Pesquisar este blog

sexta-feira, 11 de junho de 2021

O Cristão e a Educação Superior


Em minha última postagem neste espaço discuti a respeito da ideia de que a educação foi aparelhada pela esquerda. Ao enviar o referido post para uma linha de transmissão, um dos meus leitores e colaboradores me interpelou a respeito de alguns movimentos e manifestações que ocorrem no espaço universitário e sobre o recorrente fenômeno de cristãos que após a entrada no ambiente em apreço "perdem" a sua fé. Eu gostaria de começar o presente post contemplando a segunda questão e depois a primeira. Em outras palavras, farei uma inversão aqui. 

Houve tempo em que não havia a menor dificuldade em ser um filósofo e acreditar no oráculo de Delphos. Há muito do Orfismo na filosofia de Platão e isto é tão verdadeiro que pela via de Plotino ela adentou com extrema facilidade no meio cristão no período medieval. Mas a s coisas mudaram com o advento do período que conhecemos como sendo a Modernidade. 

Na medida em que as ciências se libertam da Teologia e da Filosofia Deus vai sendo lentamente expulso dos domínios das mesmas (isto na verdade é uma figura de linguagem que explicarei nas linhas seguintes). Se antes a Filosofia clássica foi na direção da Ontologia e da Metafísica, e destas para a epistemologia, antropologia e ética; a ciência moderna ira em outra direção. 

A leitura de textos pré-socráticos, de Sócrates, Platão, Aristóteles e outros da coleção Os Pensadores e de outras coleções da Filosofia (curiosamente bem vendidos nas ocasiões em que foram lançados pelas respectivas editoras e disponibilizados em bancas e mais bancas de jornais), permitiram-me o entendimento de que os filósofos clássicos e helênicos buscaram conhecer as causas primeiras de todas as coisas a partir deste conhecimento organizar os dados da realidade e ampliar seu conhecimento a respeito da mesma. 

A despeito deste aparente aspecto científico na empreitada destes, não há ali a vontade de explicar a natureza com a finalidade de dominar a mesma e a partir desta produzir uma vida melhor. Nas palavras de Caio Prado Júnior, não há como comparar o interesse de um filósofo pré socrático na natureza com o de um cientista, seja ele um físico, um químico, um geólogo, biólogo, etc... São formas diferentes de ver e lidar com a natureza. 

Para resumir: o que se tem num quadro como este é um tipo de conhecimento que permite alinhar Filosofia com Fé. Isto pode ser visto (conforme dito acima), no Pitagorismo, no Platonismo, no Neoplatonismo, no Tomismo e no Agostinianismo (aqui movimento filosófico). Há pensadores que destoam desta forma de pensar e defendem o reino da Filosofia como um universo totalmente adverso ao religioso, mas a leitura dos autores acima citados vai em outra direção. 

É na Idade Média que começa a ser gestado uma forma de conhecimento (que nasce da Filosofia Medieval), que vai possibilitar a autonomia desta em face da Teologia (da qual fora feita serva durante toda a Idade Média). Francis Shaeffer fala deste processo em seu clássico A Morte da Razão. O primeiro passo para a migração do Transcendentalismo para o Imanentismo foi o entendimento de que Deus pode ser acessado à parte de qualquer revelação e para tal basta recorrer à natureza. 

Sem entender este movimento geral é difícil mesmo a um cristão sobreviver em ambiente acadêmico sério. Esta narrativa é necessária pelo menos para que um cristão relativize a ideia de que a narrativa científica pode oferecer uma explicação global da realidade. Aliás a discussão é Filosófica. Daí a importância da Filosofia para o cristão. 

Em particular fui atraído para a Filosofia por conta das questões comuns entre esta e a Teologia. Imediatamente após, descobri a Filosofia como ferramenta apologética. Isto me incentivou a ler trabalhos de Francis Shaeffer, Norman L. Geisler, Willian Lane Craig, J. P. Morenland, Peter Kreuft. E após ler e refletir descobri que é inútil e fútil a tarefa de tentar usar a Filosofia para convencer as pessoas de que a minha cosmovisão está correta e a deles errada. 

