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sábado, 9 de agosto de 2014

A Verdadeira Fé Não Faz Acepção de Pessoas



Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2. 1 ACF). O termo acepção, pode ser definido como a interpretação e significados que se confere a uma palavra, ou coisa, e no sentido pessoal, a preferência pessoal decorrente da classe social, qualidade, ou títulos que a mesma possua. Este sentimento não é nada compatível com a fé em Cristo, que de acordo com Tiago se fez pobre, a fim de fazer com que os pobres deste mundo se tornem ricos na fé (II Co 8. 9; Tg 2. 5). 

A despeito da incompatibilidade entre a acepção de pessoas e a fé em Cristo, fato é que não é em vão que o texto se faz presente nas Escrituras. É de significativa importância que a recomendação venha após a fala a respeito da geração pela palavra, e ao apelo à prática da mesma (Tg 1. 16 - 25). De igual importância é o fato de que imediatamente após as recomendações contra a discriminação de pessoas venha a afirmação de que a fé sem obras é morta. Creio que um entendimento maior do assunto será possível mediante uma breve exegese. 

UMA EXEGESE DO TEXTO

Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas (Tg 2. 1 ACF). 

O termo grego προσωποληψιαις (prosoopoleepsiais), cujo sentido é o de receber à face, ou em razão da aparência, é associado a εχετε (echete), usualmente empregado para expressar algum tipo de prática. Daí que o texto em apreço possa ser entendido da seguinte forma: não deve ser um hábito do crente exercer a sua vida piedosa e, ao mesmo tempo praticar a acepção de pessoas. 

Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje, E atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado (Tg 2. 2, 3 NVI). 

No texto, tal como traduzido em idioma vernacular a impressão que se tem é a de que o homem traga um único anel, coisa que era comum aos homens da época. Daí que a distinção entre pobre e rico seja visualizada aqui somente por meio da comparação entre o anel e as vestes imundas do mendicante. Mas na verdade do termo χρυσοδακτυλιος (chrysodaktylios), indica um homem com anéis de ouro, ao invés de apenas um, coisa comum naquele tempo. Aqui, as jóias, junto com as vestiemtnas são indicadores de riqueza e opulência. 

Outro termo que merece devida consideração é επιβλεψητε (epiblepseete), que em nossas bíblias é traduzido por atentar, prestar atenção, mas que na verdade indica consideração, ou respeito. A mensagem inicial de Tiago é de não se deve considerar, ou respeitar alguém tomando como parâmetro as vestes ou a ornamentação da pessoa. 

não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados? (Tg 2. 4 NVI). 

O termo διεκριθητε (diekrithee) vem do verbo διακρινομαι (diakrinomai), e indica um tipo de divisão interna a respeito de um assunto, ou melhor a mais flagrante incompatibilidade com a fé professada, uma vez que Cristo se fez pobre para enriquecer o pobres na fé. Já κριται διαλογισμων πονηρων (kritai dialogismoon poneeroon), em que equivale κριται a juízes, διαλογισμων à raciocínios, e πονηρων a mau. Daí a possibilidade da seguinte tradução: juízes de raciocínios ruins, ou juízes tomados de maus pensamentos.

O fato é que a discriminação é uma forma de julgamento a partir de critérios nada corretos e louváveis, daí a necessidade de constante racionalização, uma vez que mesmo sendo preconceituoso, ser humano algum está preparado para ser visto, ou ver a si mesmo, como tal. A teologia da prosperidade, ou a teologia moral de causa e efeito são duas formas de racionalização do problema aqui destacado. Um exemplo deste tipo de pensamento pode ser visto nos amigos de Jó, hoje representados nos que entendem que toda tragédia tem sua explicação em algum tipo de desobediência, ou pecado.

Ouçam, meus amados irmãos: não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos em fé e herdarem o Reino que ele prometeu aos que o amam? (Tg 2. 5 NVI). 

A primeira questão necessária a ser colocada e esclarecida aqui é que a riqueza, de forma alguma constitui-se como impedimento ao Reino de Deus. O problema do jovem rico, por exemplo não era sua riqueza, mas a sua auto suficiência exemplificada na figura do camelo (Lc 18. 25). Mais curioso, é que quando perguntado a respeito da observância aos mandamentos, o jovem responde: Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade (Lc 18. 21 ACF), este é o ponto em que se revela a auto suficiência do jovem, achar que cumpre a lei, e que pode fazer algo para herdar a vida eterna. 

Zaqueu já é um exemplo de rico que vai na direção contrária à do jovem piedoso. Ele não tem a mínima pretensão com relação a Jesus, é este quem para debaixo do pé de um figueira brava e convida o coletor de impostos a que o receba em casa. O que reforça ainda mais que a raiz do problema é a auto suficiência. 

Logo, a pobreza, ou indigência da qual a Bíblia fala, ao afirmar que os pobres são chamados para o Reino de Deus e de Cristo (Mt 5. 3; 11. 5), é na verdade um sentimento de profunda dependência de Deus. πτωχον (ptoochon) é um termo que expressa o pedinte, aquele que depende de outros para sua subsistência (aqui). O pobre em Israel era aquele que não possuindo terra para trabalhar vivia em total estado de indigência, podendo vir a mendigar. Fato é que o pobre do contexto bíblico é bem diferente do pobre do contexto social atual. 

