Pesquisar este blog

sábado, 2 de junho de 2018

O inferno somos nós uma apreciação



Em Abril ministrei uma palestra no espaço monografarte em Campo Grande a respeito do inferno na perspectiva de C. S. Lewis, que foi a temática do meu TCC em Ciências da Religião. Neste período tive de fazer muita divulgação e nesta atividade percebi o quanto o brasileiro em geral (resguardadas as exceções), lida com aquilo que julga conhecer, e na verdade, não conhece. Pior, há uma preocupação com a manutenção da doutrina do inferno à todo e qualquer custo, mesmo que não se faça a mínima ideia do que os textos bíblicos queiram dizer. 

Por inúmeras vezes tive de repetir que a maioria dos textos não é e nem pode ser literal, que o Pentateuco não traz ideia a respeito da vida do homem após a morte, que se a questão fosse fechada não haveriam grupos que desacreditassem da vida após morte no tempo de Jesus, e que nossa percepção sobre o assunto baseia-se mais em Platão do que nas Escrituras. E o mais importante, que creio na dimensão existencial do inferno, EMBORA NÃO POSSA MAIS CRER NESTE COMO UMA REALIDADE GEOGRÁFICA

Na medida em que faz as suas escolhas pessoais, o homem torna-se seu próprio inferno pessoal. A leitura conjugada de Crônicas de Nárnia, Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, e O Grande Abismo sugere algo mais interessante do que a fábula mítica corrente. O que se faz inferno, não é um ser humano pleno, mas o que sobra de um ser humano sucessivamente desconstruído por suas más escolhas.  

Recentemente passei por uma experiência ainda mais intrigante. Postei a fala da Monja Coen em um grupo "cristão". Em primeiro lugar, sou cristão. Segundo, o fato de o ser não me impede de apreciar o pensamento de outras religiões (algo que todo leitor de Platão e Sócrates faz por tabela, uma vez que o primeiro tem claras influências do orfismo [uma seita de mistério da religião grega, que apontava o caminho para a quebra do ciclo de encarnações], e o segundo inicia sua missão como filósofo após a consulta de Querofonte ao oráculo de Delphos]). Terceiro, entendo que caminho na verdade, que é Cristo, mas que nem o Pai, e nem o filho me deram o monopólio da verdade. 

A última das razões é a Teologia da Imago Dei, que insistem em varrer para baixo do tapete. Todo ser humano, por mais caído que seja, representa o domínio de Deus sobre a natureza, o Reino Dele, ninguém escapa. Mas a Teologia Reformada afirma que por ser a imagem de Deus em algum momento ele pode afirmar a VERDADE DE DEUS, como o faz com a ética, e as leis justas. 

A postagem da fala de uma budista foi o suficiente para mostrar que não estamos preparados para a cultura de paz. E tudo por conta do medo. Medo de que alguém faça confusão entre Cristianismo e Budismo, ou que ache que ele, o budismo é uma coisa boa, ou uma opção viável ao cristianismo. Sei que ambas as visões são destoantes, não concordo com tudo que os budistas dizem e falam, mas isto não me dá o direito de silenciar a verdade quando ela é dita por alguém, só porque esta pessoa não joga no meu time de coração. Por outro lado reconheço que um Cristianismo com base em discernimento é um caminho demasiadamente estreito. 

O livro? Reconheço que de ótima qualidade, me espanta a percepção que ambos possuem daquilo que entendo como sendo a verdade. Me assombra o conhecimento de Karnal a respeito da tradição cristã católica ocidental, prometo ler outros livros dele, tal como fiz com os de Luís Felipe Pondé, e faço com os de C. S. Lewis. 

A construção de uma cultura de paz, passa pela construção de uma cultura de não medo (a despeito de o medo funcionar em algumas ocasiões como um sinal de alerta de um perigo eminente), de uma cultura de maior ênfase no diálogo, do que na agressão. E para o diálogo, necessário se faz ouvir o outro, coisa que honestamente, nós cristãos (não sem razão, é claro), estamos nos tornando indispostos, em razão da militância errada que se tem praticado. 

Acho impressionante a noção de pecado original presente em ambos, na verdade no Budismo isto é ate´mais radical, visto que o problema não é algo externo a cada um de nós, mas nós mesmos (o que se aplica à questão da violência em todo o livro, visto que nos mesmo se afirma que toda reação violenta contra a violência é uma faceta do mal que trazemos em nós). Confesso não fecho de todo nesta questão, mas vejo aqui um ponto de intercessão, que viabiliza o diálogo entre cristãos e budistas. 

De minha parte resta orar para que o Espírito prometido nos encha de discernimento e nos capacite a distinguir entre o que é bom e o que mal, indistintamente dos r´tulos e embalagens com os quais ambos se apresentem a nós. Somente assim se supera a cultura de violência e se estabelece uma cultura de paz. Esta não demanda que se pense igual, que haja homogeneidade, mas que haja hermonia. Em música Harmonia é a execução simultânea de três notas. A diferença de ambas é mantida, mas a execução simultânea dá um novo colorido à melodia e ao ritmo. A paz funciona assim. 

Sobre a questão do inferno, cabe aqui mais um esclarecimento. Platão entendia o inferno como parte de uma dimensão supra lunar e para elaborar suas ideias usou categorias órficas. Santo Agostinho fez uma síntese de neo platonismo e tradição cristã e apontou o inferno como sendo o fim do projeto humano, mas aqui o inferno passa a ser simbolo de uma vida distanciada e privada de Deus. Lewis confere dimensão existencial, psíquica e social ao inferno, embora não descarte a tradição popular sobre o assunto. 

Sarte em sua peça entre quatro paredes afirma que o inferno são os outros. Karnal e Coen apontam que são os outros, mas também somos nós mesmos com nossos medos. Gays com medo de que políticos evangélicos instaurem uma nova idade média, evangélicos com seus medos de que gays instaurem uma ditadura que não permita a eles o exercício da pregação do evangelho, capitalistas com medo de socialistas, estes com medo daqueles e a dinâmica do medo não cessa. 

Me preocupo seriamente com meu futuro, e necessariamente com a minha eternidade, mas sei que esta decorre daquilo que estou construindo agora. Tal como no xadrez, para usar uma imagem de Lewis, o resultado final se desenha já nas primeiras jogadas. Não creio que os que vivem em guerra aqui gozem a paz no além. O desafio do cristão é muito mais pesado, demonstrar com a vida presente a realidade do Reino futuro. 

Aos que desejarem ler o livro fica aqui a minha indicação e o desejo de uma excelente leitura. Que Deus os abençoe. 

Marcelo Medeiros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço o seu comentário!
Ele será moderado e postado assim que recebermos.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Créditos!

Por favor, respeite os direitos autorais e a propriedade intelectual (Lei nº 9.610/1998). Você pode copiar os textos para publicação/reprodução e outros, mas sempre que o fizer, façam constar no final de sua publicação, a minha autoria ou das pessoas que cito aqui.

Algumas postagens do "Paidéia" trazem imagens de fontes externas como o Google Imagens e de outros blog´s.

Se alguma for de sua autoria e não foram dados os devidos créditos, perdoe-me e me avise (blogdoprmedeiros@gmail.com) para que possa fazê-lo. E não se esqueça de, também, creditar ao meu blog as imagens que forem de minha autoria.