Pesquisar este blog

sábado, 19 de outubro de 2013

Lição da EBD n° 3: Trabalho e prosperidade

Atividade física ou intelectual que visa a algum objetivo; labor, ocupação. Esta é a definição inicial que os nossos dicionários nos dão para trabalho. Já prosperidade, é entendida tanto como abundancia, fartura e riqueza, quanto como progresso, sendo este último o que mais se coaduna com o conceito de prosperidade das Escrituras. Gordon Fee e Douglas Stuartt afirmam que os provérbios embora busquem inculcar a sabedoria nos jovens, por meio de máximas simples, os mesmos não podem, de forma alguma serem lidos como verdades universais. O caráter superficial se pode ver nas afirmações que associam a impiedade com uma vida fracassada. Uma breve leitura de alguns salmos de sabedoria e do livro do Eclesiastes são suficientes para comprovar isto. O mesmo se dá com a perspectiva que Provérbios demonstra a respeito do trabalho e da prosperidade, a relação não é tão lógica assim. O mesmo se dá com relação à prosperidade em Provérbios Salomão dá a entender que a prosperidade é resultado do trabalho feito com pericia, ao passo que em Eclesiastes ele apresenta outra perspectiva. Passemos então à visão da sabedoria a respeito do trabalho.

I ) O trabalho na Filosofia

A visão filosófica a respeito do trabalho não é das mais positivas. A Grécia, berço do pensamento filosófico, foi uma das sociedade nas quais o trabalho era executado exclusivamente por escravos. Neste período se instalou um padrão cultural que foi seguido por sociedades como a romana, e que foi verificável mesmo durante a Idade Média, ainda, os servos faziam os trabalhos e os nobres se dedicavam ao ocio, à discussão, à política.

Sócrates foi o único a ver os que exerciam profissões manuais como os mais sábios. Ao receber o oráculo de que era o homem mais sábio em toda a Grécia, ele dialogou e entrevistou muitos cidadãos, e os que ele considerou como sendo os mais sábios, visto que ao menos sabiam a respeito do seu ofício. Uma leitura, ainda que superficial da filosofia socrática à luz do contexto desta Grécia escravocrata nos mostra o quão ofensivas foram as conclusões do filósofo.

Mário Sérgio Cortella afirma que Platão, ao contrário do seu mestre (Sócrates), entendia que qualquer pessoa que exercesse uma atividade manual iria para um compartimento do inferno inferior aos que exercessem outras atividades. Desta forma, o trabalho foi vilipendiado. No entender de Cortella, a visão judaica de que o trabalho é castigo, foi o fundamento religioso por excelência desta ética que o Ocidente herdou. E é mais do que fato que dentre as mais variadas palavras que o idioma hebraico possui para trabalho, ao menos duas são correlatas à ideia de sofrimento. Em caso de dúvida, observe bem a fala de Elifaz, em que este afirma: Porque do pó não procede a aflição, nem da terra brota o trabalho. Mas o homem nasce para a tribulação, como as faíscas se levantam para voar (Jó 5. 6, 7 ARCF).

No texto supra, necessário se faz considerar que o termo עָמָֽל ('amal), cujo sentido é o de esforço fatigante, tormento, mágoa, aflição; é empregado como sinônimo de אָ֑וֶן ('ãwen), cujo sentido é o de problema, tristeza, mal, ou dano. Curiosamente עָמָֽל ('amal) será empregado por Salomão, caso o leitor o considere autor de Eclesiastes, para o trabalho mesmo (Ec 2. 10, 11), indicando com isto, que nem sempre a teologia bíblica verá o trabalho com algo penoso, vão e inútil.

Aqui cabe considerar o que Salomão, caso o aceitemos como o autor do Salmo 127, em um dos versos ele afirma: Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono (Sl 127. 2 ARCF). A expressão empregada para pão de dores é o termo hebraico עֲצָבִ֑ ('eshebh), que também pode ser o trabalho duro, ou a labuta mesmo, mas que em alguns contextos assume o mesmo significado de עָמָֽל ('amal).

