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sábado, 25 de abril de 2015

A Tentação de Jesus



O presente post tem como objetivo uma breve incursão no relato de tentação conforme registrado no Evangelho de Lucas. Alguns problemas a serem colocados são: Qual é a essência da tentação sofrida pelo Salvador? Sendo Jesus plenamente Deus, por que se permitiu ser tentado por Satanás? Qual o propósito de Cristo ter sido tentado? São questões a serem refletidas e respondidas neste estudo.

O CONTEXTO DA TENTAÇÃO

Tanto no relato de Lucas quanto no de Mateus a tentação é trabalhada como algo que ocorre após o batismo de Jesus. Daí que na percepção do autor do deste post não seja viável uma compreensão da tentação sem uma compreensão dos fatos ocorridos no batismo de Jesus, sendo que para o propósito do presente estudo será considerado o relato de Lucas.
Ora, tendo todo o povo recebido o batismo, e no momento em que Jesus também batizado, achava-se em oração, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz: Tú és o meu filho eu, hoje te gerei (Lc 3. 21, 22 Bíblia de Jerusalém). 
Mas se o batismo de João era de arrependimento por que Jesus, que não tinha pecado (Jo 8. 46; Hb 4. 15), que fora gerado pelo Espírito Santo se batizou (Mt 1. 18 - 21; Lc 1. 35)? Instado por João, Jesus disse que convinha o cumprimento de toda a justiça (Mt 3. 15). Mas que Justiça é esta? Diante deste questionamento, é natural que os teólogos respondam que a justiça é o processo mediante o qual Cristo antecipa em seu batismo o seu papel como substituto do homem (II Co 5. 21).

Mas um detalhe destacado por Piper em sua Cristologia bíblica, ou evangélica, é a pobreza de Cristo. Esta se manifestou na ausência de bens, mas também na ausência de um nome. O milagre da concepção de Cristo é algo aparentemente fácil de ser entendido e aceito hoje, mas na época causou tamanho constrangimento que José quis deixar Maria em segredo [aqui]. Foi a intervenção do anjo que impediu tal empreitada.

Contudo, a revelação do anjo para José foi de teor pessoal, ao invés de público. Os comentários advindos do estranho fato de um filho gerado antes do tempo somente naquele dia serão revelados. Para todos os efeitos, no entendimento de Piper, é a de que fama de Jesus entre os judeus não era boa. Em um dos embates entre ele e Cristo, este os confrontou com as seguintes palavras: vós, porém procurais matar-me, a mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isso Abraão não fez. Vós fazeis a obra de vosso pai (Jo 8. 40, 41a Bíblia de Jerusalém). Diante da acusação os judeus lhe responderam: não nascemos de prostituição, temos só um pai, que é Deus (Jo 8. 41b Bíblia de Jerusalém). No entendimento de Piper, os judeus estão lançando em rosto a origem duvidosa de Cristo.

Mas independente do que se comentava a respeito de Cristo, Deus deu sucessivos testemunhos a respeito do seu Filho, conforme explicitado pelos autores evangélicos e pelo autor da carta aos Hebreus. O anjo falou com Maria, os anjos falaram com os pastores no campo, o Espírito falou com
Simeão, e com Ana, e agora, no momento do batismo vem uma voz do céu a fim de corroborar tudo o que já havia sido falado. Mas o que os fatos do Batismo têm a ver com a tentação em si? É esta pergunta que será respondida no próximo tópico deste breve estudo.

A TENTAÇÃO

A tentação possui:

  1. Um cenário (o deserto)
  2. Um agente da tentação (O Diabo, cujo nome significa caluniador, difamador), 
  3. um paciente (alguém que sofre a tentação, neste caso Jesus). 
  4. Os elementos
Cabe dizer que Cristo é plenamente Deus (Cl 2. 9) e plenamente humano (I Tm 2. 5). Como homem ele foi tentado tanto por Satanás quanto por outros homens (Mt 4. 1; 16. 1; Lc 4. 1), de forma que o autor sacro aos  hebreus acertadamente afirma que ele foi tentado em tudo, mas sem pecado (Hb 4. 15). 

