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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Tempo para todas as coisas (lição da EBD n° 9)


 
Eclesiastes, ou εκκλησιαστοὑ é a forma grega para o livro que na Bíblia Hebraica recebe o nome de קֹהֶ֣לֶת (kohelet). Da mesma forma que εκκλησιαστοὑ procede de εκκλησια (Eclésia), cujo sentido é o de assembleia, o mesmo se dá com קֹהֶ֣לֶת (kohelet), que advém de קְהִלַּ֥ (kahal), cuja tradução pode ser tanto ajuntamento, quanto congregação (Dt 33. 4; Sl 107. 32). O termo pregador [ֹהֶ֣לֶת (kohelet)] aparece aproximadamente sete vezes em Eclesiastes (Ec 1. 1, 2, 12; 7. 27; 12. 8, 9, 10). O termo se aplica atualmente ao orador sacro, mas era aplicado a todo que dirigia o discurso para uma assembleia.
Há elementos internos de que o livro seja o produto de um discurso. O livro termina com a seguinte máxima: De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem (Ec 12. 13 ARCF). A NVI traduz: Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão [...], indicando que este é o fim de um discurso, e a presença do verbo שְׁמָ֑ע (shemá), indica que antes de existir como livro, קֹהֶ֣לֶת teve a sua forma como discurso.
Não se trata de um discurso aos moldes da sabedoria demonstrada em Provérbios, ou em Salmos. O pessimismo do autor se aproxima mais do cinismo filosófico do que qualquer outra coisa. o leitor, por favor entenda que este é um termo aplicado a uma classe de filósofos antigos (como Diógenes) que professavam uma moral ascética e um desdém absoluto das conveniências sociais (veja aqui). קֹהֶ֣לֶת desdenha a vida, o tempo, os empreendimentos humanos, a busca pela sabedoria, tudo, mas tudo mesmo é vaidade. Mas o que significa vaidade.

O SENTIDO DE VAIDADE EM ECLESIASTES

De extrema importância para a compreensão do livro em apreço é a ocorrência de הָֽבֶל, ou הֲבֵ֤ל (habel, ou, hebel), cujo sentido é o de algo passageiro, fugaz. Em nossa cultura vaidade é o desejo imoderado de chamar atenção, ou de receber elogios, podendo ser também, uma ideia exageradamente positiva que alguém faz de si próprio; presunção, fatuidade, gabo. Alarde, ostentação, vanglória, da mesma forma são termos hoje compreendidos como sendo vaidade. Mas ainda bem que os nossos dicionários reservam um pequeno espaço para uma definição mais afinada com הָֽבֶל, ou הֲבֵ֤ל (habel, ou, hebel). Assim, em nossa vida tudo é fútil, tudo é vazio, tudo é vão. Ou como disse קֹהֶ֣לֶת Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade (Ec 1. 2 ARCF).
A ocorrência e a sucessão de fatos aleatórios, aparentemente sem sentido e sem significado dão o tom de acidez e morbidade ao livro, afinal: Como acontece ao tolo, assim me sucederá a mim; por que então busquei eu mais a sabedoria? Então disse no meu coração que também isto era vaidade (Ec 2. 15 ARCF). Não, aqui não há espaço para os ideias platônicos e muito menos para a empáfia iluminista, ambas com o sua ideologia que atribui ao homem racional um senso de superioridade.
A ideologia da produção, do homem trabalhador, também cai por terra diante da esmagadora constatação de que por mais que trabalhemos e vejamos o trabalho como algo positivo, não sabemos para quem de fato deixaremos o nosso legado. Também eu odiei todo o meu trabalho, que realizei debaixo do sol, visto que eu havia de deixá-lo ao homem que viesse depois de mim. E quem sabe se será sábio ou tolo? Todavia, se assenhoreará de todo o meu trabalho que realizei e em que me houve sabiamente debaixo do sol; também isto é vaidade (Ec 2. 18, 19 ARCF).
O mais curioso na afirmação supra é que Eclesiastes é um dos poucos livros que apresentam o trabalho de forma positiva. Conforme você pode ver aqui, o termo עָמָֽל ('amal), é privilegiado por Salomão, tanto em Provérbios quanto em Eclesiastes para o trabalho. Todavia, tal atividade se mostra sem sentido caso o homem não usufrua do mesmo. Mas para Salomão, tudo é vaidade e aflição de espírito (Ec 2. 17).
Mesmo a superioridade do homem em relação aos animais, é vista como vaidade. Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade (Ec 3. 19 ARCF). O homem ainda que racional, e superior aos animais, é igualado a estes em vista de sua mortalidade. O fato mais marcante com o qual temos de lidar é que: nenhum homem há que tenha domínio sobre o espírito, para o reter; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte; como também não há licença nesta peleja; nem tampouco a impiedade livrará aos ímpios (Ec 8. 8 ARCF).
Nem a filosofia hedonista escapa à crítica do pregador. Disse eu no meu coração: Ora vem, eu te provarei com alegria; portanto goza o prazer; mas eis que também isso era vaidade (Ec 2. 1 ARCF). Mesmo ao jovem que é aconselhado que goze a vida, lhe é lembrado que sua juventude é vaidade. Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas te trará Deus a juízo. Afasta, pois, a ira do teu coração, e remove da tua carne o mal, porque a adolescência e a juventude são vaidade (Ec 11. 9, 10 ARCF).
Na verdade  aqui se constata a verdade já dita aqui neste espaço, de que a simples fruição de consumo não nos torna mais felizes e muito menos mais plenos. E a prova está na verdade de que tudo passa. Os prazeres do sentido jamais serão plenamente satisfeitos, uma verdade que podemos sentir já quando o pregador diz: Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr. Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir (Ec 1. 7, 8 ARCF).
O mais incrível em tudo isto, é que ao olharmos os textos bíblicos referentes à aliança, veremos que a felicidade está sempre associada ao justo, ao passo que a desgraça é vinculada ao ímpio. Percebemos isto com extrema clareza no texto de Provérbios.