Retornando á filosofia, e particularmente à Cortella, cabe ressaltar que para este filósofo, a guinada com respeito à visão de trabalho vem com a Ética Protestante. Esta vai colocar o trabalho humano como continuidade da criação, e com isto vai conferir ao mesmo uma imagem mais positiva do que a da herança católica medieval. O Pensador alemão Max Weber soube muito bem explicar como funciona esta ética, que se construiu a partir da ascese puritana, da visão positiva do trabalho, e do acúmulo do resultado deste. Feitas as considerações supra passemos à visão teológica do trabalho.
II) Visão teológica do trabalho
A visão consensual é a de que o trabalho foi na verdade instituído antes da queda do homem, visto que este mesmo fora criado para cuidar do jardim (Gn 2. 15), logo, isto é uma ocupação. Ela só se torna enfadonha na medida em que o homem, ao pecar, recebe, de Deus a seguinte sentença:
maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida.
Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo.
No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás
(Gn 3. 17 - 19 ARCF). 
Aqui temos a ocorrência do termo עֲצָבִ֑ ('eshebh), indicando que o trabalho outrora feito de forma natural, de agora em diante seria feito com dor. Anos após a expulsão do homem do jardim, nasce Lameque, da descendência de Sete, e este ao ter um filho lhe põe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da terra que o Senhor amaldiçoou (Gn 5. 29 ARCF), mais uma vez é empregado o termo  עֲצָבִ֑ ('eshebh) para trabalho, sendo que neste texto em particular ele vem acompanhado de מַּעֲשֵׂ֙נוּ֙ (matseh), usualmente traduzido como obra.

Das treze ocorrências desta mesma palavra no livro do Êxodo, todas são referências às obras de arte do santuário (Ex 27. 16; 28. 11, 14, 15, 22, 32; 30. 25, 35; 38. 18; 39. 15, 22, 27, 29). Quatro referências em Deuteronômio fazem alusão ao trabalho e á prosperidade decorrente do mesmo (Dt 2. 7; 16. 15; 28. 12; 30. 5), em todas o mesmo termo é empregado מַעֲשֵׂ֣ה. A obra do templo de Salomão também é denominada com o mesmo termo.

Em nossa pesquisa, não identificamos este mesmo termo em Provérbios, e em Eclesiastes, o autor o reserva para se referir às obras de Deus, jamais à ação humana, que é claramente designada de עָמָֽל ('amal). Isto é compreensível se observarmos que na visão de Qoélet, tudo é vaidade, e é a sabedoria que vai ajudar o homem a viver e trabalhar de forma proveitosa. Voltando ao termo מַּעֲשֵׂ֙נוּ֙ (matseh), creio ser ele o termo que melhor expressa a perícia humana.

Na visão dos escritores bíblicos, o trabalho humano pode sim ter o seu devido proveito, ele não é somente sofrimento. Em todo trabalho há proveito, mas ficar só em palavras leva à pobreza (Pv 14. 23 ARCF). Aqui o termo é עֲצָבִ֑ ('eshebh). O trabalho permite, inclusive que o homem dê inicio aos seus projetos. Prepara de fora a tua obra, e aparelha-a no campo, e então edifica a tua casa (Pv 24. 27 ARCF).

Por outro lado, a preguiça é algo que pode levar à penúria. O preguiçoso esconde a sua mão ao seio; e não tem disposição nem de torná-la à sua boca (Pv 19. 24 ARCF). O preguiçoso pode vir minguar diante de seu próprio desejo de consumo, uma vez que a disposição para trabalhar não é compatível coma ânsia de consumo. O desejo do preguiçoso o mata, porque as suas mãos recusam trabalhar (Pv 21. 25 ARCF).
III) Prosperidade na Bíblia e na Filosofia
A prosperidade é entendida em nossos dias como sendo a posse e o usufruto de bens de consumo. Neste caso, ela é sinônimo de riqueza, opulência. Nos tempos bíblicos os homens trabalhavam a fim de ajuntar mantimentos em abundancia e com isto garantir o seu futuro. Tanto Jesus quanto Salomão condenaram tal atitude. Para este, Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é vaidade (Ec 5. 10 ARCF). Já Cristo diz: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui (Lc 12. 15 ARCF).

A totalidade do ensino bíblico vai de encontro com o pensamento da Teologia da prosperidade e o pensamento que tem permeado o meio evangélico atual. Não faltam "teólogos" para se apossarem de textos isolados de Provérbios para ensinarem uma teologia maléfica. É neste contexto que a fala dos amigos de Jó, e alguns textos isolados viram um prato cheio.

A prosperidade bíblica é antes de mais nada o êxito no exercício de uma função. sob este aspecto o trabalho de José na casa de Potifar, e sua atividade no cárcere foram prósperos. Em ambas as situações é dito que Deus era com ele. E, é exatamente nisto que consiste o êxito do servo de Deus, ao invés de suas habilidades de gestor, Deus é o autor do triunfo do mesmo nas atividades que exerce (Gn 39. 3, 21- 23).