Uma das marcas do fazer filosófico é a ruptura com as escolas antigas. Platão vai além de Sócrates e é superado por Aristóteles. O triunvirato grego é um ótimo exemplo. Mas ser filósofo é ainda mais do que isto. Ser filósofo é ter a capacidade de se esvaziar continuamente e neste esvaziar tornar a aprender. É desta forma que concilio o cristão e homem de fé com o Filósofo. 

Aqui há que se considerar que quando a Apologética apareceu, tal deu-se no ambiente das questões judiciais (onde os primeiros cristãos eram levados aos tribunais a fim de nestes explicar aos magistrados a razão de sua defesa) e no âmbito das primeiras Teodiceias. Teodiceia é a defesa de Deus. São explicações elaboradas de forma a explicar questões como a existência de um Deus bom e todo poderoso e o mal no mundo. 

A postura mais recomendável de um crente em ambiente acadêmico é, ao meu ver, a de um conversador, como Sócrates, a de alguém que se esvazia diariamente e assume a ignorância. Mas como se diz por aí, toda afirmação de ignorância é uma afirmação de conhecimento. Fazer as perguntas certas demanda conhecimento. Mas é uma postura mais inteligente do que tentar convencer as pessoas de que minha cosmovisão (sempre em revisão) é a correta. 

Aqui chegamos à formulação do conhecimento científico. Com a Teologia Natural, Deus e sua revelação foram lentamente removidos da Teologia e em seguida das ciências que foram nascendo. A ciência moderna nasce a partir de algumas noções religiosas tais como: a noção de causa e efeito e de a ordem natural é racional e passível de ser conhecida. 

Mas Deus mesmo não é o fim deste tipo de conhecimento. O que se pretende é o domínio da natureza com vistas à facilitação da vida humana. O exemplo mais básico dado por Bacon é o da conservação de alimentos. No lugar do sal, ele propõe o gelo. Mas é no próprio Bacon, que aliás é Filósofo que aparece um projeto de sociedade organizado em acordo com o que na visão dele era o mais racional. 

Falei deste porque não posso ignorar o que advém da ciência, a técnica. Mas minha abertura para a técnica e para outros benefícios da ciência não me levam a acreditar que somente a partir da mesma vida e todos os fenômenos decorrentes desta possam ser interpretados. O debate persiste até hoje e não aparenta ter resolução fácil, ainda mais quando se vê a militância de cristãos e ateus na arena universitária. Os debates de Richard Dawkins, Sam Harris, com Jonh Lenox e Willian Lane Craig respectivamente, ilustram muito bem. 

O desafio que até o momento não vi Apologética alguma responder é o da convivência entre pessoas de fé e pessoas sem fé no espaço acadêmico e na vida com um todo. Nosso papel enquanto cristãos é estar preparados para responder a qualquer um a razão da esperança que há em nós e só. Convencer as pessoas não é nosso papel, subordinar a ciência à fé menos ainda, até porque são áreas que respondem por dimensões diferentes da vida. Isto é evidenciado por Lewis em um artigo intitulado Sobre a Obstinação na Crença. Para este autor, e brilhante crítico literário, 

Todos os homens, em questões que lhe interessam, escapam da região da crença para a do conhecimento, quando podem, e, se alcançam o conhecimento, não mais dizem crer. As questões em que os matemáticos estão interessados admitem tratamento por meio de uma técnica particularmente clara e rigorosa. As questões do cientista tem sua própria técnica, que não é exatamente a mesma. As do historiador e as do Juiz também são diferentes. A prova do matemático (pelo menos, é o que nós leigos supomos), é o raciocínio; a do cientista, por experimento; a do historiador, por documentos; a do juiz, por testemunho juramentado. Mas todos estes homens, como homens, em questões fora das disciplinas que lhe são próprias, tem numerosas crenças as quais normalmente não aplicam os métodos destas disciplinas. De fato, levantaria alguma suspeita de morbidez e até insanidade se o fizessem (LEWIS, C. S. A Obstinação na Crença, in: A última Noite na Terra, pág. 29). 

É sensível a distinção que o autor faz das convicções oriundas da crença e a certeza científica. Mais ainda sem perceber algumas destas convicções puramente baseadas em crenças se tornam evidências em si mesmas, quando na verdade são meras crenças. Em Cristianismo Puro e Simples o autor ainda expõe que tanto em sua época como ateu quanto quando cristão manifestou fé, ao se aferrar às suas convicções, mesmo quando tudo parecia estar contrário à convicção que pretendia defender. 