Jesus, pleno do Espírito Santo, voltou do Jordão; era conduzido pelo Espírito através do deserto (Lc 4. 1). 

O texto diz que a tentação ocorreu imediatamente após o batismo de Jesus, após a experiência de ter ouvido a voz dos céus, de ter experimentado o Espírito Santo descer sobre ele em forma de pomba. Tentações ocorrem após grandes momentos de espiritualidade profunda. Foi isto que aconteceu com Jesus aqui, ao voltar do Jordão. 

Existem experiências espirituais que deixam uma sensação de vacuidade. Entretanto a experiência de Jesus no Jordão fez com que ele voltasse cheio, pleno do Espírito Santo, o mesmo que impulsiona sua vida ministerial. Em Atos Lucas faz questão de recorrer ao discurso de Pedro na casa de Cornélio, quando este afirmou: Sabeis o que aconteceu por toda a Judéia: Jesus de Nazaré, começando pela Galiléia, depois do batismo proclamado por João, como Deus o ungiu com o Espirito Santo e com poder, e ele passou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo (At 10. 37, 38 Bíblia de Jerusalém). 

Jesus foi conduzido pelo Espírito no deserto, ao longo da caminhada que fez do Jordão e no ermo. O Espírito esteve sobre Maria para que ele fosse concebido, esteve sobre Simeão para que este o reconhecesse, esteve sobre João Batista, a fim de que este preparasse o caminho para o Messias, e agora está sobre Cristo. 

Nada comeu nestes dias e passado o tempo, teve fome. Disse-lhe então o Diabo: se és o Filho de Deus manda que esta pedra se transforme em pão (Lc 4. 2, 3 Bíblia de Jerusalém). 

A necessidade associada à fraqueza oriunda da fome, foi a oportunidade vital que o adversário empregou para tentar a Cristo. Foram situações similares a esta que levaram o povo de Israel a sucumbir no deserto. Mesmo diante das inúmeras demonstrações de poder e dos sinais e maravilhas no Egito, eles murmuraram diante do mar, em Elim e por toda a caminhada. A falta de memória mina a resistência humana diante da tentação. 

Com a primeira proposta e com a última (segundo o relato de Lucas), o diabo quer colocar em xeque a filiação de Cristo. Se és o Filho de Deus, é mais do que uma dúvida capciosa, é um desafio à deidade de Cristo que se repetiu quando os fariseus afirmaram que Jesus expulsava demônio por Belzebú (Mt 12. 22ss), e não satisfeitos com a resposta que Cristo lhes deu, lhe pediram um sinal (Mt 12. 38), quando na controvérsia com os judeus estes lhe perguntaram se ele era maior do que Abraão (Jo 8. 53), quando na cruz os seus algozes o desafiaram a descer (Mc 15. 31, 32). 

Somente a experiência do Jordão, e a do monte da transfiguração habilitaram Jesus a manter sua identidade e resistir a primeira insídia do diabo. Não é nada incomum acreditar que o Espírito testificou para Cristo publicamente e intimamente a sua filiação com relação ao Pai. De sorte que ele não se viu forçado a fazer sinais, com vistas a comprovar sua filiação divina, nem para o diabo, e nem para os seus adversários políticos. 

Replicou-lhe Jesus: Está escrito: não só de pão vive o homem (Lc 4. 4 Bíblia de Jerusalém). 

O homem precisa de pão para se alimentar, é claro, mas ele não depende exclusivamente do pão. a vida é dada e sustentada por Deus. E Jesus disse: pois a vida é mais do que o alimento e o corpo mais que a roupa (Lc 12. 23 Bíblia de Jerusalém), dizendo com isto que viver é muito mais do que comer e vestir-se. 

A citação do Deuteronômio revela que, ao contrário da disposição de povo de Israel, Jesus se abandonará radicalmente à providência divina, confiando exclusivamente no Pai. Viver para Jesus é partilhar da vida que ele tinha junto ao pai desde antes da fundação do mundo. 