A fim de que evitemos erros, precisamos ler Provérbios sob o contexto da antiga aliança. A riqueza de procedência vã diminuirá, mas quem a ajunta com o próprio trabalho a aumentará (Pv 13. 11 ARCF). Para Salomão, a prosperidade é a consequência imediata do trabalho, ao menos esta é a visão deste em Provérbios. A pobreza é fruto da ausência de diligência. O que trabalha com mão displicente empobrece, mas a mão dos diligentes enriquece (Pv 10. 4 ARCF).

O contexto de Provérbios nos ensina que a preguiça tem de ser evitada, não que a prosperidade seja consequência inevitável do trabalho, em caso de dúvida, leia:
Ó preguiçoso, até quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono?
Um pouco a dormir, um pouco a tosquenejar; um pouco a repousar de braços cruzados;
Assim sobrevirá a tua pobreza como o meliante, e a tua necessidade como um homem armado
(Pv 6. 9 - 11 ARCF). 
A lição é que no lugar de se entregar ao sono, ou à preguiça, o homem deve de envidar suas forças no trabalho.  Afinal, A preguiça faz cair em profundo sono, e a alma indolente padecerá fome (Pv 19. 15 ARCF), esta é a lição de Provérbios. Tais textos jamais devem ser lidos como se fossem promessas de prosperidade a todo trabalhador, afinal, existe toda uma ordem de ensinamentos bíblicos a serem considerados antes de tomarmos os textos de Provérbios de forma isolada.
Passei pelo campo do preguiçoso, e junto à vinha do homem falto de entendimento,
Eis que estava toda cheia de cardos, e a sua superfície coberta de urtiga, e o seu muro de pedras estava derrubado.  O que eu tenho visto, o guardarei no coração, e vendo-o recebi instrução. Um pouco a dormir, um pouco a cochilar; outro pouco deitado de mãos cruzadas, para dormir, Assim te sobrevirá a tua pobreza como um vagabundo, e a tua necessidade como um homem armado
(Pv 24. 30 - 34 ARCF). 
A lição deste último texto, por exemplo, é que a indolência conduz inevitavelmente à pobreza, por este motivo, ao invés de se entregar ao sono excessivo, o homem deve cuidar de sua terra, de suas posses, mas esta perspectiva, se choca com a que o mesmo autor demonstra nos Salmos (Sl 127. 2). Aqui o pão de dores é vão visto que Deus dá aos seus enquanto dormem. Por esta mesma razão que o pregador introduz uma perspectiva a partir da qual o trabalho somente é válido se o homem desfruta do mesmo (Ec 2. 24, 26; 3. 13), de nada adianta acumular e não saber para quem vai deixar (Ec 5.  8 - 20).

Na Bíblia, nem o trabalho, nem a prosperidade são fins em si, mas meios para algo. A doutrina apostólica é a de que no lugar de ser pesado para alguém o homem tem de trabalhar para ter para si, e para ajudar ao seu próximo (Ef 4. 28; ITs 4. 11; II Ts 3. 11, 12). Neste sentido, o ser prospero não se resume ao usufruto de bens de consumo, mas em ajuntar tesouros nos céus, por meio da caridade. Ver estudos sobre a Reciprocidade do amor cristão e o Sacrifício que agrada a Deus.

A verdadeira prosperidade consiste em possuir projetos e paulatinamente ir alcançando um por um. Mesmo aos que não enriquecem, estes podem experimentar a prosperidade por meio da fruição de alegria em seu trabalho, ou em sua obra. Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha? (Ec 3. 9 ARCF). A resposta é: Já tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida; E também que todo o homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus (Ec 3. 12, 13 ARCF). Ainda que o trabalho seja sofrido, ele vem acompanhado de coisas que são dom de Deus.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço o seu comentário!
Ele será moderado e postado assim que recebermos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Créditos!

Por favor, respeite os direitos autorais e a propriedade intelectual (Lei nº 9.610/1998). Você pode copiar os textos para publicação/reprodução e outros, mas sempre que o fizer, façam constar no final de sua publicação, a minha autoria ou das pessoas que cito aqui.

Algumas postagens do "Paidéia" trazem imagens de fontes externas como o Google Imagens e de outros blog´s.

Se alguma for de sua autoria e não foram dados os devidos créditos, perdoe-me e me avise (blogdoprmedeiros@gmail.com) para que possa fazê-lo. E não se esqueça de, também, creditar ao meu blog as imagens que forem de minha autoria.