O discipulado tem sido um assunto cada vez mais recorrente em nossos dias.
Ele tem ganho espaço na mídia referente aos assuntos cristãos e no discurso dos
modelos de crescimento em razão de ser compreendido pelos idealizadores de tais
modelos como método de fundamental importância para o crescimento da Igreja.
Minha preocupação com o tema se dá em razão de ser o discipulado uma ordem de
Cristo aos seus discípulos, embora em Mt 28. 19, 20, a ordem seja referente à
condução das pessoas à obediência dos ensinos de Cristo, e crescimento sequer
seja mencionado. Fato é que o discipulado foi a marca da Igreja primitiva,
tanto que o nome usado para se referir aos cristãos primitivos era
discípulos e paralelo ao de crentes.
A finalidade dos discipulado bíblico consiste na geração de crentes que
obedeçam, guardem ao que Jesus ensinou. Ensinar o Cristo ensinou já se
constitui um grande desafio. Agora levar as pessoas à obedecer ao que Cristo
ensinou é um desafio maior ainda. Todavia no relato paralelo de Marcos, é
possível observar que Cristo cooperava com os seus discípulos na execução da
missão que lhes havia concedido. Mas a despeito da cooperação de Cristo com os
apóstolos, é possível notar que eles tinham um objetivo (anunciar a Cristo com
intuito de levar os homens ao arrependimento e à remissão de pecados), um
conteúdo (o ensino de Cristo era matéria do διδαχή [didaché] apostólico), e uma
metodologia, uma vez que eles ensinavam todos os dias no templo e nas casas. Na
dúvida leia: todos os dias, no templo e
nas casas, não cessavam de ensinar, e de anunciar a Jesus Cristo (At 5.
42). Aqui vemos objetivo, conteúdo (a boa nova do Cristo) e metodologia (ensino
diário). Este mesmo paradigma pode ser percebido em Paulo, veja:
O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor; Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados;O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou No corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis, [....] Aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória; A quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo; E para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente (Cl 1. 13- 29 ARCF).
Qual é o objetivo claramente delineado aqui? Apresentar todo o homem
perfeito em Jesus Cristo. Não se trata de mera perfeição moral, mas da
perfeição decorrente do estar em Cristo. O termo que aparece aqui para perfeito
é o grego τέλειον (teleion), cujo sentido varia desde perfeição até a
maturidade. Neste aspecto o texto tem de ser lido à luz do contexto de da carta
gêmea de Paulo aos colossenses. Aos Efésios Paulo afirma que o propósito da
obra do ministério é a edificação do corpo de Cristo, a saber, que alcancemos a
estatura de varão perfeito, άνδρα τέλειον
(andra teleion), que equivale a estar conformado a Cristo. Paulo diz: até que todos alcancemos a unidade da fé e
do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida
da plenitude de Cristo (Ef 4. 13 NVI).
Agora perceba, caro leitor que o amadurecimento na fé depende do
conhecimento de Cristo, e que para isto são instituídos apóstolos, profetas,
evangelistas, pastores e mestres, visando o aperfeiçoamento dos santos para a
obra do ministério. Uma vez os santos aperfeiçoados o corpo, como um todo,
cresce para o pleno conhecimento de Cristo. É aqui que retornamos ao texto de
Cl 1. 13 – 29.
É o conhecimento de Cristo, e de sua obra que garante a perfeição almejada
pelo próprio Cristo quando aqui na terra (Mt 5. 48), o que nos remete ao conteúdo.
O homem perfeito é um homem que foi resgatado do império das trevas para o
reino de amor do Filho de Deus, cuja principal marca é o fato de haver sido
resgatado dos seus pecados, de sua vã maneira de viver.
O homem perfeito é o homem que sabe que todas as coisas foram criadas em
Cristo e para Ele são, e assim sendo o governo de sua vida não lhe cabe mais,
mas ao Senhor que o resgatou. Sim o tão ansiado reino de Deus começa agora com
o reino de Cristo na vida do cristão, do homem regenerado. Este reino se
expressa por meio de uma comunidade cuja maior marca é a reconciliação
promovida na cruz, que por sua vez possui duas dimensões. No aspecto vertical
ela nos lembra a nossa reconciliação com Deus (Rm 5. 8 – 10), no horizontal,
nossa reconciliação com os homens (Ef 2. 13- 16).
