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segunda-feira, 29 de março de 2021

Vamos Falar mal de Servidor Público?




Este post segue a série que contempla a crise do corona sob os aspectos políticos, sociais, econômicos e institucionais. Falo isto porque no bojo da crise sanitária ocorreu uma reunião de portas fechadas no palácio, cujo conteúdo foi publicado em decorrência dos embates entre o juiz Sérgio Moro e o então chefe maior do poder executivo. 

Nesta reunião, que em momento algum traçou estratégias de combate ao corona vírus, foram proferidas falas horripilantes, dentre as quais destaco aqui as do ministro Ricardo Salles que propunha aproveitar o momento da crise para passar a boiada. Boiada aqui são medidas que permitam a exploração de regiões de proteção ambiental, para a exploração, seja do agronegócio, seja de minérios. 

Em seguida vê-se a fala do então ministro da economia, Paulo Guedes, falando em aproveitar o momento para colocar uma granada no bolso do inimigo. A granada aqui consiste em um pacote de medidas que visa a diminuição dos salários dos servidores, como meio de amenizar a crise. Desnecessário lembrar aqui que não foram tomadas tais medidas ainda em razão do caráter ilegal, quiçá inconstitucional das mesmas. 

Na atual situação primeiro tem de ser reduzidos os salários dos servidores cujos cargos são decorrentes de indicação, para então chegar aos concursados. Mas o que isto tem a ver com a crise do corona? Face à nova sindesmia a proposta tem sido colocada novamente na pauta de prioridades. Escrevi a respeito da referida reunião neste post aqui

Faço menção á mesma em razão de observar que existe em nossa sociedade uma cultura que marginaliza e estereotipa o funcionário público, nas palavras de Ghiraldelli Jr, como se fosse possível viver em qualquer sociedade sem serviço e sem servidor público. Este foi uma verdade que a crise do Covid trouxe à tona. O exemplo máximo foi a presença do conservador liberal Mandeta no ministério da saúde. Ao sair, por divergências com o atual presidente, por conta da forma de tratamento a ser dada à crise sanitária, ele elogiou o SUS. 

Sim amigo, sem o SUS a crise estaria muito, mas muito pior do que se possa imaginar. Sem servidores públicos igualmente. Duvida? Me permita dar um exemplo de como isto funciona. Lembra do professor da Escola Pública? Vou lembrar é aquele indivíduo que faz concurso público (uma bateria de exames, que passa por questões intelectuais, morais [visto que servidor tem de comprovar conduta ilibada através da ficha negativada dos ofícios] e sanitárias), com fito de dar aulas, mas que na verdade termina atuando como a babá do filho, para que os pais possam trabalhar. 

A despeito da importância social deste profissional, ele ainda foi acusado por pessoas que não fazem parte do processo educacional e nem possuem formação para tal, de ser um ideólogo a serviço do comunismo, um doutrinador e coisas do tipo. Mas quando veio a pandemia/sindesmia boa parte das famílias teve de conviver com seus anjinhos dentro de casa, e os que ficaram com seus trabalhos tiveram de conciliar o regime de home office com a criação e cuidado dos filhos, este profissional teve sua ausência notada. 

Paramos por aqui? Não! Lembra dos "famigerados" policiais militares? É útil recorrer ao exemplo desta classe. Agora preciso trazer à memória um fato ocorrido anos atrás em decorrência de um movimento grevista nas policias militares do Brasil. Não pretendo entrar no mérito do direito de greve desta mesma classe (para isto temos os juristas Brasil afora). 

O que quero afirmar aqui é que na ausência da polícia o caos se instaurou de forma tal (vejam o Exemplo do Estado do Espírito Santo) que não faltou quem falasse que mesmo a sociedade não gostando de policiais, estes eram a última barreira entre a sociedade e a barbárie. Cabe lembrar aqui que policiais civis, federais e militares são funcionários públicos. 

Há muito que melhorar no serviço público? Há! Mas o fato de o serviço público ser passível de melhorias efetivas não nos dá a licença para prescindir nem do serviço e muito menos do servidor. A grande ironia é que a não percepção deste elemento é indicador da mistura entre uma mágoa social que se espalha na sociedade e a ideologia neoliberal de que o mundo funciona melhor com a ausência do Estado. 

