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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O perigo da Busca Pela Autorrealização Humana



Ao longo desta série de Estudos venho tratando de uma questão pontual para Tiago, o pecado. Ele está presente na concupiscência que age como um caçador de forma a atrair e ludibriar o indivíduo (aqui). Ele, se manifesta nas atitudes e gestos mais triviais que se pode perceber, tais como a acepção de pessoas (aqui), e no mau uso da língua (aqui e aqui). Mesmo a sabedoria humana pode vir a se perder, se guiada e orientada por sentimentos animais, terrenos e diabólicos (aqui). Hoje abordarei como os desejos prejudicam os relacionamentos na Igreja. 
De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês? (Tg 4. 1 NVI). 
É uma pergunta intrigante, com uma resposta ainda mais instigante. Fato é que em consonância com boa parte do que já afirma a filosofia grega, Tiago afirma que a guerra (polemoi [πολεμοι]) bem como as contendas (machai [μαχαι]), tem como principal causa os desejos que guerreiam nos membros do destinatário. 

Segundo MacArthur o emprego de πολεμοι e de μαχαι por Tiago indica que que ele esteja falando de conflitos externos interpessoais, jamais de embates intrapessoais. O termo paixões é a tradução mais exata de ηδονων (hedonoon), palavra da qual vem  o termo hedonismo, que é uma doutrina moral que considera o prazer como sendo o alvo principal da vida. Em outras palavras ao eleger o prazer como o alvo máximo da vida o indivíduo acaba por se submeter a todo tipo de guerra entre os membros que compõem o corpo e guerras interpessoais. 

O verbo guerrear é a tradução do verbo grego στρατευω (strateioo), do qual procede a palavra estratégia, que em termos práticos e contextuais é a habilidade individual de empregar a astúcia, sagacidade e esperteza a fim de conseguir algum objetivo. Em outras palavra a concupiscência faz  om que o indivíduo trame o que necessário for para atingir a satisfação daquele desejo. 
Vocês cobiçam coisas, e não as têm; matam e invejam, mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e a fazer guerras. Não têm, porque não pedem  (Tg 4. 2 NVI). 
Dar vazão a concupiscência não é sinônimo de realização. O curioso neste caso é que os gregos tinham um conceito de felicidade, que não aparece nas Bíblia, a eudaimonia (έυδαιιμονια), cujo sentido é o de supressão dos desejos sob a orientação do daimon. Fato é que as negativa externa do desejo faz com que as pessoas matem e invejem, em outras palavras, alimentem toda sorte de sentimentos ruins umas para com as outras. 

Tal como ocorreu com Caim, o fato de se deixar ser levado pela inveja e intentar contra o outro é tão perverso quanto o homicídio. Geralmente os escritores bíblicos empregam ζηλον (zeelon), para se referirem ao ciúme, ou a emulação.alguns autores entendem que esta seria a terminologia mais aplicável neste contexto. 

Tanto a inveja quanto o ciume, que são tratados pela psicologia moderna como afetos bem próximos são danosos. O mais curioso é que nosso mundo midiático estimula ao máximo tais sentimentos, ao apresentar artistas, atores, e demais homens e mulheres bem sucedidos como padrão de bem estar e de felicidade, quando na verdade tanto o caminho para esta felicidade quanto a realização em si são dolorosas, visto que o homem pode ganhar o mundo, mas perder a alma no meio do caminho. 
Não têm, porque não pedem. Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres (Tg 4. 2, 3 NVI).
O verbo grego αιτέω (aiteoo) é empregado para a realização de pedidos e no contexto do Evangelho, para os pedidos em oração. Neste caso, como a oração é motivada pelo ciúme, pelo desejo que o que faz a prece tem de se assemelhar ao outro, ou de ter aquilo que o outro possui, esta não é atendida. Neste contexto o pedir mal nada tem a ver com o fato de orar sem fazer as devidas especificações, como se Deus precisasse de tais expedientes para atender ao crente. 

A verdade bíblica é que ele, Deus, conhece aquilo que todo e qualquer crente necessita e precisa antes mesmo que estes peçam qualquer coisa para ele. Davi afirma categoricamente: antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor  (Sl 139. 4 NVI). E Jesus ao ensinar aos seus discípulos a respeito da oração lhes garantiu: o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem (Mt 6. 8 NVI). 

