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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A Pedagogia de Sócrates



Sócrates foi o primeiro personagem filosófico com o qual me fascinei, e confesso que até hoje ele exerce extremo fascínio sobre mim. Tanto que em meus primeiros trabalhos na faculdade de Pedagogia ele foi tema. Mas por que falar nele neste momento? Os tempos atuais exigem que se faça reflexão filosófica. O Escola sem partido trouxe à tona uma gama de discussões a respeito. É possível uma educação apolítica, apartidária, ou neutra do ponto de vista ideológico? Creio que a resposta seja não. Mas como a leitura de Sócrates pode contribuir neste processo? 

A leitura do livro O que é Educação, da coleção primeiros passos, traz o conceito de Educação como sendo todo processo de compartilhamento e transmissão de saberes entre os homens, podendo variar do ensino da pesca na tribo até a aula na Escola moderna. Mas a base é a convivência humana e as relações decorrentes da mesma. Envolve diálogo e troca. É aqui, creio eu que entra a pessoa, ou a figura de Sócrates. Mas antes de falar deste personagem, necessário se faz apontar uma outra questão e para tal abrirei outro parágrafo. 

A Educação existe para atender as demandas de uma sociedade. Foi assim em Esparta, em Atenas, na diáspora judaica e na sociedade industrial. Na Atenas de Sócrates a necessidade maior estava para a formação do homem político, que deveria ser capaz de discursar na ágora e em demais espaços públicos e defender suas idéias. Mas uma das mazelas deste período foi a ascensão de um público que parecia saber algo, mas na verdade não sabia tanto. 

O nascimento da Filosofia socrática tem a ver com a consulta de Querofonte ao oráculo, e em resposta este recebe a seguinte fala: Socrates é o mais sábio dos homens. Se tal, fosse aceito irrestritamente, não haveria Filosofia e creio que nem educação. Mas foi o espanto diante da fala do amigo que o levou a investigar. A dúvida diante da sabedoria a ele atribuída pelo oráculo e a certeza de que nada sabia o levaram a investigar. 

O método socrático é conhecido como maiêutica, na perspectiva dele o conhecimento era uma forma de parto. A leitura que faço da metodologia é a de que tal como ocorre no parto, que é precedido por contrações incômodas, o conhecimento traz dor, e isto em razão de nosso primeiro conhecimento é o de nossa ignorância. É este saber que abre espaço para os demais saberes. 

O modo escolhido por Sócrates para fazer o parto do conhecimento era o diálogo dirigido por perguntas formuladas de forma tal e fazer o interlocutor perceber a sua ignorância. O método desagradou de forma tal que Aristófanes compôs uma peça em que Sócrates era comparado a uma mosca que voava em um jantar pousava na comida e incomodava a todos. A ironia procede pelo fato de que a maioria dos diálogos de Platão em que a figura de Sócrates é trabalhada, este aparece em banquetes e conversando.

A pedagogia de Sócrates tem como base o diálogo, a fala, mas não uma fala sem a mínima diretividade, marcada pelo suposto espontaneísmo de teorias educacionais recentes. Mas a fala direcionada a fim de que o interlocutor perceba sua ignorância. Pascal afirmou que existem pessoas que nada sabem, e há pessoas que estudam até constatar que nada sabem e com isto passam da ignorância não sabida para uma ignorância esclarecida. O problema, prossegue o filósofo, está com quem fica na metade do caminho

Nas minhas experiências pessoais não tenho tudo problemas com especialistas. E lido com gente das mais distintas áreas do saber: psicanálise, história, psicologia, música, medicina, Teologia, Filosofia e não percebo nestes a tão propalada arrogância. Meu maior problema é com gente que lê mau, interpreta mau minha escrita e não sabe conceituar termos. Gente que transparece nunca ter lido, ou consultado verbetes nos dicionários da língua portuguesa. 

Voltando às palavras de Pascal, poderíamos afirmar que o problema se dá, ou dá-se, com indivíduos de conhecimento mediano. Se na época de Sócrates o problema era com quem era treinado na arte argumentação, ainda que sem ter conteúdo, o problema atual é com quem tem formação rasa e baseada em memes, vídeos de internet e afins. 

Eu creio na maiêutica socrática e no diálogo como ferramenta educacional, a despeito da barbárie que tem se instalado. Por mais incrível que isto possa parecer perguntar ainda é o caminho. A diferença básica é que todo desvelamento da ignorância própria e alheia é ofensiva, nas redes sociais isto é mais verdadeiro do que nunca. Tenho percebido a diferença de comportamento no público e no privado, no pessoal e no olho à olho. Mas a gente segue perguntando, falando. 

Contudo, sei que educar é uma ação dolorosa, para quem gosta de educar/ensinar e para quem tem de lidar com uma mosquinha que não é bem vinda, mas que teima em posar na sopa alheia. minha percepção é a de que para uma esmagadora parcela de pessoas a vida seria interessante se fosse um banquete, mas ninguém toasse a palavra e muito menos fizesse perguntas. Às vezes no ambiente educacional o aluno questionador, indagador que faz as intervenções não é bem vindo. 

Masa  despeito do que foi escrito acima minha crença ainda permanece. Me identifico profundamente com perguntas. Sou cristão, leitor de Filosofia e de Bíblia e tanto Deus como seus eleitos amam fazer perguntas, e amam ainda mais deixar algumas delas em suspense. Talvez seja esta similaridade entre o pai da filosofia grega e Deus/Jesus a causa da admiração pelo Filósofo em apreço. É curioso que Deus ame tanto fazer perguntas e a galera que afirma seguir ele não gostar muito. 

Marcelo Medeiros, Pedagogo, Especialista em Ciências da Religião e em Docência da Teologia e da Filosofia. 

2 comentários:

  1. Essa síntese muito bem trabalhada é uma obra que sempre será atual. No entanto, tenho percebido um grande desafio na educação que embora essa evidência era apresentada nos comportamentos infanfis, hoje, mais do que nunca muitos adultos passam pelo mesmo processo que é se construir nessas supostas verdades apresentadas nas redes sociais. Sendo assim, o educador encara o desafio árduo primeiro em descinstruir os mitos para que a partir daí, comece a construir o pensamento crítico e o raciocínio lógico.
    Excelente texto!!!
    Junnior Fugazzy

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  2. Acabei de plintar a tela pra ler que Deus abençoe sempre pastor Marcelo Medeiros!

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