Pesquisar este blog

sábado, 2 de agosto de 2014

O Reino de Deus no Sermão do Monte



Este estudo é o seguimento de uma série a respeito do sermão do monte, ou ensino da montanha,cujos ensaios iniciais já constam aqui no blog (aqui e aqui). Os mesmos fazem parte de um projeto que consiste no resgate da leitura da Bíblia na prática do discipulado. Não os escrevo para que sejam uma cartilha a ser seguida pelos discipuladores, mas um referencial exegético com vistas à orientação na verdade. Sim, acredito na verdade e em uma interpretação bíblica correta. Neste estudo abordarei o tema referente ao Reino de Deus. 

Um conceito chave para a compreensão do Sermão da Montanha é a expressão Reino dos céus, empregada exclusivamente por Mateus, ou Reino de Deus, conforme se vê nos sinóticos. Mas o que é este reino? Reino dos céus, ou Reino de Deus é o centro das expectativas judaicas do século primeiro. No período de Cristo era a esperança de uma irrupção divina no tempo com vistas à subversão de todos os reinos do mundo e instauração de uma monarquia divina sobre toda a terra, sendo que Israel teria privilégios em razão da aliança. 

O que se percebe aqui é que conforme dito por Fee e Stuartt, o Novo Testamento, e particularmente os Evangelhos são de natureza estritamente escatológica. Peço ao leitor, que por favor não confunda com a escatologia sistemática da atualidade, uma vez que nenhuma destas especulações permeavam a cabeça do judeu do primeiro século. Quando falo de escatologia, emprego aqui à expressão εσχατη ημερα (eschatee hemera), ou seja a consciência de que se está vivendo os últimos dias. 

Esta ideia de se estar vivendo no último momento permeava a mente do judeu e bom seria se permeasse a mente dos crentes da atualidade. Na perspectiva judaica, a manifestação do reino incluía o juízo sobre as nações que haviam oprimido a Israel. João Batista muda esta perspectiva ao chamar o povo ao arrependimento. O termo μετανοιας (metanóia), indica uma nova percepção a respeito de vida e pecados. Tanto João quanto o Jesus colocam o mesmo como condição imprescindível para a entrada no Reino de Deus (Mt 3. 2; Mc 1. 15), visto que o juízo agora é para o impenitente, o que inclui os grupos mais religiosos do povo de Israel. 

O arrependimento não é algo que se prende à esfera subjetiva do indivíduo, antes é dinâmico e produz frutos (Lc 3. 10 - 14). É aqui que o discurso de juízo se torna necessário, uma vez que o mesmo Cristo, salvador é também aquele cuja pá está na sua mão: limpará a sua eira e recolherá o seu trigo no celeiro; mas quanto à palha queimará num fogo inextinguível (Mt 3. 12 Bíblia de Jerusalém). Esta mesma imagem retorna nas parábolas do Reino registradas no Evangelho de Mateus (Mt 13. 40 - 42). 

Jesus também proclama o Reino dos céus e faz sinais e prodígios como indicadores da proximidade do mesmo. Mais do que facilitar a vida das pessoas, as curas relatadas no Evangelho erma sinais de que a era messiânica já havia chegado (Is 35. 1 - 8; Mt 10. 7, 8; 11. 1 -5). Estes textos indicam que antes de se tornar uma realidade universal, o reino tem sua dimensão existencial, subjetiva, individual, pessoal, uma vez que o arrependimento, a conversão e a própria salvação possuem tais características. Agora que já foi explicado o que é o reino de Deus e a condição para a entrada no mesmo é necessário que se fale do Reino no contexto do sermão em apreço. 

No ensino do monte, o Reino de Deus é promessa ao pobre (entenda este termo como uma referência ao que sabe de sua miséria espiritual e que depende exclusivamente de Deus [aqui]), para o manso e para os perseguidos pela causa da justiça, sendo que neste contexto não se trata de três classes distintas de crentes, mas de pessoas que possuem tais qualidades (Mt 5. 3, 5, 10 - 12). 

O reino de Deus possui uma nova ordem hierárquica, visto que Jesus veio trazer uma compreensão mais plena da lei, os que cumprem o que Cristo ensinou no ensino do monte serão os maiores no Reino de Deus, ao passo que os que não cumprem e ainda ensinam os discípulos a não cumprirem serão os menores no Reino (Mt 5. 18, 19). Com isto Jesus ensina que a verdadeira grandeza não está no poder,ou na margem de influência política, social, ou religiosa que se possa ter aqui, mas em uma pureza interior, no domínio de si mesmo diante de situações de ira, no amor ministrado aos inimigos, na piedade que se vive nos aposentos da casa. 

No Reino de Deus o verdadeiro homem grande não é o que faz mídia pessoal, o que apresenta desenvolvimento, uma imagem de conquistador, ou algum tipo de poder, mas o que contém suas paixões, que modera a palavra a fim de não ofender o próximo, o que se mortifica ao pecado, o que trata aos inimigos com a mesma compaixão e imparcialidade que o Pai celestial trata os homens bons e aos maus. Isto inclui o entendimento de que a vingança e a retaliação pessoal cabem exclusivamente a Deus (Rm 12. 17, 19). 

O primeiro pedido da oração dominical, ou do Pai Nosso é pela vinda do Reino (Mt 6. 10) e de certa forma ele é a antecipação do ensino a respeito da vida presente e de como esta deve de ser vivida: sem ansiedades e preocupações com o que comida, vestimenta e tudo o mais (Mt 6. 25 - 33). A vida do Reino é uma vida de bem aventurança no aqui e agora. não quero dizer que cristão algum deixará de passar por provação, pelo simples fato de ser filho do rei, mas que tanto o perseguido pela causa da justiça, da verdade, e do Evangelho, é um bem aventurado no sentido clássico e original da palavra, uma vez que μακαριοι (makarioi), indica alguém que é livre de cuidados e de preocupação. 

Jesus encerra seu mais impactante ensino com as seguintes palavras: Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7. 21 Bíblia de Jerusalém). A vontade de Deus a respeito do caráter do cristão está claramente revelada no sermão que foi vislumbrado aqui. Mas há pessoas que preferem viver uma vida voltada para a construção de um personagem a ser visto pelos outros, um estereótipo, que vida de regra nada tem a ver com o conteúdo deste ensino de Cristo. 

Jesus disse aos seus discípulos: com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus (Mt 5. 20). De nada adianta o desempenho na construção de um arquétipo nas mentes dos outros, quando a despeito da função eclesiástica que se desenvolve, se passa tempo pensando em como prejudicar o outro, e fazer tantas coisas que a Igreja do tempo atual sequer especula como pecado, mas é. Ultrapassar a justiça dos escribas e fariseus consiste em amar o inimigo, mortificar o corpo ao pecado (algo ensinado por todo crente reformado) e entender que a essência da lei se alcança na vida pelo Espírito de Deus. 

Forte Abraço, Marcelo Medeiros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço o seu comentário!
Ele será moderado e postado assim que recebermos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Créditos!

Por favor, respeite os direitos autorais e a propriedade intelectual (Lei nº 9.610/1998). Você pode copiar os textos para publicação/reprodução e outros, mas sempre que o fizer, façam constar no final de sua publicação, a minha autoria ou das pessoas que cito aqui.

Algumas postagens do "Paidéia" trazem imagens de fontes externas como o Google Imagens e de outros blog´s.

Se alguma for de sua autoria e não foram dados os devidos créditos, perdoe-me e me avise (blogdoprmedeiros@gmail.com) para que possa fazê-lo. E não se esqueça de, também, creditar ao meu blog as imagens que forem de minha autoria.