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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A sabedoria de Sulley e as lições de Monsters S/A

Monstros S/A é mais um destes filmes que tive de ver mais de sessenta vezes por filho, e como tenho dois, posso afirmar que vi bem mais de cento e vinte. A história é bem simples. O filme narra a historia de toda uma cidade de monstros, que se alimenta de uma energia extraída dos sustos das crianças. Desta surgem empregos na fabrica de sustos e uma economia bem movimentada, etc.... . Tudo transcorre bem até que um dia Randall Boggs que é um dos principais antagonistas do filme elabora e da seguimento a um estranho plano com Henry. J. P. Waternoose, que é o presidente da Monstros S.A. de  sequestrar uma criança que garantisse a produção da fábrica. É neste momento que entram em cena James P. Sullivan, apelidado "Sulley", e Mike Wazowski , que interceptam a criança e a partir destes elementos se desenvolve uma trama bem interessante.
O que gostaria de pontuar aqui, é que no meio da trama é descoberto, acidentalmente, que o riso possui um potencial de energia muito, mas muito superior mesmo ao susto, e é aí que gostaria de centrar a minha reflexão. Monsters S/A não é um filme para crianças, na verdade é um convite à reflexão para os adultos. Sério? Onde as crianças entram nisto, afinal, é um desenho animado? Se você se fez esta pergunta, é sinal que houve uma abertura em você para entender qual é o nosso papel, no sentido de traduzir para as futuras gerações.
Primeiro, o filme traz uma linguagem que contesta, de forma criativa, o modo de produção de uma sociedade fictícia. Segundo, o filme contesta a tradição que se forma em torno de práticas cruéis. Terceiro, percebo uma condenação explicita tanto à liderança quanto a chefia feita que se faz independente de ética, e pior ainda quando tal se dá para manter o tradicional. Por último, o filme se constitui como um desafio, pois tal como Sulley, somos desafiados a fazer de um modo diferente. Estas são as mensagens para nós adultos. Agora quero passar as considerações a respeito de cada uma das observações.
Nossa sociedade possui um modo de produção esgotante. Pais são constantemente pressionados a serem três coisas, senão mais, inconciliáveis: bons pais, bons maridos e bons profissionais. Além disto, o conceito de bom pai não se restringe ao bom educador de uma criança, mas abrange alguém que dá a sua família todos os bens de consumo. O resultado de tudo isto, é que a qualidade de vida cai.
Não bastassem tais pressões, o meio de trabalho parece ser o mais contaminado e deteriorado no campo das relações humanas, produzindo ambientes insalubres do ponto de vista social e emocional. Daí que raras são as vezes e mais raros ainda são os trabalhadores que chegam em casa, após um dia de serviço com a sensação de prazer de uma obra concluída. Há quem diga que brasileiro não gosta de trabalho. Mas não é o que se vê, por exemplo, em mulheres, que conciliam a jornada em casa, com a criação de filhos e uma carreira profissional, e isto sem ajuda de empregadas domesticas (falo isto porque fui filho de uma, e sou casado com uma assim). O grande problema no que toca ao mundo do trabalho. Passa pela mudança dos modos de produção, uma mudança que não produza desemprego, mas que viabilize ao homem tempo para que o mesmo possa se dedicar ao que é essencial, a família, por exemplo. Não estou sendo vanguardista em dizer isto, porque a questão que abordo aqui já foi abordada por Oscar Wilde e tem sido abordada nos livros do Mario Sergio Cortella.
Voltando ao filme, quando assistimos o Universidade Monstros percebemos que aquele modo de produção era cultural, visto haver uma universidade voltada para a formação de futuros assustadores. Quando aplico esta situação ao mundo do trabalho percebo que há uma sólida e perversa tradição cultural estabelecida em nossa sociedade: a de associar o trabalho a dor, e ao sofrimento (já falei sobre isto aqui).
