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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Elias no monte da Transfiguração


Temos visto ao longo desta série de estudos que Elias foi um importante servo de Deus cuja missão consistiu basicamente em proclamar a que o verdadeiro Deus era o Deus de Israel. Há muitos crentes que acham tais estudos supérfluos, e afirmam que o que importa de fato é Cristo e o Novo Testamento. E se analisarmos bem, veremos que não estão, de todo errados, mas, com tal forma de pensar mostram que não entendem plenamente o Novo Testamento, uma vez que a revelação nele contida. Há uma interdependência entre as Escrituras do Antigo e do Novo pacto, e com o estudo de hoje apontaremos este elemento.
Retornando a Elias, precisamos falar que Deus escolheu a nação de Israel, para que eles fossem guardiões das revelações e das Escrituras, que por meio desta guarda, o Messias seria manifesto e o mundo estaria preparado para o receber. Neste processo ocupam fundamental papel a lei e os profetas. À lei coube o papel de ser um pedagogo (παιδαγωγον), naquele tempo, um escravo, ou tutor cuja função era a de conduzir os meninos aos seus respectivos mestres. É neste sentido que Paulo afirma que a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé (Gl 3. 24 NVI).
Esta função do tutor, ou pedagogo (παιδαγωγον), fica clara quando apelamos ao sentido hebraico da palavra lei. O termo תֹּורָ֑ה (torah), tem o sentido básico de ensino, instrução, lei. No monte da transfiguração, a lei, ou תֹּורָ֑ה (torah), foi representada por Moisés, ao passo que os profetas (nebiuin - נְבִאִ֖ים) o foram por Elias. Ambos são de vital importância pois apontam para Cristo. É exclusivamente sob esta perspectiva que a leitura dos textos que abordam a transfiguração tem de ser feita.

O contexto da Transfiguração

Em todos os Evangelhos sinóticos podemos perceber que os ensinos de Cristo recebem um arranjo diferente. Não quero com isto afirmar que eles foram inventados, de forma alguma, ante creio que os relatos dos fatos ali registrados são fidedignos. Mas quando olhamos para o contexto que envolve a narrativa da transfiguração, percebemos que a disposição de fatos que antecedem o evento é a mesma. A unica exceção é o relato de Lucas no tocante ao sinal que os fariseus pedem ao Senhor.
  1. Os saduceus pedem um sinal dos céus (Mt 16. 1 - 4; Mc 8. 10; Lc 12. 54), e Jesus nega. Para o mestre é inconcebível que alguém que sabe ler os sinais do dia não saiba ler os sinais dos tempos (semain ton Kairon - σημεια των καιρων). Por sinais dos tempos (σημεια των καιρων), enteda-se os milagres que acompanham o ministério de Cristo. Eles idicam que o tempo está cumprido. Se olharmos para este mesmo texto no contexto do Evangelho de Marcos perceberemos que alguns sinais são colocados após a negativa de Jesus em manifestar sinais diante dos fariseus.
  2. Após negar sinais aos fariseus e aos saduceus Jesus realiza sinais à vista dos seus discípulos e caminha para as cercanias de Cesaréia de Felipe. Ali ele indaga aos seus discipulos a respeito da visão, da percepção que o povo tinha de sua vida e ministério. A resposta de acordo com Mateus é: Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas (Mt 16. 14 NVI). O relato de Marcos difere do de Mateus, por preservar apenas a figura de João Batista, o precursor do Messias e a de Elias (Mc 8. 28).  Lucas segue a mesma formatação de Marcos. Nas palavras deste evangelista, os discípulos deram a seguinte resposta a Jesus: dizem que és João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, que és um dos profetas do passado que ressuscitou (Lc 9. 19 NVI). Ao perguntar para os seus discípulos a respeito da percepção que estes tinham da identidade do Filho do homem, ele teve a seguinte resposta de Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16. 16 NVI). A mesma confissão pode ser vista nos demais evangelistas (Mc 8. 27; Lc 9. 18). Jesus promete a Pedro que sobre esta percepção edificará a sua Igreja e que nem mesmo a morte poderá triunfar sobre a mesma.
  3. Então Jesus disse: É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas e seja rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, seja morto e ressuscite no terceiro dia (Lc 9. 22). Esta afirmação não foi entendida por Pedro, que se pôs a censurar Jesus. No contexto de Mateus e de Marcos, Jesus repreende a Pedro por meio das segintes palavras: Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens (Mt 16. 23 NVI).
  4. Em Lucas, Jesus aparece imediatamente fazendo a seguinte afirmação: Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me (Lc 9. 23 NVI). Em outras palavras: Não estou aqui para poupar a minha vida, e quem quiser se preservar de sofrer não serve para ser o meu seguidor. SE QUISERMOS ENTENDER A TRANSFIGURAÇÃO, PRECISAMOS ENTENDER O SENTIDO DESTAS PALAVRAS.
  5. O discurso de Cristo encerra-se com três promessas, a de sua vinda, a da justa retribuição no momento da vinda de Cristo, e a de que alguns dos que ali estavam não veriam a morte antes de verem o Reino de Deus (Mt 16. 27, 28; Mc 8. 38; 9. 1; Lc 9. 26, 27).
Reiteramos que este contexto é de suma importância para que possamos entender o relato da transfiguração.
 