No artigo anterior (veja aqui), expus algo que os seguidores das ideias de Hayeck e Mises insistem em ignorar. O Estado é a ultima barreira contra a barbárie. Colocar o indivíduo acima da sociedade equivale ao retorno da lei do mais forte. Aqui acrescento que os serviços públicos e privados se guiam por regras similares de administração, com o agravante de que a lógica que segue a iniciativa privada é a do lucro, que não necessariamente implica em serviço de qualidade. 

Quer uma prova? Veja nosso serviço de telefonia e de transportes públicos. São uma porcaria. A única melhora perceptível em ambos é a decorrente do avanço tecnológico. Por exemplo a OI oferece serviços de internet banda larga, e os carros da Supervia possuem ar-condicionados, mas a qualidade do serviço é a mesma. Os trens continuam quebrando, atrasando nos seus horários, e os usuários revoltados. 

A mesma coisa pode ser dita em relação ao serviço de telefonia prestado pela OI. Uma porcaria! A internet cai à toda hora. Já cheguei a ficar três dias sem Telefone fixo e sem banda larga, e ao ligar a empresa alegou reparos feitos na região. Fora o fato de que ao contatar a prestadora de serviço é impossível falar com um atendente humano, é uma tal de Joice que atende e a comunicação com a mesma é algo surreal. 

Vamos pensar um pouco a respeito dos serviços bancários. Se você acha que a privatização é a saída para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica te convido a fazer uma comparação entre estas e uma agência do Banco Bradesco, por exemplo. (Um dos bancos que mais cresce em termos força e poder financeiro no Brasil). Falo isto como quem optou por não receber seu salário em uma por conta do péssimo serviço prestado.

O que constato aqui é que a privatização não é sinônimo de melhoria do serviço. Mas não falta gente para dizer que a privatização é boa. E justamente neste ponto reside o problema. Boa para quem? Antes de responder esta pergunta indague se você consegue imaginar uma sociedade em que não haja mais médicos, bombeiros e policiais servidores públicos. 

Isto significa que na medida em que os serviços de saúde forem encarecendo, aquele plano de qualidade no qual você paga de dois a três mil reais por quatro pessoas da família, pouco à pouco deixará de dar cobertura às suas necessidades. Imagine somente poder contar com a segurança privada, e não mais com a pública. Já é ruim com, mas sem é pior ainda. 

Há alguns anos vivenciei uma crise no Estado que resultou em atrasos salariais para os servidores públicos. Fui ajudado por muita gente da iniciativa privada, confesso. Daí escrever aqui este artigo sem o mínimo pedantismo, apenas relatando os fatos frios em si mesmos. Não tocarei aqui na questão de quem é melhor. Não é esta a tônica do presente post. 

O mundo precisa de servidores públicos de de trabalhadores na iniciativa privada. Há bons e péssimos trabalhadores em ambas. Já fui extremamente mal atendido por um funcionário (portador de deficiência física, ou portador de necessidades especiais), da light. A pergunta que não quer calar é: devo por conta desta má experiência marginalizar todos os funcionários desta empresa? Óbvio que não. 

Devo sublimar esta empresa por conta do atendimento que os bons funcionários da mesma prestam? Óbvio que não! Como prestadora de serviços na área de energia elétrica a mesma deixa muito a desejar. Um apagão em bairros do centro do Rio de Janeiro demora muito mais para ser resolvido que na Zona Sul. Há muito para ser melhorado. 

Uma última questão a ser examinada antes de encerrar este post. Se o problema do serviço público fosse o servidor, seria facilmente resolvido. Como? Bastaria colocar no aplicativo (o vulgo app) no lugar do servidor. Mas não é este o problema. A questão mais do que nunca evidenciada é a diminuição do Estado. Como? Responderei abaixo. 

O mau funcionamento do serviço público é um projeto, na verdade uma política de Estado nos últimos trinta anos. O bom funcionamento do serviço demanda uma política. Não há serviço de Policia e de defesa civil, sem Política eficaz de segurança pública. As instituições de segurança precisam de sólido investimento para realizar atividades que vão desde o treinamento até as atividades junto ao público.