O diabo levando-o para mais alto, mostrou-lhe num instante todos os reinos da terra e disse-lhe: Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem quiser. Por isto, se te prostrares diante de mim, toda ela será tua (Lc 4. 5 - 7 Bíblia de Jerusalém). 

Se na tentação anterior o Diabo apelou para a concupiscência da carne, nesta ele apela para a concupiscência dos olhos. Ele busca usar a glória dos reinos do mundo com o intuito de seduzir a Jesus. De fato os reinos deste mundo constituem uma sedução aos homens. Mas é preciso escolher entre a glória de Deus e a dos homens, pois a amizade ao mundo é inimizade contra Deus (Tg 4. 1 - 4). 

Em sucessivos textos Satanás é descrito como sendo o príncipe deste mundo (Jo 12. 31; 14. 30; 16. 11), Paulo faz menção deste como sendo o deus deste século (II Co 4. 4) e João afirma que o mundo está sob o poder deste (I Jo 5. 19). Embora a terra seja propriedade do Senhor (Ex 19. 5, 6; Sl 24. 1), por direito de criação, os sistemas políticos deste mundo estão sob domínio de Satanás, tanto que o mundo rejeitou a Cristo. 

O preço que o diabo pede de Cristo para que ele alcance o Reino sem a cruz é tão somente que este se prostre aos seus pés e o o adore. Cristo responde que somente a Deus cabe a adoração. Está escrito: adorarás ao Senhor teu Deus, e só a ele prestarás culto (Lc 4. 8 Bíblia de Jerusalém). Novamente Jesus responde com as palavras do Deuteronômio. 

Conduziu-o depois a Jerusalém, colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se tu és o filho de Deus atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem aos teus anjos a teu respeito para que te guardem. E ainda: eles te tomarão pelas mãos para que não tropeces em nenhuma pedra. Mas Jesus lhe respondeu: foi dito: não tentarás ao Senhor teu Deus. Tendo acabado toda a tentação o diabo o deixou até o tempo oportuno (Lc 4. 9 - 13 Bíblia de Jerusalém). 

De diferente nesta tentação é o local. Ela se dá em Jerusalém no pináculo do templo, que segundo Vincent é o pico, ou a região pontiaguda de uma torre, que distava de uma altura de aproximadamente cento e quarenta metros do vale de Cedrom. Aqui a filiação é associada com o fazer com que Deus atenda o homem nos mínimos caprichos. 

Outro fator é o uso das Escrituras fora de contexto, e pior, Jesus de fato, poderia ter feito com que anjos o socorressem caso ele se lançasse, e mais, devida a ênfase que este lado da construção, é possível que além de popular ela fosse muito frequentada. Novamente Cristo responde com as palavras do Deuteronômio não tentarás ao Senhor teu Deus. Tentar aqui é desafia-lo de forma a tentar fazer com que ele faça aquilo que o ser humano quer que ele faça. 

CONCLUSÃO

A tentação de Jesus é a tentação de cada crente, de cada servo de Deus. As necessidades mais básicas constituem fonte de tentação. Mas a sede de poder e glória também o é, e a sensação de controle sobre o sagrado é a pior tentação. Cair nesta produz o maior tipo de pecado. Mas a vitória de Cristo deixa uma lição que é corroborada em sua vida. Ele venceu o diabo na cruz, e podemos vencer também. 

Marcelo Medeiros. 


2 comentários:

  1. "Tentações ocorrem após grandes momentos de espiritualidade profunda".

    Seria a vontade expressa do autor determinar um marco inicial, caracterizando que a tentação ocorre após uma experiência espiritual e tão somente profunda?

    Tentações não podem ocorrer antes e durante a inicialização nesse momento de espiritualidade?

    Se a tentação ocorre após grandes momentos de espiritualidade, ninguém em sã consciência desejará buscar ou submeter a essa experiência espiritual. Caso assim seja, qual seria o papel da tentação nesse contexto?

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  2. No caso de Elias, e dos discípulos de Cristo, percebo que assim se dá. Igualmente em relação a Jesus, basta ler o texto.

    Sobre o submeter-se às experiências espirituais, eu diria que simplesmente somos pegos por elas.

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