O relato da transfiguração
 
Após os fatos outrora narrados, Jesus sobe ao monte na companhia de três dos seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Estes são os mesmos discípulos que os Evangelhos descrevem de forma inequívoca como sendo parte do círculo íntimo de Cristo. Eles estiveram com Cristo em seu momento de dor no Getsêmane (Mt 26. 37), por exemplo. No relato de lucas é acrescentado que a motivação de Cristo para subir ao monte com estes mesmos discípulos foi a de orar (Lc 9. 28). Para Mateus Jesus simplesmente se transfigurou (μετεμορφωθη) na presença dos discípulos. O termo em apreço vem do grego μεταμορφω (metamorfoo), do qual vem a nossa palavra Metamorfose. Esta é empregada por Mateus e por Marcos e no contexto teológico geral do Novo Testamento esta palavra denota a exposição do que há na essência do indivíduo. Em um conceito oposto ao empregado por Paulo para a expressão aparência (scheema - σχημα), que também pode ser moda, forma, maneira.
Lucas acrescenta que a transfiguração ocorreu no momento em que Cristo orava. και εγενετο εν τω προσευχεσθαι αυτον το ειδος του προσωπου αυτου ετερον, ou seja: Enquanto orava, a aparência de seu rosto se transformou (Lc 9. 29 NVI). Lucas evita empregar o termo μετεμορφωθη, por ser a palavra usada pelos gregos para descrever as transformações que os deuses da época faziam para visitar o nosso mundo. Nestas os deuses se manifestavam em figuras menores em dignidade, ao passo que com Jesus ocorreu o contrário, Ele revelou sua forma excelente. Daí a preferência deste evangelista pelos termos εγενετο (egeneto) e ετερον (heteron), que indicam que ele assumiu uma forma diferente da que tinha. Em outras palavras, o rosto de Jesus se tornou outro, e isto ocorreu durante o período da oração.
Lucas prossegue narrando que dois homens começaram a conversar com Jesus. Eram Moisés e Elias. E o tema da conversa era sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém (Lc 9. 30, 31 NVI). Mateus e Marcos apenas afirmam que Moisés e Elias estavam conversando com Jesus, ao passo que Lucas afirma que o tema da conversa eram fatos referentes ao sofrimento de Cristo. Quando olhamos para a vida de Elias e para o contexto no qual o mesmo se encontra inserido perebemos o quanto a mesma tinha relação com a de Cristo. Falaremos mais na seção abaixo.

Elias no contexto do relato da transfiguração

Quando olhamos para o contexto da transfiguração percebemos que ao perguntar aos seus discípulos a respeito da percepção que o povo tinha da pessoa de Jesus, o mesmo recebeu como resposta uma comparação com Elias e com outros profetas. Lucas e Marcos omitem da lista apenas Jeremias. O que se pode perceber desta enquete é que à vista do povo Jesus era um profeta (prophetoon - προφητων). A abundância de sinais em seu ministério talvez tenha levado o povo a compará-lo com Elias e a pregação de arrependimento à João Batista.
Mas Pedro teve uma percepção que apenas o Pai pode produzir, a certeza de que Jesus era χριστος ο υιος του θεου του ζωντος (Cristos hious tou Theou zoontos), o Cristo, Filho do Deus Vivo (Mt 16. 16). O termo χριστος (Cristo) equivale ao termo hebraico ־מְשִׁ֥יחַ  (Ha Mashia), indicando que as perspectivas bíblicas a respeito do Messias estavam se cumprindo na pessoa de Cristo. Esta percepção de Pedro, que lhe foi dada pelo próprio Deus, uma vez que apenas este pode revelar quem é o Filho, abriu o caminho para que se entendesse que Cristo era muito superior aos profetas.
Se Elias foi um porta voz de Deus em um momento de grave turbulência espiritual, Jesus foi a própria palavra encarnada. A visão de Elias e de Moisés falando dos sofrimentos de Cristo no Monte da Transfiguração aponta para a verdade de que os sofrimentos de Cristo foram preditos pela lei e pelos profetas. Infelizmente, somente após a ressurreição, os apóstolos vieram a entender tais palavras.
Os discípulos então perguntam a respeito das profecias referentes a uma nova vinda de Elias, ao que Jesus responde que este já tinha vindo, e que haviam feito de tudo com ele, e da mesma forma fariam com o Filho do homem. Aqui se faz necessário explicar que em nenhum momento se está falando de reencarnação, ou algo parecido. Primeiro, a antropologia bíblica é diferente da assumida pelos idealizadores da doutrina espírita. Segundo, o foco em todo o texto é a identidade de Jesus e os sofrimentos que ele terá de passar para concretizar a primeira etapa de sua obra. Ao ser perguntado se era Elias, o próprio João disse que não (Jo 1.23 - 27), dando a entender que sei papel se resumia a ser um precursor de Jesus. Quando Cristo afirma que ele, João, é o Elias que havia de vir (Mt 11. 14; 17. 10 - 12), o fez tendo em vista afirmar que nele estavam sendo cumpridas todas as expectativas criadas pelos profetas. Este é o foco do texto. Por último, nada no texto sugere a doutrina da reencarnação.

Conclusões

O texto da transfiguração foi inspirado pelo Espírito Santo aos três evangelistas sinóticos, a fim de que entendêssemos que os sofrimentos de Cristo foram vividos por Elias e Moisés, e desta forma a vida dos mesmos apontou para a de Cristo. Nada no texto, ou contexto sugere a doutrina da encarnação. A lei e os profetas profetizam a respeito de Cristo, quando este veio, a referência passou a ser o Filho amado. Que possamos ouvir a sua voz.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros
 

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