Da mesma forma os serviços de saúde não funcionam sem pessoal. A prova disto são as frequentes reportagens a respeito da saúde no Rio durante a época do então prefeito Marcelo Crivella. O problema da saúde na época era decorrente da terceirização dos serviços.Ou seja, o Estado delegando às organizações sociais o serviço de saúde. As fraudes decorrentes deste processo estão registradas nas mesmas matérias. 

Uma pesquisa básica no Google é o suficiente para mostrar as inúmeras irregularidades no sistema das O.S. A crise na saúde do Rio de Janeiro (que em tese redundou no afastamento de seu governador recém eleito, cujo mérito jurídico ainda está sob análise do judiciário e do legislativo), tem como pano de fundo a gestão de saúde feita pelas organizações sociais. 

Um fator agravante nesta análise é a ausência de memória. Os antigos postos de saúde eram bons em serviços ambulatoriais. Era possível fazer um exame e ter uma consulta médica. Já fui usuário deste serviço. Hoje ele ainda existe e funciona, mas de forma bem mais precarizada do que ocorria. Antes o problema era uma fila e acordar cedo demais. Agora é esperar por um serviço que não existe por conta da falta de pessoal. 

Mas na ausência de memória registrada faltam os elementos que permitam uma comparação entre os dois serviços. Outro ponto a ser considerado é a demora na percepção. Ela não vem de imediato. Há poucas pessoas jovens com memória para fazer a comparação entre ambos os serviços. Uma vez realizada a comparação, percebe-se que ocorreu uma piora. 

Com toda esta piora, é ao SUS que Paulo Guedes recorre para tomar sua dose de imunizante da coronavac. O site G1 relata que durante sua vacinação ele foi indagado a respeito do orçamento que impacta nos serviços públicos. Está mais do que na hora de rever o projeto de sociedade que tem sido implementado aqui desde a época de Collor, e levada adiante por FHC e Lula. 

O funcionário público não existe em decorrência de uma postura paternalista do Estado para com um grupo supostamente tido por especial, ou privilegiado. Ele ainda é um fator importante na movimentação da Economia. Os impostos dos funcionários públicos (que como os de toda a nação não foram corrigidos), são descontados na fonte. 

Não é permitido a um funcionário público receber seus salário como pessoa jurídica. Qualquer funcionário público que ganhe acima de cinco mil reais está pagando uma taxa altíssima de impostos. Além do imposto descontado na fonte há o imposto descontado a partir do consumo (onde está a maior carga tributária). 

E aí, é proibido falar de funcionário público? Óbvio que não! Desde que o faça com conhecimento de causa. Sugiro maior conhecimento da administração pública, de Economia (que nada tem a ver com as técnicas de operação no mercado financeiro, mas que é um conhecimento que abrange desde a Filosofia Moral até a análise politica). 


Marcelo Medeiros. 

5 comentários:

  1. As críticas ao funcionalismo público, ao meu sentir, são justas quando são considerados os princípios norteadores da Administração Pública. Obviamente, a perspectiva política e econômica do chefe do Poder Executivo, com o devido freio dos outros Poderes, dão a tônica do rumo do serviço público prestado ao cidadão.
    De outro lado, independente da liderança, criticar o servidor, por erros da gestão estrutural do órgão pelo qual presta o serviço, significa pô-lo como um bode expiatório de um mal maior que, não necessariamente, ele tenha dado causa.

    Como servidor, vejo que, especificamente, o problema do funcionalismo reside na precariedade da estrutura (condições de trabalho) de quem está na ponta e da desmotivação dos que recebem salários ínfimos (profissionais da saúde, educação e segurança).

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  2. As críticas ao funcionalismo público são justas quando, a meu ver, guardam sintonia com os princípios que regem a Administração Pública (LIMPE). Parece-me que as críticas mais justas são aquelas que questionam a eficiência dos serviços públicos prestados, do ponto de vista do cidadão destinatário final dos serviços prestados.

    Quando o cidadão se queixa de toda a “burocracia” e papelada, além da morosidade, para um serviço demandado, toda a insatisfação é válida e compreensível.

    Entretanto, as críticas dirigidas ao funcionalismo público precisam levar em conta a “face oculta” ou, em outras palavras, suas causas prováveis que geram tanto desconforto ao cidadão.

