático, visto que para este:
  1. Quem tem falta de sabedoria deve pedir a mesma a Deus (Tg 1. 5, 6)
  2. A sabedoria ajuda o homem no tocante ao comportamento em meio às tribulações (Tg 1. 2 - 4).
  3. Orienta o homem no tocante à sua condição de vaidade (Tg 1. 9, 10). 
  4. Ajuda o homem na identificação da origem das tentações (Tg 13 - 15)
  5. Na prática da palavra de Deus (Pv 1. 22 - 25). 
Estas são as impressões iniciais. Agora resta tecer uma consideração de suma importância. A recomendação pelo discernimento que separa a sabedoria do alto com a sabedoria de cunho animal diabólica e terrena se dão em um contexto em que Tiago fala sobre o cuidado com a língua [aqui] nas linha anteriores, e os desejos que promovem guerra nas linhas seguintes.

Ao falar a respeito da fé que se manifesta por meio de obras (aliás, a única que existe de fato é esta), fiz questão de pontuar que a Bíblia em ponto algum condena as boas obras, visto que estas são, ou pelo menos deveriam de ser a consumação de uma fé autêntica. O problema com as obras é o pecado que se mistura as motivações mais nobres contaminando a ação em si. 

O efeito mais nefasto de uma péssima compreensão do papel das boas obras é a filosofia que faz alguns pensarem que por praticarem certas ações, ou por projetarem certa imagem, ou manterem certa postura terão algum tipo de crédito com. Estas considerações já foram postadas aqui neste blog [aqui]. Creio que algo similar ocorra com a sabedoria. Visto que para Tiago o problema não está no homem ser, ou não sábio, mas em usar tal sabedoria para o mal, ou seja para concretizar os desejos alimentados pelo seu ciúme (Tg 3. 14 - 16). 

A sabedoria que procede do alto é tem como característica maior um modo de vida (αναστροφης  [anastrophes]), marcado por mansidão (πραυτητι [prauteti]). Esta consiste na paciência que permite suportar insultos sem se exasperar (Tg 3. 13). Esta mesma é: 

  1. Pura (αγνη [agnee]); ou seja íntegra moral e espiritual (qualidade ausente nas palavras dos amigos de Jó). 
  2. Pacífica. O termo ειρηνικη (eirenikee), indica a ação de quem promove a paz. Aos que entendem que a promoção da paz implica o abandono da ortodoxia, apenas gostaria de destacar que de acordo com o presente contexto Tiago entende que a ortodoxia é importante. 
  3. Amável, ou moderada, visto que επιεικης (epieikees) fala tanto da moderação no julgar quanto na capacidade de suportar a injustiça e maus tratos sem sentimentos de vingança, mas com uma confiança inabalável em Deus (Fp 4. 5). 
  4. Compreensiva, sendo que o termo ευπειθης (eupeithees) fala de quem se permite ser facilmente persuadido, uma atitude contrária a de quem faz perguntas não pela curiosidade em si, mas porque não está disposto a se deixar ser persuadido. 
  5. Cheia de misericórdia e bons frutos (μεστη ελεους και καρπων [mestee eleous kai karpon]). Basta lembrar que da relação dos frutos do Espírito (Gl 5. 22), Tiago destaca neste contexto a mansidão, a paz e moderação, que se aproxima da longanimidade. 
  6. Imparcial, o termo αδιακριτος [adiakritos] indica uma integridade característica de quem não é dividido. Um sábio não pode ser uma pessoa que ao mesmo tempo em que bendiz a Deus, fala mal do seu próximo (Tg 3. 9, 10). 
  7. A sabedoria do alto possui estrita relação com tudo o que se relaciona com a justiça e a paz. Este é o entendimento de Tiago a respeito do tema. 

Não creio que haja uma sabedoria de matiz celeste que tenha apenas um destes predicados, ao meu ver estas são as marcas distintivas da sabedoria que vem do alto, que Deus concede aos que buscam em oração e meditação das Escrituras. 

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

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