Chamamos de pobre quem não possui bens, posses, ou pelos parcos recursos não pode prover sua subsistência. Mas o pobre da Bíblia é literalmente o indigente. Um termo grego que se alinha com este é πτωχοι (ptoochói).  Ele igualmente indica os que não podem se sustentar e dependem de ajuda alheia (aqui). É a esta figura que Tiago se refere neste texto. Ele se difere do homem com poucas posses, o ταπεινος [tapeinos], do qual o irmão do Senhor fala (aqui). 

O senso de dependência faz com que o πτωχοι (ptoochói) seja o escolhido por Deus a fim de vir a ser herdeiro do Reino e rico na fé em Cristo. Isto faz com que todas as margens possíveis para a prática da discriminação sejam lançadas por terra. Sob esta ótica evangélica, que a questão da pobreza e da riqueza precisam de serem vistas. 

A ACEPÇÃO DE PESSOAS NA BÍBLIA 

Na medida em que se aprofunda na leitura do texto maior se torna a percepção de que Tiago está referendando seu ensino tanto a lei, quanto à sabedoria judaica. Isto se torna claro na medida em que o irmão do Senhor afirma: Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem fazeis. Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redarguidos pela lei como transgressores (Tg 2. 8, 9 ACF). O que leva à pergunta: de qual parte da lei Tiago está falando?
"Não cometam injustiça num julgamento; não favoreçam os pobres, nem procurem agradar os grandes, mas julguem o seu próximo com justiça. "Não espalhem calúnias entre o seu povo. "Não se levantem contra a vida do seu próximo. Eu sou o Senhor. "Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa dele, não sofram as conseqüências de um pecado. "Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor (Lv 19. 15 - 18 NVI). 
Em termos legais, a acepção de pessoas consiste em favorecer ao pobre, pela simples fato de o mesmo ser pobre, ou na tentativa de agradar o grande. Uma recomendação: não sejam parciais no julgamento! Atendam tanto o pequeno como o grande. Não se deixem intimidar por ninguém, pois o veredicto pertence a Deus. Tragam-me os casos mais difíceis e eu os ouvirei (Dt 1. 17). Quem disser ao ímpio: "Você é justo", será amaldiçoado pelos povos e sofrerá a indignação das nações. Mas os que condenam o culpado terão vida agradável; receberão grandes bênçãos (Pv 23. 24, 25)

Agir com acepção de pessoas consiste em não permitir que a condição pessoal altere a percepção particular a respeito desta, ou daquela pessoa, e pior, uma injustiça seja feita. O texto supra traz uma realidade sem precedentes: o mandamento de amar ao próximo é aglutinado à recomendação de  não se fazer acepção de pessoas. O verdadeiro praticante da Palavra não age de tal forma.
Se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: "Ame o seu próximo como a si mesmo", estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores. Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente. pois aquele que disse: "Não adulterarás", também disse: "Não matarás". Se você não comete adultério, mas comete assassinato, torna-se transgressor da Lei. Falem e ajam como quem vai ser julgado pela lei da liberdade; porque será exercido juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso. A misericórdia triunfa sobre o juízo! (Tg 2. 8 - 13 NVI). 
O que se lê aqui?

  1. Que a acepção de pessoas é uma flagrante contradição com a lei, que determina que se ame ao próximo como a si mesmo.  
  2. Que os que praticam a acepção de pessoas, (e diga-se de passagem na sociedade atual poucos são os que não julgam tomando a aparência como critério);  cometem pecado. 
  3. A expressão ελεγχομενοι (elegchoomenoi), na verdade indica convencimento de culpa, ou seja os que fazem acepção de pessoas tornam-se culpados perante a lei. 
  4. O pecado da acepção de pessoas é tão grava quanto o adultério e o homicídio (que são mencionados aqui à título de exemplo, e com vistas ao reforço da mensagem). 
  5. O comportamento cristão precisa refletir a mensagem do Evangelho em sua pureza e inteireza. Se Deus escolheu os pobres deste mundo (II Co 8. 9), não há motivo para discriminação do mesmo em contexto eclesiástico. 
  6. A acepção de pessoas é uma prática que destoa da misericórdia, mais especificamente da prática (ποιησαντι [poieesanti]). 
  7. O termo ποιησαντι tem estrita relação com o mesmo que Tiago emprega para a prática da Palavra de Deus ποιηται (poieetai). 
  8. Praticar a palavra é viver uma vida em que o julgamento se exerce não pela aparência, mas de acordo com a reta justiça (Jo 7. 24), e em que o discernimento se dá orientado pelo Espírito de Deus, visto que cristãos, em tese, possuem a mente de Cristo (I Co 2. 14, 15). 
À título de aplicação prática,o que se pode dizer? O momento atual pode ser avaliado da seguinte forma: tem sido comum que a acepção condenada por Deus, via carta de Tiago seja uma prática cada vez mais constante, por parte da sociedade e da Igreja também (falo sem me referir à denominação alguma especificamente). 

Como ministro chamado à ministrar, percebo que não basta uma roupa normal, limpa. Cada vez mais pregadores se mostram extravagantes, e por quê? Porque a geração atual o é! É como se a roupa, ao invés dos sinais, da vida, do sofrimento, fossem as credenciais atuais, e de fato o são. Encerro orando para que estas palavras não tão agradáveis, que marcam o fim deste post sejam fonte de inspiração para que tais práticas sejam, no mínimo criticadas e repensadas. 

Em Cristo, Marcelo Medeiros


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