Ninguém é cem por cento científico o tempo todo e menos ainda fideísta em tempo integral. Todos reservamos áreas em que manifestamos algum tipo de "fé". Esta é uma abordagem necessária à compreensão a respeito do relacionamento entre fé e ciência. Tendo isto em mente e adotando uma postura de constante esvaziamento não ocorrerão prejuízos na fé. 

Algumas posturas serão sim revisadas, mas a fé permanecerá ali. Keller oferece uma comparação interessante a este respeito em seu livro Fé na Era do Ceticismo. Neste o autor compara a fé a um corpo que passa por sucessivas enfermidades até que o sistema de imunológico se desenvolva plenamente, e o organismo não mais esteja frágil diante dos vírus e bactérias. 

Uma fé que não se sujeita às dúvidas e questionamentos não é uma fé de fato. E acredito que isto esteja ocorrendo com significativa parcela de cristãos que adentram o espaço universitário. A universidade é um espaço para pessoas com capital cultural e literário significativo. Não é um curso técnico melhorado para quem quer ter um emprego que ganhe bem. 

Mas é esta a propaganda que tem vendido cursos e mais cursos superiores aqui neste país. Mais ainda, na percepção acurada de Otaíza de Oliveira Romanelli esta é a visão de educação prevalecente em nosso país, a de educação com vistas à ascensão social. Daí que a mesma seja atrativa, não pelo acesso ao conhecimento, mas pela promessa de maior inserção social, o que serve pára atrair cada vez mais pessoas com pouco, ou nenhum capital cultural. O que se estende aos evangélicos com tal perfil. 

O que entendo aqui é que a uma fé fragilizada (na verdade uma postura fideísta) quando se encontra com uma cultura fragilizada e fragmentada como a que se vê em boa parte das leituras propostas em universidades, sempre de capítulos chaves de livros, produz o desastre acima mencionado a respeito do perder a fé. 

Uma cultura mais ampla quando se encontra com uma fé robusta produz intensos embates e debates interiores, mas o resultado final é uma fé ainda mais robusta. A ciência quando compreendida em sua essência jamais extingue a fé. Na verdade como diria C. S. Lewis não é a razão que se opõe à fé. É a imaginação e os humores. 

Se de um lado a fé é a capacidade de se aferrar às convicções mesmo quando outras questões pareçam contradizer, por outro lado a fé é o ato de desesperar-se de si mesmo e apostar as suas fichas em Deus, na política, ou no que quer que seja. Nas palavras de Paul Tillich, fé é a entrega ao incondicional. Esta é a questão a ser ampliada e vista neste post. 

A primeira que passo a tratar agora, é a respeito das manifestações "imorais" vistas nas faculdades. Tenho notado uma tendência à desmoralização institucionais das universidades públicas. O que posso falar aqui é que não há nada nestes vídeos que comprove que tais manifestações sejam, ou façam parte da grade curricular de tais faculdades. 

O fato de haver maconheiros, gays, lésbicas e qualquer outra classe cuja moral destoe da minha não me autoriza a desabonar uma instituição primordial como as universidades. Há ali pesquisa e desenvolvimento, sem a qual país algum poderá se situar no universo civilizado. Infelizmente tais pesquisas são desconhecidas de um povo que sequer sabe como se faz, ou se produz ciência. Infelizmente é assim. Daí a longa introdução deste post. 


Marcelo Medeiros.  

2 comentários:

Agradeço o seu comentário!
Ele será moderado e postado assim que recebermos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Créditos!

Por favor, respeite os direitos autorais e a propriedade intelectual (Lei nº 9.610/1998). Você pode copiar os textos para publicação/reprodução e outros, mas sempre que o fizer, façam constar no final de sua publicação, a minha autoria ou das pessoas que cito aqui.

Algumas postagens do "Paidéia" trazem imagens de fontes externas como o Google Imagens e de outros blog´s.

Se alguma for de sua autoria e não foram dados os devidos créditos, perdoe-me e me avise (blogdoprmedeiros@gmail.com) para que possa fazê-lo. E não se esqueça de, também, creditar ao meu blog as imagens que forem de minha autoria.