O pedir mal conforme o próprio texto sugere consiste no pedido feito com fins hedonistas, visto que prazeres, ou deleites, é a tradução do termo ηδοναις (hedonais). Todo pedido que tem um fim como o descrito nas linhas acima é motivada por um desejo mal, o que traz rejeição à oração. 
Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus (Tg 4. 4 NVI). 
Com base no entendimento dos versos anteriores, afirmo que o adultério aqui consiste no fato de o crente colocar a busca pelo prazer acima da busca pessoal por Deus. Na sátira Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, C. S. Lewis coloca na boca de Fitafuso uma fala que revela um conceito interessante, qual? O de que todo prazer na verdade emana de Deus, e quando aquele ao invés deste se torna um fim em si mesmo, o homem se perde em uma busca desenfreada. O mais interessante é que a estratégia do inferno é fazer o homem buscar cada vez mais prazer fora de Deus e obter uma satisfação cada vez menor. 

Tal ato é um adultério porque altera a essência do homem, que foi criado para ser movido por Deus, e somente por este. Ao alterar tal característica humana, ocorre uma falsificação do ser e do indivíduo. Mais importante ainda é o fato de que esta é a linguagem espiritual que os escritores do Antigo Testamento usam para se referir ao Israel infiel como se o mesmo fosse uma prostituta (Jr 2. 20; 3. 1, 5, 8, 9; Ez 16. 26 - 29). Jesus se referiu à sua geração como sendo adúltera e perversa (Mt 12. 39; 16. 4). 

Agora convém perguntar: em que sentido a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Existem quatro sentidos para a palavra mundo

  1. No sentido clássico é o universo físico (Sl 24. 1; Jo 17. 5)
  2. A ordem das coisas que tem o homem como o seu respectivo centro - é neste sentido que se fala em consumação do mundo (Mt 13. 38; Jo 16. 21). 
  3. A humanidade (Mt 18. 7; Rm 3. 19). 
  4. Uma ordem de coisas separadas de Deus, que tem Satanás como o seu príncipe (Jo 12. 31; 14. 30; 15. 18, 19; I Jo 5. 19). 
Tiago está se referindo neste texto ao mundo conforme falado por Jesus e por João que disse: 
não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo — a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens — não provém do Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre (I Jo 2. 15 - 17 NVI). 

 O homem que se entrega à sua concupiscência e abraço o presente século é tão adúltero quanto a nação de Israel o foi em seu sincretismo. 
Ou vocês acham que é sem razão que a Escritura diz que o Espírito que ele fez habitar em nós tem fortes ciúmes? (Tg 4. 5 NVI). 
Este ensino, na verdade é uma combinação de textos do Antigo Testamento, visto que tal citação não é encontrada como tal na tanakh. via de regra a tendência comum é interpretar tal texto como se aqui fizesse uma menção ao Espírito de Deus, nutrido ciúmes pelo crente em razão de sua infidelidade. Ao meu ver tal interpretação não é de todo má, visto que nas mesmas Escrituras se afirma que Deus é ciumento. 

Foi Davi Stern quem propôs uma interpretação antagônica a esta, ao afirmar que na verdade este texto não faz menção ao Espírito de Deus, mas ao espírito decaído do homem, que o faz desejar as coisas do mundo. O que pode ser confirma do pelo emprego textual que Tiago faz do termo e pela afirmação posterior, de que Deus concede maior graça. A alma do perverso deseja o mal, nem o seu vizinho recebe dele compaixão (Pv 21. 10 NVI). 
Mas ele nos concede graça maior. Por isso diz a Escritura: "Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes" (Tg 4. 6 NVI).
Quando leio neste contexto que Deus concede graça maior, entendo que a graça que Deus dispõe ao crente é maior do que a natureza pecaminosa do mesmo. É como foi dito por Paulo ao afirmar que onde abundou o pecado, superabundou a graça (Rm 5. 20). A própria compreensão de que o desejo desenfreado pelo mundo é pecaminosa é fruto da graça de Deus. 

Tiago emprega o termo αντιτασσεται (antitassetai), do qual vem a palavra antítese, para se referir à oposição que Deus faz em relação ao soberbo. υπερηφανοις  (hupereephanois) é possivelmente a junção de υπερ (= acima) + ηφανοις  (=mostrar-se), em outras palavras o soberbo é aquele que se mostra, e a julgar pelo contexto aquele que se mostra possuidor de bens. Face ao exposto convém que o crente pondere sua vida a partir destas últimas recomendações de Tiago:

  1. Resistindo ao dibo, que neste contexto se faz presente na natureza decaída do homem (Tg 4. 7)
  2. Procurando maior proximidade em relação a Deus (Tg 4. 8 ). 
  3. Buscando pureza espiritual (Tg 4. 8)
  4. Eliminando toda a duplicidade (Tg 4. 8). Aqui aparece o mesmo termo διψυχοι (dypschoi), duplicidade de mente.
  5. Buscando pureza (II Co 7. 1; Tg 4. 8)
  6. Arrependendo-se (Tg 4. 9)
  7. Humilhando-se diante de Deus (Tg 4. 10). 
Em Cristo, Marcelo Medeiros

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