Este é o conteúdo ministrado por Paulo, e a julgar pela
carta, suficientemente poderoso para que os objetivos (promover a maturidade)
sejam alcançados. Mas o grande fato que tem de ser ressaltado aqui é que a
totalidade do conteúdo é Cristo. O discipulado não é meramente teológico, mas
primordialmente cristocêntrico. Daí que escrevendo aos irmãos de Corinto, Paulo
tenha dito: decidi nada saber entre
vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado (I Co 2. 2 ARCF). Mas
não basta falar de Cristo, quando se faz isto de forma esporádica.
O que precisamos é falar de Cristo em toda a sabedoria. Para
isto necessário se faz com que este falar de Cristo se dê por meio de exortação
e de ensino, e isto em παση σοφια (pasee Sophia). O termo grego para ensinar é διδασκω
(didaskoo), ao passo que para advertir, ou admoestar é νοιθετέω (noithetéoo), que por sua vez é oriundo de duas palavras gregas νοως noous
[mente]), e τιθεμι (tithemi), cujo
significado é o de colocar. Com isto, o verbo na verdade significa trazer à
mente. De posse de tais dados exegéticos é possível a compreensão de que Paulo,
na verdade se vale de todos os recursos para que o seu ensinamento não seja
esquecido, mas seja constantemente lembrado.
A respeito
da sabedoria, vale lembrar que o pentecostalismo, meio do qual faço parte, tem
sido invadido por um discurso tendenciosamente anti intelectual, Jonh Stott,
afirmava que ao abrir mão de pensar, o homem abre mão de dignidade que o
criador lhe conferiu. Retornado ao apostolo Paulo, se observa o mesmo afirmando:
falamos sabedoria
entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes
deste mundo, que se aniquilam; Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em
mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória(I Co 2.
6, 7 ARCF).
O termo perfeito aqui é o mesmo empregado por Paulo na carta
aos Colossenses. Τελειοις (teleiois)
é empregado para maturidade. É claro que esta sabedoria não pode, nem deve, sob
hipótese alguma ser reduzida á sabedoria deste mundo, pois a considerar o
contexto dos textos aqui citados a identidade da sabedoria aqui é Cristo (I Co
1. 30, 31). Não é sem razão que Paulo ora,
Para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus e Pai, e de Cristo, Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2. 2, 3 ARCF).
Para o pregador da fé ente os gentios estava claro que a
maturidade demanda sabedoria, e que sendo Cristo esta sabedoria, quando mais o conteúdo
de Cristo fosse exposto, tanto mais as pessoas seriam amadurecidas na fé.
Assim, alem de dispor da ajuda divina para tal, ele ainda se valia dos recursos
simbólicos para proclamar a Cristo. Aqui se faz necessária uma outra reflexão. Mais
do que uma metodologia, o discipulador tem de contar com o poder de Deus para
ser bem sucedido. Neste ponto o leitor pode perceber que retornei à fala
inicial. Mas antes de encerrar Este post gostaria de chamar a atenção para a
fala final do apostolo no texto base deste estudo. E para isto também trabalho,
combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente (Cl
1. 29 ARCF).
A primeira observação é que discipular é um trabalho árduo. Ao
mesmo tempo em que não nos cabe salvar o mundo, nos cabe fazer de tudo para
ganhar os que estão de fora. Daí a propriedade do termo κοπιω (kopioo), cujo
sentido é o de um trabalho que conduz á exaustão. Tanto que a mesma palavra
pode ser traduzida por cansaço. A segunda observação é que o termo αγωνιζομενος (agonizoomenos), que é uma
das conjugações de um verbo (αγωνιζομαι
[agonizomai]) cuja equivalência em nossa língua é de: competir, de combater. Ele
aparece no texto que Paulo faz a seguinte observação: E todo aquele que luta de
tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém,
uma incorruptível (I Co 9. 25 ARCF). A
última observação é que este combate é realizado por meio da força (ενεργειαν [energeian]) divina. Em nossas
versões ενεργειαν é traduzida por eficácia.
Esta é a daquilo que produz o efeito que se espera. Ou seja, a perfeição, ou a obediência
ao que Cristo ensinou é garantido pelo poder de Deus.
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros
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