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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

E a Hidroxicloroquina Hein?!



Para os que tem acompanhado as discussões pertinentes ao COVID-19, e aos efeitos da pandemia em nível global, é possível perceber a recorrência de um remédio: a hidroxicloroquina. É fato de que não há comprovações científicas a respeito do funcionamento da mesma. E também é fato que a mesma tem sido utilizada no tratamento do COVID - 19. 

No meio desta discussão surgem questões como os efeitos colaterais, a eficácia da mesma no tratamento do COVID - 19, dos testes em laboratório, da uso científico, ou não do remédio. Para mim, tais questões são facilmente entendidas quando se faz um exercício instigante: a leitura da bula. Na maioria dos remédios a bula é a portadora das informações que trazem as indicações e contraindicações do remédio. Leu a Bula? Entendeu o que ela diz? Pronto, encerrada a discussão. 

Nas redes sociais tenho visto depoimentos e mais depoimentos de pessoas que usam a hidroxicloroquina de forma bem sucedida nas fases iniciais de tratamento, assim como tenho visto especialistas afirmando que o remédio pode até funcionar, mas que tal funcionamento é uma espécie de placebo. Resumindo: não há comprovações científicas. 

Não entro nesta discussão, por não ser cientista, embora saiba como a ciência funciona, por conta do Estudo da Filosofia da Ciência, e óbvio da Metodologia da Ciência. A despeito da guinada quântica, ciência ainda é algo que se faz, através de observação, experimentação, repetição. Após um período, os resultados do processo são publicados e a publicação submetida à crítica da comunidade científica, que consiste em constante processo de revisão. 

Em debates nas redes sociais uma questão que sobressai é o modo como as pessoas lidam com ciência. Em regra ignora-se o caráter transitório da ciência, e a diferença da mesma em relação ao dogma, ou seja, a própria comunidade científica reconhece que a ciência é passível de erro, e mais, que tem de ser justamente para que não seja dogmatizada. 

Esta fala é necessária para a compreensão de um fator que tem dominado as discussões: o pensamento mágico religioso. O que quero dizer com isto? Independente dos relatórios de funcionamento da hidroxicloroquina no tratamento de COVID-19, o cientista sempre irá se perguntar pela validade universal do tratamento, o que demanda a experimentação, e a repetição da mesma, bem como a observação dos casos bem sucedidos dos experimentos, e dos insucessos. 

De igual modo o Teólogo honesto. Ele sabe quem nem todo cajado de pastor se transforma em uma serpente. Que nem todo líder tem o poder de abir um mar, ou um Rio para que o povo possa passar. Mas o pensamento mágico-religioso não faz estas e outras distinções. À semelhança do registrado em I Sm 4 o portador de pensamento mágico entende que a Arca é um elemento mágico e que o uso da mesma sempre funciona. 

Na sequência da história bíblica, o povo é derrotado, a arca é tomada, colocada no templo de Dagom, e o povo filisteu é julgado por Deus por profanar a Arca. Mas a historia aqui é empregada de forma didática para que se compreenda a lógica do pensamento mágico religioso. Se alguns elementos tivessem o poder de cura, ou de alteração do modo de funcionamento da natureza, seria fácil aos leprosos contemporâneos de Eliseu serem curados da lepra. Bastaria mergulhar no Rio Jordão e serem curados. 

Mas como disse Jesus em seu sermão ministerial inaugural haviam muitos leprosos em Israel  na época de Eliseu, mas a nenhum deles foi enviado senão a Naamã, o sírio. O que quero colocar aqui é que o pensamento mágico religioso é uma desgraça tanto do ponto de vista científico, quanto do teológico. Mas também é uma desgraça do pensamento politico. 

Pandemias como a atual demandam ações políticas. O que quero dizer é que os problemas decorrentes do COVID-19, não se restringem às questões médico-hospitalares. Estas se resolvem dentro de hospitais. O isolamento social e a destinação dos recursos de Estado para manutenção da população em isolamento, a construção de hospitais de campanha para atendimento da população, a contratação de profissionais para tratamento, de respiradores e tudo mais é ação politica. 

O cidadão cujo pensamento é cativo da lógica mágico-religiosa tende a entender que hidroxicloroquina resolve todos os problemas, inclusive os econômicos, e torna o isolamento, a ajuda social para que o isolamento ocorra, a construção de hospitais de campanha, inteiramente dispensáveis. Este tipo de lógica dispensa a racionalidade necessária à política. Assim, um remédio para tratamento de malária passa a ser usado para tudo o mais, e não adianta falar de Ciência. 

A Ciência é um conhecimento pragmático e relativo. Em outras palavras, demanda que funcione. Enquanto funciona se mantém de pé. Este é o teor de relatividade da Ciência. Enquanto não se descobriu a técnica de preservação do alimento pelo gelo, o sal funcionou. Após a descoberta do gelo como preservador de alimento advinha quem tem a primazia? Dúvida? Onde você coloca aquela peça de carne que comprou, no mercado, ou no congelador? Isto é ciência. 

