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sexta-feira, 19 de março de 2021

Viver, ou acumular? Qual o Sentido?

 



O leitor minimamente informado saber que estamos no meio de uma crise. Há alguns anos vivemos uma crise econômica, política, institucional, moral, e agora sanitária em decorrência do COVID-19. Períodos críticos como este costumam gerar uma série de propostas visando solucionar a crise. O neoliberalismo econômico é uma destas propostas na atualidade. 

A visão neoliberal tem sido reforçada por meio do senso comum (aquele tipo de conhecimento não crítico, não sistemático, e que não leva em conta as contradições internas das afirmações que faz). O senso comum se soma aos casos de corrupção da esquerda, ainda que não sejam exclusivos desta, mas em razão da infelicidade que um partido teve de se corromper em meio a uma crise econômica mundial. O resultado foi uma corrupção que fortaleceu ainda mais o neoliberalismo que vinha sendo praticado desde Fernando Henrique Cardoso, e por que não desde Collor? 

Uma das narrativas que vem sendo fortalecidas é a de que por mais de trinta anos vem sendo praticado por aqui uma estratégia comunista, mas esta narrativa demanda um post à parte. Esta é uma das piores confusões que se pode ver. Passei recentemente pela experiência de Ministrar aulas de Sociologia da Religião em uma Igreja, cujo nome prefiro preservar. 

Aulas de Sociologia, ou Sociologia da Religião demandam a menção dos Sociólogos clássicos: Max Weber, Émile Dürkheim, e o "famigerado" Karl Marx. Não faltaram perguntas do tipo: "onde as ideias de Marx deram certo?", típica coisa de reprodutor de ideologia de direita. Mas não é isto que me espanta. O que me assusta na verdade é outra coisa. 

Me espanta as pessoas não perceberem algo tão claramente percebido por Ricardo Gondim em seu livro Igreja no Século Vinte e Um, que as utopias desde a platônica até a marxista não são projetos de engenharia social a serem executados à risca. Errado por errado, pode-se dizer que o sonho do rei filósofo de Platão foi frustrado quando o jovem Dionísio recusou tal papel, antes deliberadamente preferiu ser um dos mais cruéis tiranos e a perseguir seu próprio professor. 

As utopias são, ao mesmo tempo, uma crítica à situação atual e uma espécie de horizonte. Platão com sua República, Francis Bacon com sua nova Atlântida, Thomas Morus são exemplos de Utopias. Elas nunca tiveram a intencionalidade de virem a ser realidades concretas. No caso de Platão a República serve de crítica aos vícios da democracia ateniense. No caso de Bacon, o que se critica é a mentalidade "supersticiosa" e tendenciosa aos dogmas. Em Morus, como o próprio a avaliação se dirige à proposta de Bacon e à estrutura social que termina por formar a marginalidade. 

Todas estas utopias são aqui mencionadas a fim de se ilustrar o que vem agora pela frente. Uma utopia pouco conhecida e pouco mencionada, devido à sua penetração no senso comum, é o liberalismo clássico de Adam Smith. Não percebo ninguém se perguntando onde ele deu certo, onde se concretizou e coisas do tipo. 

Thomas Malthus, David Ricardo são apenas alguns dos críticos do liberalismo de Adam Smith, que por sua vez é descrito por Robert Heilbronner como sendo uma espécie de escada giratória onde as pessoas vão se revezando no topo, o que é imediatamente negado naqueles autores. Para Ricardo, a realidade era que quem chegava ao topo retirava a escada para inviabilizar a chegada dos demais ao topo. 

Com esta afirmativa atribuída a Ricardo, pode-se dizer que ocorre aqui uma antecipação da segunda fase do liberalismo, onde a livre concorrência cede lugar aos monopólios. Este é por definição o controle exclusivo de toda ou de quase toda a atividade comercial, industrial ou de exploração de um produto ou serviço, em que uma pessoa ou companhia afasta ou torna praticamente impossível a possibilidade de concorrência por outras companhias.

Isto se toronou prática e Edgar Morin aponta para algumas oligarquias que parasitam e aparelham o Estado, exercendo domínio sobre a esfera legislativa, a fim de garantirem para si o controle das produções industriais e agrícolas, além do setor de serviço. Uber, Amazon e Google são algumas das empresas citadas pelo filósofo em apreço. 