    Nesta perspectiva, me parece injusto que toda a responsabilização de um mal serviço, apropriadamente identificado, recaia sobre os servidores (pessoas físicas). Ainda que caia, necessário se faz a devida identificação, o que a meu ver, recairia sobre “as torres, bispos, reis e rainhas”, não sobre os peões e chão de fábrica.

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  3. Quando dizemos que o serviço é péssimo, lento e caro, precisa-se ter a clareza se a culpa é do servidor ou da estrutura que lhe impossibilita ou engessa de cumprir sua vocação, função e missão, que é, respeitada a legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, prestar um serviço eficiente.

    Consideremos, por exemplo, os casos mais atuais, em que servidores, cumprindo ordens, muitas vezes ilegais, chegam as vias de fato para tomar a mercadoria de um vendedor de suco ou picolé na rua. Neste caso, me parece ser questionável tanto a conduta do servidor cumpridor da ordem quanto do servidor de quem tal ordem (vide Decretos) emanou.

    Como abordado no blog, pelo autor Marcelo Medeiros, a penalização do servidor público é justa se tiver nome e sobre nome, em outras palavras, se as consequências vistas têm a causa nos próprios servidores, os quais, em muitos aspectos, são, também, reféns de uma estrutura mal gerida.

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  4. Como abordado pelo autor, é necessário, de fato, considerar os aspectos políticos, sociais, econômicos e institucionais, para se entender, e até mesmo criticar, a eficiência do funcionalismo público, sobretudo nesse momento tão nefasto que vivenciamos.

    Sem adentrar no mérito, o cenário visto demonstra que há um problema de gestão no funcionalismo, nos três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário). Com isso, não minimizo os erros cometidos, pessoalmente, pelo servidor, quer seja ocupante de cargo técnico ou não.

    Óbvio que muito precisa se melhorar no funcionalismo público. Quais seriam as soluções? Redução de salários apenas da base do Poder Executivo, excluindo-se a elite do funcionalismo nos três Poderes? Essa medida parece apenas uma pólvora que gerará insatisfação, acentuará a desigualdade e causará insurgência corporativista (porque há) da categoria que se sentir prejudicada. Os comentários de bastidores sobre a PEC 32/20 está aí para exemplificar.

    Não sou um defensor da estatização, pois deixaria o Estado inchado, e com mais poder do que o necessário, nem do minimalismo Estatal, ou de sua extinção como querem os anarcocapitalistas. Tenho simpatia pelo pensamento do Dr. Enéas Carneiro que defendia o que ele chamava de “Estado Necessário”. Nem grande, nem pequeno, mas do tamanho que lhe permita cumprir seu mister, sem sufocar as liberdades individuais ou a propriedade privada, injustificadamente, de ninguém.

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  5. Em resumo, penso que o chamado Estado Necessário seria o caminho adequado, o que, necessariamente, refletiria sobre o funcionalismo público, resultando, a meu ver, sua redução, mas com ênfase nas áreas primárias de atuação estatal (saúde, segurança e educação).

    Minhas escusas ao autor, por misturar os temas, mais considerando as questões levantadas, seria a mim um pouco difícil apenas uma abordagem.

    Por fim, mas me posicionando diretamente, entendo que uma das formas de trazer melhorias ao funcionalismo público é, prioritariamente, o respeito, pelos gestores e servidores subordinados, aos princípios norteadores da Administração Pública.

    Segundo, que houvesse o fim das distorções salariais, que tanto causa indignação ao servidor, para que não tenhamos servidores que dão a vida pelo cidadão, como no casos dos servidores das forças auxiliares de segurança, ganhando salários ínfimos. De igual modo, é injustificável servidores da saúde e da educação recebendo salários baixos, ao passo que temos mandatários (políticos) que representam o próprio umbigo, mas ganham salários astronômicos.

    Nesta perspectiva, entendo ser injusto imputar ao servidor do baixo escalão toda a deficiência do serviço público, considerando que não são eles os responsáveis pela tomada de decisão e gestão, o que não exclui sua responsabilidade pelo bom cumprimento de seu dever nos termos da constituição (estadual ou federal) e da lei própria que lhe regulamenta.

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