Mas para mentes pequenas a relatividade da ciência não está neste aspecto, mas em uma espécie de guerra de discursos, tais como o dos médicos que defendem o uso da hidroxicloroquina versus os que não defendem o uso da mesma nos tratamentos. Não! Embora a ilustríssima senhora ministra Damares Alves tenha dito algo parecido, a verdade é que a ciência não é relativa neste aspecto. Um veneno não deixa de ser um veneno por conta da narrativa de outra pessoa, assim como a terra não deixou de ser esférica por conta da pura simples narrativa de quem é contrário à ideia. 

Mas aqui chegamos ao ponto que pretendo discutir depois: a pós verdade. Ciência não é um tipo de conhecimento que nasce da noite para o dia.É necessário muito tempo para que a ciência dê respostas a um problema. A velocidade de demandas que a sociedade do conhecimento, ou da informação, trazem para o ser humana, a velocidade de mudanças impede a assimilação da lógico racional e facilitam a atração ao non sense

É este tipo de lógica que me permite entender, e defender que o uso da hidroxicloroquina resolve problemas mais adversos, mesmo que meu entendimento não tenha amplo apoio na ciência (leia-se respaldo da comunidade científica), mas é a resposta mais rápida, e o pensamento mágico me permite ver assim. 

Marcelo Medeiros. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A Respeito da Expressão "Gado"



Quem acompanha o debate político nas redes sociais pode perceber o predomínio do mimimi nas mesmas. Algo totalmente previsível quando a argumentação racional sai de campo e entra a passionalidade, o ódio, e outros derivativos da irracionalidade animal. "Irracionalidade" aqui não possui sentido da Filosofia posterior ao iluminismo, ou daquele movimento de reação à Modernidade. Não. Irracionalidade aqui tem a ver com aquela dimensão do aparelho psíquico que na perspectiva freudiana  equivale à parte do Ice-Berg que fica sumersa nas águas. Mas este é um outro assunto. 

Quando a argumentação racional perde para a passionalidade e para a mentalidade de torcida, ou para o pensamento mágico religioso, o fluxo lógico racional se perde e os insultos começam a ganhar. Em um livro por título o ódio de todos contra todos Leandro Karnal expõe o assunto com muita propriedade. Já ouvi em rede social frases do tipo: "mas ele é ateu", ou "ele é de esquerda", e "mas você só lê autores de Esquerda?". 

Há alguns anos era comum chamar um oponente no debate de "fascista", ou de "nazista". Agora ganham lugar as expressões "gado" e "jumento". Antes de passar para tais expressões cabe aqui explicar que a essência do "fascismo" consiste em através da pressão do grupo levar o outro a pensar da forma que o grupo "pensa". Algo que o filme A onda, em Alemão Die Welle, explica de forma bem didática. 

Neste um professor recebe a incumbência de fazer um trabalho com a turma sobre a forma de governo chamada de autocracia, ou ditadura. A dinâmica é que as pessoas se comportem como se vivessem em uma. Para surpresa do expectador os alunos gostam e excluem do grupo todos os que não se adequam Às regras do grupo. O filme serve como ilustração de como toda forma de governo totalitário funciona, respondendo às necessidades psicológicas do grupo. O mesmo aplica-se ao fascismo. 

As formas atuais de Fascismo não permitem que um membro de determinado grupo pense de forma diferente. Esta é a lógica dos memes que afirmam que cristãos não podem ser socialistas, de esquerda, progressistas e coisas do tipo. Tais além de desonestos trazem uma mensagem implícita de que cristão tem de ser conservador e de direita. O que quer que tais termos signifiquem. Afinal, não custa nada afirmar que todos eles estão deturpados na atualidade. 

Num ambiente político em que João Dória é considerado um político comunista e que jornais como Estadão, Folha de São Paulo (vulgarmente chamado pelos eleitores do atual governo de Foice de São Paulo, em clara alusão aos símbolos da bandeira Russa), além do grupo Globo, são chamados de socialistas e comunistas percebe-se que a confusão, ou a desonestidade intelectual, se não ambas já se instalaram. 

Aqui cabe lembrar da fala de Karnal, que compara as discussões políticas atuais com as guerras de torcidas organizadas. O que impera não é a lembrança do legado deste, ou daquele clube, dos jogadores que foram cedidos para seleção entre outras coisas. O que vale é o deboche, a lacração. Mas o que isto tem a ver com a expressão GADO? Assim como a expressão fascista ela tem sua devida explicação. Mas Antes de uma abordagem filosófica, convém fazer uma abordagem em língua portuguesa. 

Existe uma figura de linguagem chamada metáfora é uma figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas. Ninguém devidamente instruído, ou em são consciência entende como literal a expressão Ana é uma flor. Logo se percebe a metáfora. 

Os poetas usam e abusam deste tipo de recurso, inclusive na Bíblia. É neste sentido que Deus é chamado de Rocha (Sl 18. 1), de luz (Sl 27. 1, 2), de Sol e de Escudo (Sl 84. 11), e que os povo dele é chamado de rebanho e ovelha do pastoreio (Sl 100. 3). Esta expressão, não parece ofensiva a crente algum, mas ela foi ofensiva a um filósofo do século dezenove, por nome Nietzsche, mas desconheço qualquer crente que se sinta ofendido com ela. 