Ressalto aqui apenas algumas das contradições para exemplificar o que passo a dizer daqui em diante.A imagem acima traz uma importante questão a respeito do modo de vida que vivemos. Acumular nem sempre é compatível com o viver. Conforme dito acima não faltam líderes na atual conjuntura afirmando que a Bíblia é um livro de direita. 

Eu gostaria de perguntar para estes líderes (caso eles tivessem o mínimo de honestidade para admitir), como eles conciliam esta afirmação com a a fala de Jesus nos Evangelhos de que a vida do homem não consiste na abundância dos bens que possui, ou ainda aquela fala que afirma a inviabilidade de servir a dois senhores, e a sentença fatal: ou servirmos a Deus, ou ao dinheiro (neste contexto chamado de Momon). 

Uma das ideias centrais do livro de Eclesiastes é a de que se o homem acumula bens, mas não desfruta dos mesmos, tal acumulação é vaidade. Quando se pondera tal afirmação com a Parábola de Jesus a respeito de um homem cuja colheita rendeu a cem por um, pode-se constatar que no período em que os textos bíblicos foram escritos havia a expectativa de acumulação para a fruição em dado momento da vida. 

A crítica de Jesus no Evangelho de Lucas (ou da comunidade lucana), se dirige ao fato de que o momento aguardado para a fruição pode chegar, ou não. Aqui aparece a verdade de que o homem não possui poder para reter seu fôlego de vida, e que a morte pode interromper seus projetos. Segue-se que no lugar de alimentar projetos incertos o homem deve procurar a viver a vida da forma mais intensa e legítima possível . 

Para o pregador esta vida consiste em usufruir daquilo que se conquista. Para Jesus a verdadeira vida consiste em viver para o chamado do Evangelho. A comunidade de discípulos do primeiro século entendeu que o homem pode ganhar o mundo e perder a própria vida. Perder a vida aqui é deixar de viver com sentido. Tem de ter algo que dê sentido à vida. 

Dar sentido existencial à vida é muito diferente de arrumar distrações para a vida. Distrair é o ato de desviar a atenção de algo. As distrações e divertimentos servem para nos fazer esquecer situações desagradáveis ao longo do dia, ou até mesmo a própria vida. Acumular na expectativa de que a simples acumulação nos dará algum tipo de realização (no caso o acesso aos bens de consumo), é na concepção de Edgar Morin uma forma de divertimento (distração). 

Na leitura que Morin faz de Pascal, é por meio da acumulação de capital que o homem se distrai de sua condição existencial, em outras palavras, deixa de pensar na sua vida, na sua morte, na sua fragilidade. Você pode achar que tais pensamentos são indesejáveis, mas eles são o meio para a obtenção da sabedoria que pode carregar a vida de sentido. 

Na fala de Cristo damos sentido à vida na medida em que seguimos ao seu exemplo de autonegação pessoal, de esvaziamento e procuramos viver uma vida simples, ainda que isto incorra em marginalização (ser colocado à margem da sociedade pelos representantes do poder político e econômico e político da atual sociedade). 

Tanto Syne quanto Jonh Stott, defendem um modo de vida simples. Não se trata de defender aqui uma caricatura do Socialismo, onde uns poucos enriquecem e a grande maioria empobrece. Não é uma reedição da teologia franciscana. É entender que uma vida consumo, não significa necessariamente uma vida plena. Um entendimento inviabilizado pela Teologia da Prosperidade e pelo calvinismo estadunidense. 

Percebo de forma cada vez mais clara que tanto o Calvinismo estadunidense quanto a Teologia da Prosperidade em si são Teologias que a atendem aos desejos mau elaborados de nossa geração. Uma grande descoberta da Ética clássica foi a ideia de que não realizamos todos os nossos desejos. Mas voltemos a pergunta do post.

O que é viver? Viver consiste em fruir dos recursos que temos, das dádivas (leia-se dons) que recebemos. Viver é realizar com o máximo das nossas forças tudo aquilo que a oportunidade nos coloca à mão, sem perder de vida que em algum momento a vida que fruímos hoje será retirada. O pregador afirmou que há um tempo para tudo. Sim, tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer

Se a vida é a fruição plena dos dons e dádivas de Deus, e o ato de saber viver cada instante, a morte é a ausência desta condição. Uma vida voltada para a acumulação não permite o desenvolvimento de sabedoria, de projeto, de conhecimento, de obra de nada. Os homens não percebem, mas quando o sentido da vida é a acumulação pela acumulação, a realidade se torna uma espécie de limbo (o vulgo Sheol hebraico). 


Marcelo Medeiros. 

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