O TEMPO NO LIVRO DE ECLESIASTES

Feitas as considerações a respeito da vacuidade da vida resta considerar o tempo da perspectiva de קֹהֶ֣לֶת (kohelet). Para o pregador, Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu (Ec 3. 1 ARCF). A palavra זְמָ֑ן (z'emah) significa tempo determinado é a LXX a traduz pelo grego χρονος (Chronos), cujo sentido é o de um tempo, um período específico. Tal uso pode ser visto em Lucas por exemplo, ao falar do período gestacional de Isabel (Lc 1. 57), ao tempo corrido (I Pe 4. 3), ao período de vida de Moisés (At 7. 23).
No mesmo texto que citamos do pregador observamos a ocorrência de עֵ֤ת (eth), que a LXX traduz por καιρος (kairós), e tem sido lugar comum se afirmar ser o tempo de Deus, e em alguns casos pode ser (Mc 1. 15; 13. 33; Jo 7. 6), embora em outros seja equivocado fazer tal afirmação (Mt 21. 34), visto que neste último caso, καιρος pode perfeitamente ser sinônimo de זְמָ֑ן e χρονος, indicando com isto o período, ou a época em que um determinado acontecimento pode vir a ocorrer.
χρονος em particular, significa no grego clássico a ocorrência repetitiva de fatos, ou fenômenos naturais, tais como o dia e a noite (Gn 1. 3 - 5), as estações [no hebraico מֹועֲדִ֑ (mo'edh) Sl 104. 19] - neste último caso cabe a observação de que contrariando o uso clássico os tradutores da LXX empregam καιρος para traduzir מֹועֲדִ֑, o que reforça a ideia por nós expressa de que não existe rigidez quanto ao emprego dos termos equivalentes a tempo nas línguas originais. Mas identificamos em Koelet algo parecido com o conceito do grego clássico de χρονος.
Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos. Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr. Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir. O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós (Ec 1. 4 - 10 ARCF).
O que vemos aqui além de uma descrição de uma serie de fatos que se repetem? Se olharmos atentamente a história humana, veremos nascimento, morte, ódio, amor, semeadura, colheita, tudo em uma sucessão monótona, mas que por alguma razão não provoca o tedio em nós, afinal, os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.
Quando קֹהֶ֣לֶת fala do tempo de nascer, de morrer, de plantar, de colher, de coser, ele emprega עֵ֤ת (eth), como equivalente de καιρος (kairós). Este último pode significar aquilo que é útil, produtivo, e que convém ao momento, e  עֵ֤ת pode ter semelhante emprego sim. Deus fixou um tempo em que os exilados de Sião teriam de voltar e voltaram (Ag 1. 2). É neste sentido que:
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;  Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz (Ec 3. 2 - 8 ARCF).
E a julgar pelo contexto do livro tais coisas se dão de forma repetitiva, quase que de forma cíclica. Afinal, O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós (Ec 1. 9. 10 ARCF). E, em outro momento, O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou (Ec 3. 15 ARCF). Fato é que quando o קֹהֶ֣לֶת pensa o tempo sob a ótica divina chega à conclusão de que Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim (Ec 3. 11 ARCF).
Para expressão mundo, o termo bíblico é  עֹלָם֙ (olam), cujo sentido pode ser o de eternidade. Deus é Deus de eternidade á eternidade (Sl 90. 2), seus dias não tem fim (Sl 102. 26 - 28). E ele colocou no coração humano o desejo de sondar as obras de Deus tanto de uma perspectiva presente quanto futura, e todavia o homem não pode apreender esta obra na totalidade.
O uso correto do tempo demanda sabedoria. Não é sem razão que o pregador afirma: Quem guardar o mandamento não experimentará nenhum mal; e o coração do sábio discernirá o tempo e o juízo (Ec 8. 5 ARCF). Paulo afirma que [..] já é hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé (Rm 13. 11 ARCF). Este é o sentido do famoso remindo o tempo, porque os dias são maus, e que é muito bem traduzido nas palavras do apóstolo Paulo quando este diz:
Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia; o que resta é que também os que têm mulheres sejam como se não as tivessem; E os que choram, como se não chorassem; e os que folgam, como se não folgassem; e os que compram, como se não possuíssem; E os que usam deste mundo, como se dele não abusassem, porque a aparência deste mundo passa (I Co 7. 29 - 31 ARCF).  

A terra dura para sempre, mas a aparência deste mundo passa. O termo para aparência aqui é o grego σχημα (scheema), cujo sentido mais apropriado é, em nossa modesta opinião, o de figuração. O termo indica que a aparência de nosso mundo não é a expressão da realidade, daí o fato de o pregador dizer que tudo é vaidade, visto que não é essência, mas mera representação. Me despeço rogando a Deus que derrame mais de sua sabedoria para que usemos apropriadamente o tempo.
 
Pr Marcelo Medeiros

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