Neste artigo falamos que uma das palavras que o mundo hebraico elaborou para trabalho é o termo עָמָֽל ('amal), cujo sentido é o de esforço fatigante, tormento, mágoa, aflição; é empregado como sinônimo de אָ֑וֶן ('ãwen), cujo sentido é o de problema, tristeza, mal, ou dano. Curiosamente עָמָֽל ('amal) será empregado por Salomão, caso o leitor o considere autor de Eclesiastes, para o trabalho mesmo (Ec 2. 10, 11), indicando com isto, que nem sempre a teologia bíblica verá o trabalho com algo penoso, vão e inútil.
Isto não seria nenhum problema se junto da cultura não houvesse uma prática, mas há. Existem em nossos dias líderes, que à semelhança de Henry. J. P. Waternoose, preferem sequestrar mil crianças para não verem a fábrica falir, assim violam os princípios mais básicos da ética. assediam moralmente os seus subordinados, criam um ambiente de tensão desnecessário no trabalho, fazem com que o trabalho, que deveria ser uma poiesis (obra na qual o artista se reconhece) se torne um tripalium (palavra para instrumento de tortura, que segundo Cortella deu origem a nossa palavra trabalho).
A redenção do trabalho passa inevitavelmente pela redescoberta da dimensão artística do mesmo. Não creio que tal se dará por meio da adoção de políticas que trazem consigo aumento da carga horaria. Produtividade nada tem a ver com o tempo que se passa no trabalho. Uma coisa que tem se descoberto é o valor do ócio. Começou com o Elogio do Ócio de Bertrand Russel, e depois tivemos o Ócio Criativo de Domenico di Mais. Agora temos a maravilhosa ideia de Cortella com o seu Ócio recreativo, que consiste no emprego do ócio com vistas ao ato de recriar. A despeito da beleza e da propriedade do pensamento não há como pensar em tais coisas sem antes de mais nada mudarmos algumas concepções em nossa sociedade.
Na escola, o recreio, o lúdico está ligado ao processo educacional, ao menos na educação infantil é assim. Tanto que na primeira parte da infância as crianças amam a escola, mas ao chegar nos primeiros ciclos das séries iniciais, tudo muda, e então o lugar dantes amado passa a ser odiado. Infelizmente o mundo do trabalho também tem seguido esta tendência. Mas é na alegria com que se desempenha a função que o trabalhador encontra sua poiesis e se sente mais motivado para produzir, para recriar. Creio que seja exatamente isto que esteja faltando.
O filme termina com monstros felizes porque não mais precisam assustar, e crianças que se divertem com os mesmos, e da diversão vem o sustento do mundo dos monstros. O mais curioso é o caso do personagem Mike Wazowski que no filme Universidade Monstros é desligado da Universidade, por não ter vocação para ser assustador, mas que no novo modo de produção encontra papel fundamental, e o próprio Sulley que se descobre um grande gerente da nova fábrica.
Escrevo estas coisas sabendo que a mudança não é nada fácil, na verdade é justamente por nos tirar de nossa zona de conforto que ela se torna extremamente difícil. Esta lição é mostrada em um outro filme A Corrente do Bem, onde um garoto de aproximadamente oito anos tem uma ideia genial de pessoas que fariam algum bem a uma outra pessoa desconhecida. Ao ser entrevistado o garoto demonstra sua desilusão para com as pessoas, visto que bem cedo ele percebe a relutância das mesmas em mudar para melhor.
Em nosso mundo as pessoas preferem reclamar do que se moverem em direção ao novo. Um caso curioso é o da peregrinação do povo de Israel no deserto. Ao se depararem com o desafio que a liberdade traz, eles quiseram voltar ao Egito, para a condição de escravos. Daí a dificuldade com que mudanças possam vir acontecer. Na verdade, é mais fácil colaborar para com, do que resistir ao sistema. Voltando ao desenho em questão, não custa nada lembrar que a maracutaia do Waternoose não teria ido em frente não fosse a colaboração do Randall Boggs, personagem este descrito como alguém que sempre invejou o Sulley, dada capacidade deste como assustador.
É verdade que existem os chefes que criam um inferno na vida dos seus subordinados, mas creio que seja nosso papel como pais, criar filhos que não sejam como estes, ou que mesmo que venham a ocupar a posição de liderança tenham coragem de fazer diferente, e que jamais sejam colaboradores na manutenção do sistema.
Marcelo Medeiros, em Cristo.

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