O contexto do profeta Jonas pode
ser situado de forma histórica. É esta a abordagem predileta da grande parte
dos ortodoxos, ao passo que os críticos preferem uma abordagem mais alegórica.
Conforme vimos ao longo do estudo anterior Jonas nos apresenta um problema de
natureza complexo. Não há uma abordagem que sequer possa ser considerada
histórica, mas interpretar o livro com se o mesmo fosse uma fábula, ou novela
nos deixa diante de problemas mais sérios.
Em todo o momento o livro
descreve um Deus que intervém na natureza e nos homens. Se o que está escrito
ali não aconteceu, a Teologia apresentada no livro está firmada em terreno
movediço. A abordagem cientifica da Teologia é muito interessante, mas quando
esta se propõe a pagar o preço do academicismo, a aplicação prática e vivencial
fica extremamente comprometida.
Daí a minha decisão de
interpretar o livro como uma narrativa real, mas aplicar as lições extraídas do
pensamento crítico. Sob tal perspectiva, Jonas é um profeta que viveu durante o
séc. IX a. C, durante o reinado de Jeroboão II em Israel. Foi ele o
profeta que profetizou o restabelecimento do território das dez tribos conforme
vemos em II Rs
14. 25ss.
Esta perspectiva permite-nos um
entendimento mais esclarecido a respeito da resistência do profeta em ir para
Nínive pregar a palavra de Deus. o próprio admite que fugiu para Társis, porque
sabia que Deus é misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio
de amor e que promete castigar mas depois se arrepende (Jn 4. 2).
Por outro lado, temos de
considerar que em um aspecto, críticos e ortodoxos concordam. O livro pode ter
a seguinte aplicação: Jonas seria um símbolo da nação de Israel. A esta foi
designado o papel de ser luz para as nações (Ex 19. 5, 6; Dt 4. 4 – 7), mas
esta não entendeu bem o seu papel e por este motivo fugiu do mesmo. Ainda
assim, o povo eleito, à semelhança de Jonas, foi milagrosamente preservado por
Deus (Jr 30. 11; 31. 35 – 37). Esta é abordagem seguida, por exemplo, por John
MacArthur, e que pode ser conferida em sua Bíblia de Estudo.
Hill e Walton em seu Panorama do
Antigo Testamento propõem uma abordagem diferente. Para os autores há erros em
se comparar Jonas com Israel. A maior riqueza do livro é perdida quando tal ocorre.
Para os mesmos, Jonas é similar á Nínive, ambos são alvos da misericórdia
divina, ambos são preservados por Deus (Jonas mediante o arrependimento por sua
desobediência, e Nínive mediante o jejum apresentado).
O DEUS REVELADO
Diante de tal abordagem, a lição
ganha outras conotações. O foco é retirado da ênfase missionária e colocado
sobre Deus, que além de intervir em cada momento, que além de agir, usa de
misericórdia com quem ELE quer. No livro,
1.
É Deus quem dirige a palavra a Jonas. A palavra do Senhor veio a Jonas, filho de
Amitai (Jn 1. 1).
2.
O Senhor, porém,
fez soprar um forte vento sobre o mar (Jn 1. 4 NVI). Relâmpagos e granizo, neve e neblina,
vendavais que cumprem o que ele
determina (Sl 148. 8 NVI). Quem
ajuntou nas mãos os ventos? Quem embrulhou as águas em sua capa? (Pv
30. 4 NVI). A resposta para esta pergunta é uma: Deus, o Deus revelado no livro
de Jonas.
3.
Este é o Deus dos
céus, que fez o mar e a terra
(Jn 1. 9 NVI). Ao Deus que fez todas estas coisas com as suas mãos nada é impossível,
nem mesmo interferir em sua criação para servir ao seu eterno propósito.
4.
Tudo o que ocorreu na tempestade foi de acordo com o
desejo divino (Jn 1. 14). A lição que extraímos daqui é a de que nada escapa ao
seu controle soberano.
5.