João Batista chamou os fariseus de raça de víboras (Mt 3. 8) e Jesus chamou Herodes de raposa (Lc 13. 32). No primeiro caso a ideia era a de comparar as víboras fugindo do sol quente com os fariseus que intentavam fugir da ira que estava por vir. O segundo caso era Jesus afirmando a astúcia de Herodes como líder político. 

Para Nietzsche o cristianismo na versões católicas e protestantes anularam a individuação humana. A moral cristã se transformou em elemento de anulação de toda excelência, entre elas a capacidade de ser indivíduo. O filósofo em apreço acerta quando ressalta a característica frágil das ovelhas. Não é sem razão que o povo de Israel, quando comparado com os filisteus (que já dominavam o Bronze), são equiparados às ovelhas, e seu Deus a um pastor. 

A questão é que quando os Textos bíblicos são escritos não havia um conceito claro de individualidade. Mesmo as figuras expoentes na Bíblia, como Abraão, Moisés e Davi, funcionam na literatura em apreço como arquétipos da nação, não são heróis como os das tragédias gregas e nem estes são indivíduos no sentido  estrito da palavra, são modelos também. 

Mas Nietzsche está escrevendo no ápice da modernidade e já lida com a questão do indivíduo. Ele observa que aquilo que é excelente não anda em bandos. Existem coletivos de Estrelas de um grau não tão elevado, mas não existem coletivos de sóis (embora o sol seja um tipo de estrela), existem alcateias de lobos, matilhas de cães, mas águias não andam em bandos (percepção que o filósofo em, apreço estende a todos os predadores). 

Para melhor entendimento da metáfora de Nietzsche é necessário considerar o contexto do nascimento das grandes nações, ou seja, da civilização. Em alguns aspectos a civilização anula o sujeito, esta aliada Às pressões que determinados grupos fazem sobre indivíduos a fim de que tudo fique planificado, igualado. 

Há também que se considerar que Nietzsche está falando da perspectiva da filosofia existencial, onde as especificidades do indivíduo são consideradas. Aplicando a fala do filósofo em apreço, gado, ou rebanho são termos equivalentes para sujeitos que de forma consciente, ou inconsciente anulam sua individualidade para serem aceitos no grupo. 

Um clássico exemplo pode advir de um filme chamado Encontrando Forrester, em que um jovem com altas habilidades chamado Jamal Wallace finge não ser tão inteligente quanto é para o grupo pelo qual pretende ser aceito. sucessivas vezes fui chamado de louco em razão de simplesmente andar com um livro debaixo do braço, ou mesmo por me propor a falar, abordar e discutir os assuntos com base bibliográfica. São pressões do grupo. De igual modo fui alvo de deboche por ser negro e favelado e querer ser músico profissional. Aqui se faz necessário retornar à metáfora do Nietzsche. 

Lobos devem andar como lobos e ter todos os gestos dos lobos para serem plenamente aceitos no grupo. O mesmo ocorre com todos os animais que andam em bandos, tais como as zebras, por exemplo. Quaisquer atitudes que elevem o indivíduo acima do grupo causam profunda estranheza. Isto somado à questão da metáfora já seria suficiente para entender. Mas voltemos à expressão gado no contexto político. 

Gado aqui representa aquele indivíduo incapaz de dar respostas de teor individual, próprio aos desafios do ambiente. Gado é quem responde ao toque do berrante, ou ao primeiro tiro sai em estouro. Em outras palavras a expressão é adequada aos que respondem de forma instintiva aos estímulos. Gado é quem ouve a palavra comunismo, ou socialismo, e responde com repulsa, sem exame criterioso dos conceitos, afinal, o que importa é responder ao berrante do gabinete do ódio. 

Mas calma, existe o gado de esquerda também. O que o brasileiro não entende é que aos políticos brasileiros não interessa o eleitor crítico (aquele que mesmo em uma eleição, optando por este ou aquele partido não esta disposto a passar o restante do período de governo como cabo eleitoral, antes é o primeiro a criticar o próprio governo que o elegeu, pois ele não é propriedade de ninguém). 

O indivíduo é aquele que não se permite nem ser propriedade de outrem e menos ainda ser usado. Neste momento alguém que chegou até esta parte do texto, pode dizer que ainda assim é ofensivo chamar alguém de GADO. Aqui devo dizer que os nervos da nossa nação estão tão aflorados que em um debate solicitar que a pessoa leia, e que se informe a respeito do que se propõe a debater já é ofensivo. 

Mas a imagem deste post já é emblemática. O Gado de direita e de esquerda tem assumido a sua posição como gado. Isto é interessante sob alguns aspectos. O primeiro é que já estão entendendo e assumindo a metáfora. O segundo é que uma vez assumida a metáfora, o mimimi cessa, visto que a pessoa vestiu a carapuça. Por ultimo a desonestidade fica evidenciada. 

Marcelo Medeiros. 
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