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sábado, 27 de dezembro de 2014

Resgatando o Espanto



Li há algum tempo o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. Um dos artigos que me chamou a atenção foi o que o autor comparou os aeroportos com churrascos na lage. De fato o que não falta é gente fazendo selfie momentos antes do embarque. A sugestão de Pondé, é que se em algum momento a pessoa se vir em tal situação, que ao menos a mesma se preocupe em não demonstrar felicidade. Eu gostaria de fazer uma outra proposta. 

Mario Sérgio Cortella pontuou em Não nascemos prontos, que está faltando espanto. O assombro do qual fala o autor é a admiração diante da tecnologia, afinal, o celular, por exemplo é uma invenção que não chega a ter seus vinte cinco anos, e de lá para cá, ele foi acumulando aparelho telefônico, gravador de voz, rádio, câmera fotográfica, internet, televisão digital, entre outras coisas. Com isto o aparelho celular é um exemplo de como a humanidade deveria se assombrar diante de tamanha engenhosidade. 

Concordo com Pondé e com Cortella. Vou explicar. Tome como exemplo as redes sociais, que permitiam a aproximação de pessoas, e a comunicação em tempo real de tamanha eficácia, que praticamente eliminou as correspondências. A primeira delas foi o Orkut, que com a ascensão do Facebook, foi mandada para o lixo, e depois veio o vulgo zap zap, mandando aquele para o espaço. Acredito que sem espanto toda inovação humana corre o risco de não ser devidamente aproveitada, mas ser reduzida a um modismo, e depois descartada como se nenhuma outra contribuição viesse da mesma. 

Cresce cada vez mais, na minha cabeça que o espanto é o remédio para o tédio que apanha o ser humano, quando as coisas se tornam rotineiras. Voltando às viagens de avião, é uma das experiências mais extraordinárias que se possa ter, desde que não seja reduzida a mais uma ocasião para selfies. As aeronaves são máquinas que permitem aos seres humanos em geral fazer aquilo que lhes foi negado por sua natureza biológica (voar), e desta maneira, percorrer distâncias consideráveis em tempo reduzido (aqui já se tem motivo de sobra para espanto). 

Estar em um transporte extremamente rápido, movido a um combustível altamente inflamável, a uma altura absurda, me faz ver que a minha vida não depende de mim mesmo, que ela está nas mãos de outra pessoa, que ela é demasiadamente frágil e pequena, que a terra, tão pequena (quando vista de uma altura de vinte mil pés), é enorme diante da pequenez de cada ser humano. É neste instante que Pascal é evocado. 

Pascal fala da imensidão e vastidão do universo,e ressalta que a única grandeza do ser humano consiste em pensar, a leitura pessoal que faço dos seus pensamentos me leva á conclusão que ser consciente de seu pequenez é a essência da nobreza do homem diante do cosmos, e o misto de emoções proporcionadas por uma viajem de avião, a apreensão no momento da decolagem, o alívio no momento do pouso podem proporcionar profundas reflexões, ou como diria Cortella espanto, diante da vida, da maravilha tecnológica, do cosmos visto da altura em que se está. 

Mas tudo isto pode ser apagado pelo selfie quando este se torna um fim em si mesmo. Outra questão, o auto retrato é uma maravilha também. Há quase um século e meio era necessário se colocar imóvel durante horas para que a posição fosse gravada em uma tela por um pintor, aí veio a máquina de fotografar e facilitou para quem era retratado, depois vieram as câmeras fotográficas, facilitando a quem retratava, mas criando ansiedade para quem era fotografado e desejava saber como havia ficado. Foi então que surgiram os celulares com suas câmeras digitais, viabilizando um auto retrato e a imagem instantânea da mesma, bem como a publicação em rede sociais. Mas ninguém se espanta com isto mais, o modismo banalizou esta maravilha tecnológica e dispensou a arte e o artista.

Mesmo diante de toda esta maravilha, eu fico com a sensação de pousar de avião em meio a uma forte chuva. É incrível estar atravessando uma nuvem com a visibilidade totalmente obstruída, e somente perceber que está chovendo quando ao visualizar a paisagem, ver as gotas de água escorrendo na janela do avião. É algo que beira praticamente ao fascinum e tremendum.

Eu acredito que se você teve paciência para ler este artigo até aqui, talvez esteja se perguntando o que isto tudo tem a ver com churrascos na lage. Eu que venho de comunidades percebo que as mesmas proporcionam visões fantásticas de dois cenários. De um lado a natureza, de outro, das realizações humanas. Ambas são motivo de espanto, mas a despeito toda a maravilha que uma visão da lage proporciona ninguém se espanta, ou sequer frui da beleza seja natural, seja arquitetônica, e este é o grande pecado da geração atual, tanto na lage quanto nos aeroportos. 

Forte Abraço, Marcelo Medeiros.

3 comentários:

  1. O que é novo hoje amanhã de manhã pode me sta ultrapassado.

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  2. Acredito que é necessário o espanto. A quebra da rotina pela tecnologia é uma realidade que modifica a maneira de pensar do ser humano e traz implicações para as relações sociais. Tal desenvolvimento e a participação do homem possibilitam mudanças que são importantes e significativas porém, essa mesma tecnologia altera o comportamento, o vocabulário e pode aproximar ou distanciar as pessoas.
    Jurema de Souza Martins
    http://preletorajurema.blogspot.com
    http://juremasouzamartins.blogspot.com

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  3. Paulo, ainda que o que é novo hoje seja ultrapassado, por algo mais novo, isto deve ser motivo de espanto também.

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