O mesmo Deus que preparou um peixe para engolir Jonas
deu ordem para que o mesmo o vomitasse (Jn 1. 17; 2. 10). Tal como ocorre na criação
dos céus de da terra, os elementos da natureza obedecem à voz de Deus a fim de
cumprir com o propósito do mesmo.
6.
O Senhor faz nascer uma planta para dar conforto ao
profeta e ele mesmo manda um verme para acabar com a planta e em seguida, Deus
mesmo traz um vento oriental para incomodar Jonas e dar uma lição nele.
Aqui cabe mais uma consideração. A historia é uma ramificação da ciência moderna,
e como tal não pode apreender Deus. A razão é bem simples: a ciência é um tipo
de conhecimento forjado visando a explicação da natureza e controle da mesma. Qualquer
livro de Filosofia e de Filosofia da ciência vai dizer isto. Deus nem se
submete ao controle humano, nem está no mesmo nível de compreensão que vemos
nos objetos da natureza. Daí a dificuldade de enquadramento de uma Teologia bíblica
e ortodoxa nos moldes da ciência moderna.
Jonas afirma que Deus é misericordioso e compassivo,
muito paciente, cheio de amor e que promete
castigar mas depois se arrepende (Jn
4. 2).
Deus é חַנון (piedoso,
misericordioso, compassivo) e אַף (tardio em se irar,
que respira fundo), aquele que possui uma abundante compaixão, principalmente
em relação aos que se arrependem (Jl 2. 13). Traduzido por misericordioso e compassivo
na Almeida Revista e Corrigida.
Também É אָרֵך׃ (muito paciente). O mesmo
que tardio em
irar-se. Traduzido por longânimo na Almeida Revista e
Corrigida, e muito paciente na NVI.
A expressão cheio de amor, ou
grande em benignidade é equivalente ao termo חֵסֵד (hesed).
Sobre o arrependimento divino em
relação ao mal, precisamos considerar que o verbo usado aqui, pelo autor é ןָחַם
(naham), cujo sentido é o de
sentir-se pesaroso ao ponto de sentir piedade, ou se lamentar. Este pesar tem
de ser interpretado à luz das demais perfeições mencionadas pelo profeta.
Estas são as bases do tratamento
de Deus para com Israel e o livro as coloca como forma de tratar a todos indistintamente.
A LIBERDADE DIVINA
Se Deus mostrou misericórdia para
com o profeta desobediente, não há razão para crermos que ele não deva mostrar
a mesma benevolência para com os ninivitas. Para o profeta e para os que seguem
a lógica do mesmo o Senhor pergunta: Você
tem pena dessa planta, embora não a tenha podado nem a tenha feito crescer. Ela
nasceu numa noite e numa noite morreu. Contudo, Nínive tem mais de cento e
vinte mil pessoas que não sabem nem distinguir a mão direita da esquerda, além
de muitos rebanhos. Não deveria eu ter pena dessa grande cidade? (Jn
4. 10, 11 NVI).
O desafio do presente texto nos
mostra o quanto nossos critérios estão invertidos. Temos zelo por aquilo que
nos é útil. Mas Deus zela por tudo aquilo que ele fez, e com base neste zelo
afirma: Terei misericórdia de quem eu
quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão (Ex
33. 19 NVI). Paulo reflete o mesmo conceito ao falar da soberania divina em
Romanos (Rm 9. 15ss).
Assim, por meio do livro Deus
quer mostrar que a sua graça, justiça, benevolência, misericórdia,
longanimidade e compaixão, estão disponíveis aos que ele quiser demonstrar,
independente de nossos critérios e de nossas justiças. Jonas afirma que Deus é misericordioso e compassivo,
muito paciente, cheio de amor e que promete
castigar mas depois se arrepende (Jn
4. 2), dando a entender que ele não queria que tais perfeições fossem aplicadas
aos ninivitas, mas Deus ignorou a vontade do profeta e agiu livremente.
A lição pode ser resumida nas
palavras de Paulo Terei misericórdia
de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter
compaixão (Rm 9. 15 NVI).